Situações desesperadoras pedem medidas desesperadas. E, no auge da epidemia de Aids, um grupo insuspeito fez valer este ditado. No final dos anos 1980, antes que o AZT fosse liberado no Brasil, comissários de bordo se uniram para comprar no exterior o medicamento contra o HIV e ajudar pessoas infectadas. Esta história pouco conhecida é o tema da minissérie nacional “Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente”, cujas gravações terminaram este mês. A convite, O GLOBO acompanhou um dia no set em uma casa de shows na Lapa, região central do Rio.
O cenário reproduzia uma boate dos anos 1980, espaço efervescente que era sinônimo de liberdade para a comunidade LGBTQIA+. Na época, era o lugar favorito dos comissários de bordo da trama quando não estavam em sua rotina de trabalho.
Thiago Pimentel, que produz a série ao lado de Mariza Leão e Tiago Rezende, seus parceiros na Morena Filmes, conta que ficou sabendo da história por meio do documentário “Carta para além dos muros” (2019), de André Canto, que resgata a trajetória do HIV e da Aids no Brasil. O doc traz o depoimento de um comissário de bordo. O produtor foi pesquisar mais sobre o assunto e descobriu uma matéria da BBC sobre o caso, escrita por Leandro Machado, sobre comissários da Varig que traziam AZT para o país de forma ilegal.
— Era uma época de pouca fiscalização. Quem tinha um comissário de bordo na família tinha perfume importado, videocassete, porque eles traziam essas coisas naturalmente para o Brasil. Eram grandes muambeiros — brinca Pimentel. — Eles ultrapassavam a lei para salvar vidas.
![Anouk Aarón, Bruna Linzmeyer e Marcelo Gomes durante as filmagens de “Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente” — Foto: Divulgação / Guilherme Leporace](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/uXkUT6qqX2PMGtK_QMbnizQFnBI=/0x0:4192x2796/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/o/B/kKThE8QbeofujIA2827g/monca-credito-guilherme-leporace-4-.jpg)
Pimentel destaca a vontade de fazer uma produção que jogasse um olhar mais atual sobre a Aids, evitando a noção até então mais comum de que a doença seria um atestado de morte. Para comandar a empreitada, o produtor convocou Marcelo Gomes, de filmes como “Cinema, aspirinas e urubus” (2005) e “Paloma” (2022), para a direção geral do projeto.
— Eu vivi os anos 1980 e conheci pessoas que morreram de Aids. É um tema necessário de ser falado. É muito importante voltarmos para a história para entender os erros que foram cometidos — diz Gomes, que divide a direção dos episódios com Carol Minêm. — Sinto que a história se repete. Vimos tanta desinformação e preconceito durante a pandemia que remete, sim, ao que aconteceu nos anos 1980.
Com produtor e diretor gays, a minissérie também conta com atores que se identificam com a comunidade LGBTQIA+: Johnny Massaro, Ícaro Silva, Bruna Linzmeyer, Kika Sena, entre outros.
— Não farão nada sobre nós sem nós. Me interessa participar e assistir a histórias queer — diz Bruna Linzmeyer.
Falta de informação
Massaro conta que teria aceitado o projeto só para trabalhar com Gomes, mas que ficou ainda mais feliz ao saber mais sobre a história. Ele vive um comissário de bordo infectado com o vírus da Aids que começa a trazer medicamentos para amigos no Brasil.
— Dez mil pessoas por ano ainda morrem de Aids no Brasil. Por uma doença que não tem cura, mas já tem tratamento. Essas pessoas estão morrendo por falta de informação e preconceito. Então, uma série que joga luz sob esse tema pode ajudar a salvar vidas — acredita o ator.
![Ícaro Silva em cena de “Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente” — Foto: Divulgação / Guilherme Leporace](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/V0YQatIs-jG0Mu_aEOPNJBbO4Oo=/0x0:4955x3242/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/y/o/n3RDt1Tzu9Sdhk4aLiQw/monca-credito-guilherme-leporace.jpg)
O ator e músico Ícaro Silva interpreta Raul, o host da boate onde se passa parte da história e que também se apresenta como drag. Em seu arco na série, o personagem assume a função de um ativista que alerta a comunidade para os perigos concretos da doença e busca acionar políticas públicas no enfrentamento da epidemia.
— O que me interessa nessa série é honrar o legado de muitas pessoas que se foram em condição de preconceito, abandonadas à própria sorte, e que ainda assim brilharam muito — afirma Ícaro Silva.
“Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente” será exibida na HBO, coprodutora da minissérie, mas ainda não há previsão de lançamento.