Ruth de Aquino
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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

O vento sopra sempre. O sol é abrasador, como num deserto à beira-mar, o que torna a sombra das amendoeiras uma bênção. No balneário de Atafona, vila de pescadores de São João da Barra, na foz do rio Paraíba do Sul, passei os verões de minha infância e adolescência. Saía de Copacabana com os pais, pegava a barca e, ao fim da tarde, chegava a um pedaço de paraíso. Hoje, Atafona é o cenário da maior erosão costeira do Brasil: 14 quadras e 500 casas destruídas. Um milhão de metros quadrados.

Entre as casas já engolidas e outras em ruínas, estão muitas da numerosa família Aquino, de São João da Barra e Campos. Meus avós tiveram 23 filhos. Escolhíamos pela idade os primos mais amigos. Antigamente, a praia tinha dunas e um areal imenso, cansava chegar ao mar marrom e limpo das águas do rio. Andávamos a cavalo e de jipe na beira, às vezes atolávamos, felizes, fora do alcance paterno. Cajá-manga com sal. Suco de carambola. Doces de jaca. Chuviscos. Caranguejo comprado vivo na porta de casa.

Hoje, o mar avança cinco metros por ano sobre esse vilarejo de ruas de areia. O que era, para mim, uma paisagem de realismo mágico virou um panorama desolador. Os habitantes relutam em sair, mas recuam quando a água destrói os muros, sem saber se terão de recuar novamente – e se um dia Atafona será uma cidade-fantasma. Há restaurantes que já mudaram de local várias vezes, como o do Ricardinho, que serve um polvo memorável. Não é uma tragédia de perdas humanas como nas inundações. Porque a erosão é gradual. Previsível.

Atafona é um retrato de muitas de nossas mazelas. O descaso com as mudanças climáticas. A intervenção suicida do homem na Natureza. A falta crônica de planos de prevenção de desastres. A paralisia do poder público. Como a responsabilidade é compartilhada por município, estado e país, ninguém se sente responsável. É geral. O Rio Grande do Sul nos alarma também por isso.

Há diagnósticos claros de causas e soluções, mas nada se faz concretamente. Muita reunião, muito palavrório, muita promessa. Tudo engavetado ou protelado. Para “o futuro”. Ou para a próxima campanha eleitoral. Ou a próxima catástrofe. Prefeituras contratam novos especialistas e empresas, fazem novas licitações. Aprovam-se emendas, mas parlamentares somem na hora de honrar os recursos. Os planos se desatualizam nos escaninhos.

Em Atafona, a origem do avanço acelerado do Atlântico se deve às barragens no Paraíba do Sul, construídas nos anos 1980 para abastecer o Rio de Janeiro. O rio, enfraquecido e assoreado, parou de proteger as areias de Atafona.

Conversei com um geógrafo marinho, professor da UFF, com doutorado em geofísica, Eduardo Bulhões. “O maior transportador de areia para qualquer praia são os rios. O Paraíba do Sul, solicitado para abastecer a metrópole, indústrias e propriedades rurais, foi impedido de fazer seu trabalho natural, perdeu velocidade, potência”.

Há duas soluções possíveis para evitar o sumiço de Atafona. Uma é construir barreiras, o que se chama de “armar o litoral” com rochas e quebra-mar. A outra é a proposta de Bulhões: “Construir com a Natureza, bombeando areia de baixo do rio, por dutos, para a praia. Isso se chama de ‘engordamento’ ou ‘preenchimento artificial’ da praia. Como foi feito em Copacabana ou Camboriú”.

A Atafona de minhas férias juvenis, quando ganhei uma serenata, primeira e última, não existe mais como era. É tristemente famosa, em inglês e em francês, como a cidade engolida pelo oceano. Mas voltei a passear lá uma vez por ano. A memória afetiva é reavivada pela eterna “fresca” (os ventos locais) e pelas histórias contadas na Loja do Milagre dos Aquino. Atafona se tornou uma personagem íntima de vínculo e resistência.

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