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Por Vinicius Neder, Ivan Martínez-Vargas, Juliana Causin e João Sorima Neto — Rio e São Paulo

A aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados na semana passada é apontada por líderes empresariais como uma oportunidade para combater bizarrices do sistema tributário que leva ineficiências ao dia a dia dos negócios. Na indústria de cosméticos, por exemplo, criou-se o “planejamento químico-tributário”. Tudo por causa da disparidade entre as tarifas cobradas no setor conforme cada produto.

— No Brasil, gasta-se muito mais horas para fins de cálculo e pagamento do tributo — diz Patrick Sabatier, executivo de Assuntos Corporativos da L’Oréal. — O time fiscal dedicado ao país é maior do que em todos os demais países.

Considerando apenas o IPI, a taxa é de 42% para perfumes e 12% para água de colônia, por exemplo. É ainda menor ainda para desodorantes, que são considerados itens essenciais.

— Várias indústrias tiram concentração aromática do produto e adicionam um antibactericida, mexem na fórmula, para classificar como desodorante. No Brasil, surgem figuras que não existem no resto do mundo, como “deo-colônia”, “deo-perfume” e até o “deo-hidratante” — diz um advogado do setor que não quis se identificar.

Centro de pesquisa da L´Oreal no Rio — Foto: oglobo
Centro de pesquisa da L´Oreal no Rio — Foto: oglobo

Com o alto IPI, não é vantajoso produzir perfumes no país. Na Touti, marca para consumidores de renda intermediária, eles representam menos de 5% das vendas. Segundo Diogo Costa, fundador da empresa sediada em Jaboatão dos Guararapes (PE), o preço do perfume, para o consumidor final, é 80% maior do que o da “duo colônia”, carro-chefe da marca:

— Visto que a população brasileira tem baixo poder de compra, os perfumes acabam sendo menos competitivos. A diferença brutal de alíquota gera uma discrepância nos preços. Na prática o que muda é a concentração de cada produto.

O executivo espera que a reforma tributária contribua para a redução de distorções como essa no mercado em que atua, mas alerta que é importante que a implementação não eleve a carga tributária sobre produtos, que já considera alta no Brasil.

— Poderíamos entregar produtos de melhor qualidade e maior concentração de essência na fórmula, com considerável benefício para o consumidor, se não tivéssemos que optar (pela qualidade do produto) em função de classificação fiscal — diz Olindo Junior, diretor geral da Água de Cheiro, sediada em Belo Horizonte, que tem 150 lojas espalhadas pelo país.

Para o executivo, isso prejudica a percepção do produto nacional junto ao consumidor:

— Há sempre a percepção do consumidor que o produto nacional tem "menos poder de fixação" do que o importado, já que, por opção de custos, temos que usar a nomenclatura de "água de colônia" ao invés de "perfume". O Brasil é o único país do mundo que classifica produtos por concentração de essência na fórmula, algo esdrúxulo e com origens na década de 1960. O imposto deveria ser igual para toda a categoria de perfumaria, permitindo que o consumidor tivesse acesso a diferentes propostas de produto em função de qualidade e não tributação.

A L’Oréal considera que as diferenças de classificação na tributação, que mudam em cada estado, não têm “nenhum fundamento mercadológico”. Segundo a francesa, no Brasil, alguns protetores solares têm ICMS reduzido, considerados bem essencial, mas outros, não.

Veja abaixo outras bizarrices tributárias que a reforma pode ajudar a resolver:

Obra rápida e eficiente? Imposto não deixa

Na construção civil, impostos desestimulam pré-moldados — Foto: Alexandre Cassiano
Na construção civil, impostos desestimulam pré-moldados — Foto: Alexandre Cassiano

Na construção civil, a cobrança “em cascata” de tributos gera ineficiência, dizem agentes do setor. Por causa da tributação, as empresas são incentivadas a verticalizarem operações, como fazer no próprio canteiro de obras peças de concreto como tijolos, blocos, lajes e pilares, com vigas de aço ou não, em vez de comprá-las de fornecedores especializados.

Segundo Felipe Cassol, presidente da Cassol, fabricante desses produtos, os pré-moldados tornam obras mais rápidas e eficientes, com menos rejeitos. O resultado seria mais produtivo: a construtora conseguiria gerar mais valor com menos desperdício e maior foco, além de impulsionar a demanda de um outro setor.

— A obra vira um sistema de Lego. Teoricamente, é possível subir um pavimento a cada um ou dois dias, enquanto, numa construção convencional, demora-se uma ou duas semanas — diz Cassol.

A tributação acaba influenciando no custo dos pré-moldados, limitando esse segmento da indústria da construção. Segundo Cassol, somente entre 8% e 10% das obras no Brasil usam peças feitas fora da obra.

Em países ricos, como a Finlândia, essa participação é de 60% – em lugares frios, a prática é ainda mais eficiente. Na China, a perspectiva é chegar a 2030 com 30% das obras usando pré-moldados, segundo Cassol.

— O edifício industrializado é mais caro que o arcaico de 20 a 25% — diz Luiz Henrique Ceotto, presidente da construtora Urbic, que usa estruturas metálicas e fachadas industrializadas em seus projetos habitacionais mesmo com o custo maior, fugindo à regra. — Construir com alta produtividade, com estruturas de metal e pré-fabricados, só fica mais caro por causa do ICMS e do IPI, que desincentivam. O edifício industrializado

Segundo Ceotto, a maior parte do custo é concentrada no início das obras, quando as peças são encomendadas e produzidas.

Cassol conta que sua empresa acaba tomando decisões menos eficientes por causa da tributação. Para conquistar clientes, a companhia oferece serviços de montagem nas obras. Num cenário com um sistema tributário mais racional, o serviço poderia ficar a cargo de empresas especializadas, enquanto a Cassol focaria na produção, expandindo fábricas, ampliando investimentos e contratando funcionários.

