Fabio Giambiagi
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Fabio Giambiagi
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Fabio Giambiagi

Economista


Até a década de 1990, Brasil e Argentina eram indistinguíveis. Ambos os países tinham sofrido com ditaduras e passado por redemocratizações ao mesmo tempo; ambos tinham deixado de crescer na “década perdida” dos 1980; ambos estavam padecendo os efeitos do endividamento externo; ambos tinham relações conturbadas com o FMI; e ambos tinham um histórico de inflação elevada.

Países têm as suas individualidades, mas numa comunidade de 200 nações, quem é de fora contempla a floresta e não a árvore e, nesse sentido, Brasil e Argentina, para o mundo, eram, mal comparando, como Romênia e Bulgária para um brasileiro: “mais ou menos parecidos”, numa mesma região do globo.

Hoje, o Brasil tem muitos problemas: baixo crescimento, investimento fraco, produtividade anêmica, desigualdade grande, déficit público enorme etc. Quando se olha para a Argentina, porém — e testemunhei isso recentemente, passando uns dias de férias por lá — tem-se a impressão de que pertencemos a outro planeta. Ir para lá, como disse a um amigo, é como ingressar no túnel do tempo — e revisitar todas as mazelas que o Brasil, felizmente, deixou atrás há três décadas.

A vida diária associada à inflação é simplesmente um caos. Troquei quatro notas de US$ 100 e recebi de volta 380 notas. Sim, é isso: 380, não 38. A inflação nos últimos 12 meses foi de 288% — e continua aumentando. A inflação média mensal nos primeiros três meses de 2024 foi de 15%. Os reajustes de uma série de variáveis, que até alguns anos atrás eram anuais, passaram para semestrais, depois quadrimestrais, trimestrais, mensais e quando estive em Buenos Aires algumas atividades tinham reajustes quinzenais.

É praticamente impossível comparar preços, porque o supermercado que tem um produto mais barato de manhã pode ter tido ele aumentado em 15% se o consumidor atraído pelo preço que a vizinha citou voltar para fazer a compra de tarde. O país se prepara para a enésima negociação com o FMI, há greves, incerteza etc. O Brasil já foi assim — no passado.

Se não é mais — agora que o Plano Real se encaminha para fazer seu 30º aniversário em junho — é o momento de fazer o devido reconhecimento ao papel que um conjunto de indivíduos teve em 1994 para produzir essa transformação que se tornou um divisor de águas no Brasil, marcando a História com um antes e um depois daquele já distante 30/6/1994 que mudou os rumos da economia.

Quando se vê o que é o dia a dia no país hermano, às voltas com as mesmas questões nossas de 30 anos atrás, percebe-se a dimensão do que aquela equipe foi capaz de fazer. Sob a condução política de Fernando Henrique Cardoso e a hábil regência de Pedro Malan, o grupo dos “pais do Real”, o dream team composto por Gustavo Franco, Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende e Winston Fritsch, contando também com o benefício da reflexão de anos anteriores feita por Francisco Lopes e Eduardo Modiano — embora estes dois últimos não estivessem na equipe — elaborou um plano com grande dose de engenho.

Ele foi fruto de dez anos de uma rica discussão no âmbito do Departamento de Economia da PUC-RJ, sob a liderança intelectual de Dionísio Dias Carneiro e Rogério Werneck. Foi esse plano que permitiu passar de um Brasil de uma inflação de 50% ao mês para virar um país com uma inflação de 4% — ao ano. Plano esse que — cabe lembrar — contou na época com a crítica ferrenha do PT, que a ele se opôs de todas as formas, com o argumento de que teria efeitos recessivos e seria um fracasso, como os anteriores cinco planos de estabilização tentados desde 1986.

Não há hoje na Argentina, pelo menos por enquanto, uma reflexão consolidada acerca de como implementar um plano de estabilização e desindexar a economia, como havia no Brasil em 1994. E, muito menos, alguém com a habilidade de FHC. Liderança política e consistência técnica: feliz do país quando essas duas coisas se juntam. Foi a combinação zodiacal que o Brasil teve há 30 anos.

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