O dólar avançou, na contramão do mercado lá fora, após declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a situação fiscal no país. Lula afirmou em evento no Rio que "o aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão alcançar a meta de déficit sem comprometer os investimentos". Horas depois, o câmbio começou a perder fôlego e era negociado a R$ 5,38 por volta das 16h.
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A declaração gerou desconforto no mercado, que interpretou que o equilíbrio nas contas públicas viria com mais impostos, e não a partir de corte de gastos. Com isso, o dólar, que estava caindo após a divulgação de inflação nos EUA abaixo da expectativa, inverteu e subiu, alcançando R$ 5,42 na máxima do dia.
O Ibovespa, que estava subindo, passou a cair e chegou à mínima do ano, abaixo de 120 mil pontos.
Também pesou no humor do mercado a decisão do Senado na véspera de devolver parte da MP do PIS/Cofins ao Executivo. A MP limitava o uso de créditos tributários usados para compensar pagamentos de impostos.
Com isso, o governo esperava elevar a arrecadação, mas a má repercussão da medida, especialmente entre empresários, fez o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolvê-la. Para o mercado, o movimento foi visto como uma derrota do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
— Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para segurar o equilíbrio fiscal. Aumento da arrecadação e queda da taxa de juros permitirão alcançar a redução do déficit sem comprometer os investimentos — disse o presidente na abertura do FII Priority Summit, evento organizado pelo Future Investment Initiative Institute.
O instituto é uma entidade sem fins lucrativos financiada pelo Fundo de Investimento Público (FIP), ligado ao governo da Arábia Saudita. O evento é realizado no Rio pela primeira vez, no hotel Copacabana Palace.
Em sua fala à plateia de investidores nacionais e estrangeiros, empresários e representantes do governo saudita, Lula frisou a necessidade de redução da pobreza, e afirmou que "os problemas sociais estão em nosso calcanhar, na nossa porta e nas ruas". Ele argumentou que a reforma tributária ajudará na diminuição de desigualdades, e instou representantes do mercado a entenderem a importância de investimentos sociais.
— A reforma tributária vai tornar nosso regime mais eficiente, mais justo, deixando de penalizar os mais pobres e dando mais competitividade à economia. Sabemos que a economia não existe no vácuo. O mercado não é uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade. Nada disso se sustenta sem estabilidade política e estabilidade social — afirmou o presidente.
Parte do discurso de Lula foi reproduzido em rede social.
A declaração de Lula ocorre no dia em que o banco central americano, o Fed, vai decidir se baixa ou não os juros nos EUA. A expectativa é que a taxa fique inalterada. No entanto, como a inflação americana divulgada hoje veio abaixo da projeção, analistas viram nos dados indícios de desaceleração da economia do país, o que abriria espaço para cortes de juros ainda neste ano.
A decisão sobre a taxa nos EUA impacta diretamente os juros no Brasil e a cotação do dólar por aqui. Quanto menor a diferença entre as duas taxas, maior a tendência de alta da moeda americana.
Como, por aqui, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) vem reduzindo a Selic (a taxa básica de juros, hoje em 10,5%) desde agosto do ano passado, e o Fed vem sinalizando, nos últimos meses, para um adiamento no início do ciclo de baixa por lá, o diferencial de juros para o Brasil vem se reduzindo, um dos fatores a impulsionar a taxa de câmbio no mercado nacional.
Na semana que vem, o Copom tem reunião para definir o nível da Selic. Parte do mercado avalia que o ciclo de corte será interrompido nessa reunião. Hoje, os juros futuros dispararam após fala de Lula.
Além de dados sobre inflação no Brasil, que voltou a subir em maio, e juros nos EUA, o Copom também olha questões fiscais para tomar sua decisão. Para analistas, a declaração de Lula sinalizou que o equilíbrio das contas públicas virá pelo aumento dos tributos.
— Lula indicou que a redução do déficit virá por meio do aumento da arrecadação através do estímulo ao consumo, resultante de cortes nos juros. A última decisão (do Copom) foi dividida e, ao invés de se comprometer com ações concretas para a redução de gastos, espera-se que isso ocorra por meio da flexibilização dos juros no país — avalia Diego Costa, diretor de câmbio para o norte e nordeste da B&T Câmbio.
Na opinião de Victor Beyruti, economista na Guide Investimentos, o mercado avalia que o governo não está demonstrando compromisso com o equilíbrio das contas públicas:
— O cenário vem piorando e o discurso continua o mesmo. É cedo para falar em "fritura" do Haddad, mas existe um receio em relação a isso. Não é uma questão latente agora, mas é um risco que o mercado passa a avaliar. As últimas duas semanas colocaram isso no radar, com o vazamento das falas privadas (do ministro) e essa nova derrota (a devolução da MP) — ele diz.
Na semana passada, uma reunião de Haddad com representantes de bancos e gestoras gerou desconforto no mercado e também fez o preço do dólar disparar. Não se sabe ao certo o que foi tratado no encontro, mas o vazamento de um comentário sobre um possível contingenciamento neste ano em caso de maior pressão de despesas obrigatórias foi um ponto de estresse entre analistas. De acordo com os participantes, o tom da conversa passou a sensação de que a agenda econômica não depende só do ministro.
Haddad tem sido visto entre analistas como uma figura do governo que defende o corte de gastos e o cumprimento da meta fiscal. Então, a possibilidade de que ele esteja enfraquecido aumenta a incerteza no mercado, explica Beyruti.
— O sentimento é que a decisão (de devolver a MP do PIS/Cofins) pode mostrar um certo enfraquecimento do Haddad, o que, aumenta ainda mais as preocupações em torno da questão fiscal — afirma Helena Veronese, economista-Chefe da B.Side Investimentos.