Construção de conjunto habitacional em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense — Foto: Roberto Moreyra/4-2-2022
Construção de conjunto habitacional em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense — Foto: Roberto Moreyra/4-2-2022

A demanda de pré-moldados é geralmente concentrada em projetos de centros de distribuição, indústrias e shoppings, nos quais a rapidez é decisiva e se paga. O setor imobiliário costuma ficar de fora.

Carlos Bianconi, presidente da RNI, construtora do Grupo Rodobens, confirma o diagnóstico. Segundo ele, o uso de pré-moldados pode elevar em até 25% o custo do projeto, apesar de dar mais velocidade à obra. A companhia, que tem empreendimentos imobiliários em 12 estados e atua no segmento de habitação de médio padrão, quase não usa pré-moldados devido ao custo majorado por impostos:

— Trabalhamos com formas de alumínio no canteiro, nas quais é injetado o concreto. É mais econômico, mas, obviamente, se eu trouxesse as partes da casa pré-montadas, seria fantástico. Só que é totalmente inviável porque o tributo é pesado.

Paulo Mingione, do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), identifica o imbróglio: a produção no canteiro é considerada um serviço e paga apenas ISS, tributo municipal que tem alíquotas menores que a dos impostos sobre a venda de produtos. O tributo incentiva uma prática menos eficiente, que reduz a velocidade da obra e, em consequência, a produtividade.

— Sempre que o construtor quer comprar viga, pilar ou laje pré-moldados, tem de pagar ICMS e IPI em alíquotas elevadas e isso faz com que essas opções sejam mais caras. O custo pode aumentar na ordem de 30%. Quando se faz moldado no canteiro da própria obra, o imposto é menor. Essa opção é muito menos eficiente e demorada, praticamente artesanal, mas é mais escolhida por questões tributárias — explica. — A gente tem uma máxima que diz que se tiver de atravessar a rua, o material fica mais caro devido aos impostos.

Maior exportador de soja, mas só se for em grão

Máquinas agrícolas na lavoura de soja em Tangará da Serra — Foto: Paulo Fridman/Bloomberg
Máquinas agrícolas na lavoura de soja em Tangará da Serra — Foto: Paulo Fridman/Bloomberg

A complexidade da tributação atrapalha a vida dos exportadores, por causa da dificuldade para pegar de volta os impostos pagos na cadeia de produção. Isso ocorre em vários setores, mas chama a atenção nos derivados da soja. O Brasil é o maior produtor mundial do grão, principal cultura agrícola do país. É também o maior exportador global, mas 60% da produção deixam o país na forma bruta.

A Brejeiro, que começou como produtor de arroz, fabrica farelo de soja, mistura proteica, óleo de soja e biodiesel, mas exporta de 20% a 25% da matéria-prima bruta que compra dos produtores agrícolas ou das comercializadoras (tradings) que atuam no país.

Segundo Rodrigo Ruiz, gerente de controladoria da Brejeiro, a decisão de exportar é financeira e está relacionada à tributação. Se fosse fácil pegar os tributos de volta, a empresa “esmagaria” mais soja e poderia até ampliar suas exportações do óleo, que equivalem a menos de 5% da produção.

— Se estivéssemos esmagando com a capacidade total das fábricas, e existisse incentivo para a ampliação dessas fábricas, geraríamos mais empregos e mais investimentos no negócio, consumiríamos mais combustíveis e energia elétrica. Essa movimentação é representativa na economia do país. Geramos uma riqueza muito maior esmagando a soja, em vez de simplesmente exportar in natura — afirma Ruiz.

O polêmico dilema do software: é produto ou serviço?

A indústria de software vive num limbo tributário em meio a uma economia que não diferencia mais produto de serviço — Foto: Pixabay
A indústria de software vive num limbo tributário em meio a uma economia que não diferencia mais produto de serviço — Foto: Pixabay

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal concluiu uma discussão de anos, digna do surrealismo do sistema de impostos nacional. Decidiu que os softwares que rodam nos computadores são um serviço, não produtos.

A Reforma Tributária resolve esse tipo de dilema com a CBS e o IBS, um tipo de imposto mais adequado a uma economia em que bens e serviços se misturam cada vez mais porque incide sobre ambos. Hoje há muitas variações.

— Quando começamos, em 1989, tínhamos duas fontes de receita. Vendíamos o software e cobrávamos manutenção mensal. Ao longo do tempo, ficamos puramente com a manutenção. O que a gente cobra hoje não é produto — diz Ladmir Carvalho, fundador da desenvolvedora de softwares fluminense Alterdata, lembrando que, antes da disseminação da internet, a empresa tinha que pagar ICMS sobre os CD-ROMs que levavam os programas.

Isso não é novidade no setor de tecnologia da informação (TI). No jargão do setor, o software as a service define o modelo em que a empresa desenvolvedora não vende simplesmente o programa de computador para o cliente, mas oferece manutenção e suporte na utilização.

Marco Stefanini, CEO da Stefanini — Foto: Divulgação
Marco Stefanini, CEO da Stefanini — Foto: Divulgação

Empresas de TI, que usam a tecnologia para otimizar processos em outras organizações, não escapam da burocracia do sistema tributário nacional. A Stefanini, multinacional brasileira que faturou R$ 6,2 bilhões no ano passado, gasta três vezes mais para desenrolar a contabilidade aqui do que nos outros 41 países em que atua.

— O custo a mais da burocracia não é o principal problema. Considero a insegurança jurídica e a alta carga tributária problemas maiores — diz Marco Stefanini, líder da empresa.

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