Ruth de Aquino
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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília

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Ruth de Aquino

Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.

Por Ruth de Aquino

Basta assistir a duas séries no streaming, “Nada” e “El encargado”, para entender por que o cinema argentino, não importa a tela ou a plataforma, é o melhor do mundo. Nossos hermanos sabem contar histórias, construir personagens hilários, ingênuos ou perversos, jogar com as ambiguidades humanas.

“Nada” tem como protagonista um crítico gastronômico intratável e pernóstico, mas sensível. “El encargado” retrata um porteiro ameaçado de demissão por um projeto de piscina no terraço. Parece vítima, mas é maquiavélico. Duas séries da dupla espetacular de roteiristas Mariano Cohn e Gastón Duprat.

Os argentinos sabem dirigir atores, criam monstros sagrados como Ricardo Darín. É um cinema de diálogos memoráveis, nascidos do cotidiano. Situações exasperadoras como a do “Homem ao lado”, em que um vizinho abre janela inconveniente para o casal elitista numa casa de Corbusier. Ou encontros insólitos do “Cidadão ilustre”, escritor famoso que volta à cidade natal para viver pesadelos.

Tudo soa real e surreal. Como nos deliciosos “Relatos Selvagens”, cheios de sarcasmo. Nós nos enxergamos ali, na revolta do motorista multado e rebocado que se desespera. Nos emocionamos com o rabugento dono de uma casa de ferragens em “Um conto chinês”, ou com o pai distante de “O abraço partido”. São filmes para ver e rever. Assombrosamente bons.

É esse cinema, com dois Oscars no currículo, por “História oficial” e “Segredo de seus olhos”, que o candidato de extrema-direita Milei escolheu como alvo de seus “cortes ultraliberais” na cultura. Ele ameaça fechar o instituto nacional de cine e audiovisual – que resistiu a militares.

São lançados mais de 200 filmes argentinos por ano. Fechar o instituto seria crime de lesa-pátria. O cinema, como a literatura, o bife de chorizo e o tango, é a expressão do país vizinho.

Neste fim de semana, a Argentina terá uma eleição dramática. Um segundo turno com resultado imprevisível. De um lado, o peronista Massa, que permitiu inflação anual absurda de mais de 140%. Do outro, um louco furioso. Louco mesmo. Apoiado por Bolsonaro. Mas o cara vai além.

Não há nenhuma foto que mostre Milei equilibrado. Suas imagens são histriônicas, desgrenhadas, raivosas. No ensino médio seu apelido era “el loco”. Solitário, revoltado contra os abusos dos pais.

Quem simpatiza com Milei defende “dinamitar” o Banco Central, dolarizar a economia e privatizar a saúde e a educação. Mas ignora, perigosamente, seus traços de insanidade, muito claros na relação com seus cachorros.

Os cinco “filhos de quatro patas” que batizou com nomes de economistas liberais são seus principais estrategistas. É o que ele diz. São Mastiffs ingleses, pesando até 100 kg cada, que ele clonou num laboratório nos Estados Unidos. Cópias genéticas do primeiro mastim, Conan (o bárbaro), que morreu há sete anos. Segundo seu biógrafo, Milei derrubou paredes do apartamento por causa dos cães. E conversa com o espírito do cão morto após um curso de “mediunidade trans-espécie”.

Milei defende venda de órgãos como “apenas mais um mercado” e diz que políticos “devem levar um chute na bunda”. Adora brandir uma motosserra rugindo como metáfora para cortes no orçamento. Esse economista de fartas costeletas pode vencer as eleições mais incertas da Argentina das últimas décadas. Por ser um outsider que se classifica como “anarcocapitalista”.

Um imperdível podcast, “Sin control – El universo de Javier Milei”, mostra como ele chegou a essa campanha coalhada de gritos, palavrões e insultos. Sua vice é uma negacionista da ditadura.

Já que começamos aqui falando de cinema, esse filme eu já vi.

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