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'Mais do que um cenário, o Pantanal é um dos protagonistas da história', diz o autor Bruno Luperi

Clássico da TV ganha remake, que estreia nesta segunda (28), 32 anos depois de versão original transformar as novelas brasileiras com história e visual inovadores
Adaptação de "Pantanal" estreia esta segunda-feira (28) Foto: TV Globo
Adaptação de "Pantanal" estreia esta segunda-feira (28) Foto: TV Globo

"A força da natureza pulsando o coração do homem", dizia a chamada da Rede Manchete enquanto convidava os telespectadores a assistirem à nova novela da emissora, “Pantanal”, escrita por Benedito Ruy Barbosa. Em 1990, a história, inovadora para a época, foi sucesso de audiência, um marco da dramaturgia brasileira. A partir de amanhã, 32 anos depois, começa na TV Globo, no horário das 21h, um remake dessa história de amor e mistérios em meio aos “rios que trançam o coração do Brasil”, como escreveu Marcus Viana para o tema de abertura. A adaptação de “Pantanal” é assinada por Bruno Luperi, neto de Benedito e tem direção artística de Rogério Gomes.

—  Pantanal trouxe uma nova linguagem para as telenovelas e foi uma novidade absoluta, tanto em termos de história quanto de narrativa audiovisual, a cargo de Jayme Monjardim. Além disso, dentro da indústria cultural, pode-se perder com o tempo a produção de um clássico. Daí o valor dos remakes, velhas histórias que ganham nova identidade visual — explica o doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana da USP, Mauro Alencar.

Diferente dos cenários urbanos e da representação da velocidade cotidiana — bem ilustrados em “Rainha da Sucata”, produção da TV Globo que concorria com a da Rede Manchete na época —, “Pantanal” levou paisagens exuberantes, o tempo do campo e interior do Brasil para o horário nobre. Agora, não é diferente: seis fazendas do Mato Grosso do Sul compõem o cenário do remake, além de takes no Rio Negro que ganha destaque com a presença do chalaneiro Eugênio (Almir Sater), encarregado de transportar os personagens até a região do Pantanal e por promover rodas de viola na chalana.

— O Pantanal, mais do que um cenário, é um dos protagonistas dessa história, é o fio condutor que liga todos os personagens. Todos eles se relacionam com aquele bioma, de forma direta ou indireta. O Pantanal determina a maneira como as pessoas vão se relacionar entre si — conta o autor Bruno Luperi.

Reconexão com o Pantanal

Assim como na primeira versão, a novela será dividida em duas fases. A trama central conta a história do peão de comitiva Joventino (Irandhir Santos) e do seu filho, José Leôncio (Renato Góes / Marcos Palmeira). Aos poucos, foi nascendo na região a lenda de  que o mais velho aprendeu a dominar bois selvagens por meio de feitiços. No entanto, depois de usar forças sobrenaturais, o peão desaparece, deixando seu filho para trás.

Cinco anos depois, em uma viagem ao Rio de Janeiro, José Leôncio se apaixona e casa com Madeleine (Bruna Linzmeyer / Karine Teles). Os dois se mudam para o Pantanal e tem um filho, Jove (Jesuíta Barbosa), que é separado do pai depois de a mãe não se adaptar à vida na fazenda. Passados 20 anos, começa a segunda fase na novela. Jove descobre que José Leôncio está vivo e vai em busca dessa parte de sua história. Nessa jornada, o rapaz encontra Juma Marruá (Alanis Guillen) e se apaixona pela mulher selvagem e arredia, filha de Maria Marruá (Juliana Paes) e Gil (Enrique Diaz).

Marcos Palmeira, de 58 anos, que dá vida ao peão na segunda fase da produção, também participou da primeira em 1990. Na ocasião, o ator interpretou Tadeu, um dos filhos de seu personagem atual.

— É quase como fechar e abrir um ciclo ao mesmo tempo. Naquela época eu não era um ator conhecido, agora é um momento de maturidade e reflexão. Eu lembro que eu pensava “será que depois dos 50 anos eu vou conseguir fazer um coronel do Benedito?” Eu via o Fagundes fazendo, Tarcísio Meira, Raul Cortez e agora me vejo nesse lugar — comemora o ator.

