Cultura
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Por AFP — Tirana, Albania

RESUMO

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GERADO EM: 01/07/2024 - 07:45

Ismail Kadaré: resistência literária ao totalitarismo

O renomado escritor albanês Ismail Kadaré faleceu aos 88 anos, explorando em suas obras os mitos e a história de seu país para denunciar o totalitarismo. Sua literatura era uma força vital que o ajudava a resistir e a vencer a ditadura de Enver Hoxha.

O escritor albanês Ismail Kadaré, autor de uma obra monumental sobre a tirania comunista de Enver Hoxha, faleceu nesta segunda-feira (1º) aos 88 anos, anunciaram sua editora e um hospital de Tirana à AFP. Kadaré não resistiu a um ataque cardíaco, informou o hospital. Ele chegou “sem sinais de vida” e os médicos fizeram uma massagem cardíaca, mas “ele morreu por volta das 8h40” (horário local, 3h40 de Brasília), segundo o centro médico.

Entre suas principais obras, está “Abril despedaçado”, de 1978, que inspirou o filme homônimo de 2001 dirigido por Walter Salles, e com Rodrigo Santoro no papel principal. O longa-metragem chegou a disputar os prêmios de Melhor Filme Estrangeiro no Globo de Ouro e no Bafta — "Terra de ninguém" levou o Globo de Ouro, enquanto "Amores perros" ganhou o Bafta.

Etnógrafo e romancista sarcástico que alternava entre o grotesco e o épico, Kadaré explorou os mitos e a história de seu país para dissecar os mecanismos do totalitarismo, um mal universal. Sua obra foi traduzida para mais de 40 idiomas.

Escritor albanês Ismail Kadaré morre aos 88 anos — Foto: LUDOVIC MARIN/AFP
Escritor albanês Ismail Kadaré morre aos 88 anos — Foto: LUDOVIC MARIN/AFP

Kadaré utilizou a literatura como uma ferramenta da liberdade e escreveu sob uma das piores ditaduras do século XX. Durante décadas, a Albânia foi um dos regimes mais fechados do mundo.

“O inferno comunista, como qualquer outro inferno, é sufocante”, disse o escritor à AFP em uma das suas últimas entrevistas, em outubro. “Mas na literatura, isto se transforma em uma força vital, uma força que ajuda você a sobreviver, a vencer a ditadura com a cabeça erguida”, disse. “A literatura me deu tudo o que tenho, foi o sentido da minha vida, me deu a coragem de resistir, a felicidade, a esperança de superar tudo”, explicou, já debilitado, em sua casa em Tirana.

Em breve, Kadaré estará de volta às livrarias brasileiras. No próximo dia 10, a Companhia das Letras coloca em pré-venda o romance “Um ditador na linha”, que evoca um telefonema do ditador soviético Stálin ao escritor russo Boris Pasternak, autor de “Doutor Jivago”. A ligação ocorreu em junho de 1934 e durou poucos minutos, mas deu origem a um punhado de rumores que abalaram a reputação de Pasternak, que receberia o Prêmio Nobel de Literatura em 1958.

A conversa entre o ditador e o romancista sempre assombrou Kadaré. “Há pouco tempo o poeta Mandelstam foi preso. O que pode dizer a respeito, camarada Pasternak?”, teria perguntado Stálin ao telefone. “Eu o conheço pouco. Ele é acmeísta, enquanto eu pertenço a outra tendência. De modo que nada posso lhe dizer sobre Mandelstam”, teria respondido o escritor, antes de desligar o telefone.

Há outras versões desse diálogo, que são retomadas por Kadaré em “Um ditador na linha”, romance que se apoia em relatos de testemunhas, jornalistas, biógrafos, escritores como Isaiah Berlin e Anna Akhmátova e até arquivistas da KGB, a política secreta soviética.

‘Desilusão’ do comunismo

Kadaré rompeu com o regime comunista, deixou a Albânia em outubro de 1990 e recebeu asilo político na França. No momento em que deixou o país, sua dissidência e “desilusão” com o comunismo ressoaram como um trovão, uma vez que ele era considerado uma glória nacional, o único que havia conseguido colocar no mapa a literatura daquele pequeno país fechado ao resto do mundo.

Ele relatou a ruptura em “Primavera albanesa” e em uma autobiografia. “A verdade não está nos atos, e sim em meus livros, que são um verdadeiro testamento literário”, disse uma vez o escritor mais famoso dos Bálcãs, citado com frequência como um forte candidato ao Nobel.

Nascido em 28 de janeiro de 1936 em Gjirokaster, no sul do país, Ismail Kadaré estudou em Tirana e depois no Instituto Górki, em Moscou. Ele mencionou seus anos de aprendizado em “Crepúsculo dos deuses das estepes” (1978).

Ismail Kadaré — Foto: GABRIEL BOUYS/AFP
Ismail Kadaré — Foto: GABRIEL BOUYS/AFP

Um dos romances que o tornou famoso foi “O general do exército morto” (1965), que narra um episódio tragicômico da Segunda Guerra Mundial, a história de um general italiano que pretende buscar os restos mortais de seus soldados.

Kadaré tratou da ocupação otomana em “Os tambores da chuva” (1970) e “A ponte dos três arcos” (1978). Já a ocupação italiana é abordada em “Crônica na pedra” (1970). Outras obras foram inspiradas em tradições e lendas albanesas.

Autor de poemas, também escreveu diversos ensaios, incluindo um sobre a tragédia grega: “Ésquilo, o grande perdedor” (1985). Além de “Dimri i vetmisë së madhe” (O grande inverno), de 1973, que falava da ruptura entre Tirana e Moscou, publicou “Koncert në fund të dimrit” (O concerto), de 1988, uma obra polifônica, ao mesmo tempo épica, heroica e grotesca, sobre o divórcio entre a China e a Albânia, tema que já havia abordado em “O palácio dos sonhos” (1976).

Publicou ainda “A pirâmide” (1992), uma parábola sobre um projeto faraônico. Em 1998, lançou “Três cantos fúnebres para Kosovo”, uma curta elegia em prosa que se confunde com um conto moral. Já o sarcástico “O jantar errado” (2011) é apresentado como uma fábula que mistura o trágico e a farsa para desnudar os mecanismos absurdos de uma História que define destinos individuais com base nos caprichos de um tirano paranoico.

Fiel à sua crença sobre o papel do escritor, Kadaré publicou “O acidente” em 2013, uma reflexão de alcance universal a partir do caso albanês. “Se começássemos a procurar a semelhança entre os povos, a encontraríamos sobretudo do lado dos erros”, disse à AFP.

Kadaré foi eleito em 1996 membro estrangeiro associado da Academia de Ciências Morais e Políticas da França. Entre vários prêmios, ele recebeu o Príncipe das Astúrias em 2009 e o Prêmio Jerusalém em 2015.

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