Acostumado com a vida no campo, já que é dono da fazenda de orgânicos “Vale das Palmeiras” em Teresópolis, no Rio de Janeiro, Marcos conta que, para entrar no personagem, antes de gravar, passou dois meses no Pantanal entendendo os peões da região e tentando se desprender de padrões ou vícios para interpretar José Leôncio:

—  Eu fui me reconectar com o Pantanal. Precisava assimilar toda a bagagem que eu acumulei nesse período e, ao mesmo tempo, me livrar dela, para permitir que alguma coisa nova entrasse. Estou me propondo a fazer um Zé Leôncio diferente de tudo que eu já possa ter feito. Estive com os peões de lá para entender como esse homem está hoje, 30 anos depois. Como é a realidade desse cara, que já tem conexão de internet, luz, estrada?

Além de Marcos Palmeira, Almir Sater fez parte do elenco da primeira versão e estará presente nas duas fases da adaptação. Na Rede Manchete, o músico apareceu na tela como o violeiro Trindade — agora interpretado por seu filho, Gabriel Sater — e na TV Globo será o chalaneiro Eugênio.

A relação de Almir com o Pantanal, no entanto, começou muito antes da novela de 1990. Quando criança, costumava passar férias na região em uma fazenda de um amigo do pai e dizia que um dia ainda moraria por lá. Ainda durante a primeira versão, conseguiu comprar terras e organizou a vida por lá. Três décadas depois, porém, Almir Sater nem imaginava participar de mais um projeto na televisão — depois de “Pantanal”,  participou de  “A História de Ana Raio e Zé Trovão”, “O Rei do Gado” e “Bicho do Mato” — e ainda ajudar nos bastidores auxiliando a produção a encontrar as melhores locações.

— Minha primeira reação foi achar que meu tempo tinha passado. Sempre usei como justificativa para trabalhar na televisão interpretar um personagem músico. E já que a novela tinha roda de viola, eu também queria participar. Em outro núcleo a chalana virou um point com música. Essa versão tem um pouco mais de música do que na primeira — explica Sater, que chegou a filmar um desafio de viola contra o filho e a regravar o tema de abertura da novela ao lado de Maria Bethânia.

‘Um ícone do folclore local’

Segundo Mauro Alencar, “Pantanal” se destaca de outras produções televisivas ao invocar o místico, o folclórico, o que justificaria a permanência no imaginário social de personagens como o Velho do Rio (antes, Cláudio Marzo, hoje, Osmar Prado) — ponto de contato entre o mundo físico e espiritual, apresenta-se vezes em forma de gente, vezes em forma de sucuri —  e Juma Marruá (antes, Cristiana Oliveira, hoje, Alanis Guillen) — diz a lenda que a mulher se transforma em onça.

Considerado “protetor do Pantanal”, o Velho do Rio ganha no remake o reforço de Eugênio.

— A gente que vive ali gosta de proteger o Pantanal porque o bioma agora está muito diferente daquele de 30 anos atrás. Estamos numa crise hídrica já faz um tempo e dá para reparar a diferença de cenário — avalia Almir Sater.

O autor Bruno Luperi concorda com Sater em relação à urgência ambiental. Além de a produção tomar todos os cuidados para não impactar a natureza, Bruno teve auxílio de dois consultores ambientais: os diretores de cinema Felipe Pasini e Dayana Andrade, responsáveis pelo curta “Life in Syntropy”, apresentado na COP21-Paris.

—  “Pantanal” se tornou um ícone do folclore local e a impressão que eu fico desde o começo, é que a novela se torna mais urgente hoje. Muito por conta do efeito do homem e do que esses 30 anos trouxeram em termos de complexidade para todo o cenário que é retratado na trama — opina Bruno.

Se em 1990 o debate ambiental estava começando a aparecer, em 2022, é pauta primordial à sobrevivência.

— O aquecimento global já é uma realidade, naquela época era só um discurso. Temos um planeta doente e o Pantanal pode ser uma saída para ajudar na cura — diz Marcos Palmeira.

Avanço da tecnologia

Mesmo que a equipe de Bruno tenha se deparado com paisagens modificadas, o escritor e Rogério Gomes tinham tecnologias disponíveis que, na época do avô Benedito e Jayme Monjardim, ainda não existiam. As imagens aéreas, antes feitas com o uso de helicópteros, agora foram realizadas com drones e os efeitos especiais foram melhorados.

Bruno Luperi explica ainda que as maiores modificações na história se deram pelo advento do tempo que passou, mas os arcos dramáticos permanecem os mesmos:

— A tecnologia evoluiu e impactou a vida das pessoas. Estamos falando de uma novela que há 30 anos o grande evento era trazer o rádio para a fazenda. Hoje, com internet e redes sociais, isso tem que estar presente na trama. O maior desafio que a adaptação tem é manter a força dos personagens dentro do contexto de hoje, alterando o que está datado enquanto assunto, tema e até mesmo culturalmente, de forma que faça sentido para os nossos tempos.