Cultura
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A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz tomou posse na Academia Brasileira de Letras na noite desta sexta-feira (14), em cerimônia realizada no Petit Trianon, na sede da instituição. Ela assume a cadeira 9, vaga com a morte do diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva, grande estudioso da África e seu mentor.

— Foi Alberto da Costa e Silva quem me levou pela mão para muitos lugares e, de certa maneira, para essa Cadeira — disse Lilia em seu discurso de posse. — Ele que era, para mim, uma espécie de pai ancestral. Foram quase 30 anos preenchidos com uma intensa de troca de cartas, reuniões, almoços, projetos, viagens e telefonemas semanais. Tudo que alimenta uma amizade, regada para durar.

Eleita com 24 votos dos 38 possíveis, Lilia ressaltou em seu discurso que ela é apenas a 11ª mulher a receber o título de imortal da ABL, uma instituição fundada nos idos de 1897 e que só aprovou a entrada feminina a partir de 1976

— A agenda da diversidade, aquela em que me formei, na história e na antropologia, diz respeito à variedade e à convivência de ideias, com vistas à alteridade — disse a antropóloga.— Esse que é um conceito criado por Rousseau e retomado por Lévi-Strauss para definir a própria antropologia como uma ciência da diferença: da busca de um outro que leve à nossa própria transformação. Ainda vivemos, porém, em um país que é o quinto maior na triste marca dos feminicídios e o campeão em transfeminicídios; que penaliza mais o aborto do que o estupro; que desrespeita reservas e direitos indígenas conquistados por quem vive há milênios em paz com a floresta; que sistematicamente destrói seu meio-ambiente. Uma nação que gostava de se definir pela tolerância e hoje vive do binarismo do discurso odioso da intolerância.

Lilia Schwarcz chegando à sua posse na ABL seguida pela atriz Fernanda Montenegro — Foto: Alexandre Cassiano
Lilia Schwarcz chegando à sua posse na ABL seguida pela atriz Fernanda Montenegro — Foto: Alexandre Cassiano

Presidente da ABL, o jornalista e colunista do GLOBO Merval Pereira diz que a opção por Lilia foi uma 'escolha natural':

— A Academia sempre abrigou grandes historiadores e a Lilia facilitou a nossa vida, por ser uma grande historiadora e também por ampliar a representação feminina, que é um desejo nosso. Ela já vem ajudando muito nas atividades culturais da casa, vai ser ótimo, já que ela tem por hábito fazer projetos. A gente tem um projeto iniciado pelo José Murilo de Carvalho (acadêmico morto em 2023), uma iconografia de Machado de Assis, que vamos completar com a ajuda dela.

Professora sênior do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente visiting professor em Princeton, Lilia tem uma rica vida acadêmica, mas também uma veia pop, com atuação nas redes sociais. Com uma vasta produção acadêmica, abordou ao longo da carreira temas como a história do Brasil colonial, a escravidão, a cultura popular e as questões raciais.

Já publicou quase 30 livros, entre títulos que escreveu sozinha, obras em parceria e organização de dicionários temáticos. Ela é uma das principais estudiosas das questões raciais no Brasil, tema que aparece em livros como “O espetáculo das raças” e a biografia “Lima Barreto: triste visionário”.

Em seu discurso, Lilia lembrou as três tentativas frustradas de Lima Barreto, um autor negro que denunciou o racismo da sociedade brasileira em seus escritos, de ingressar no quadro da ABL.

— É paradoxal pensar que dois de seus biógrafos, o jornalista e escritor Francisco de Assis Barbosa, autor de biografia fenomenal sobre o autor de Policarpo Quaresma e responsável pela retomada da obra de Lima, e eu mesma, aqui estamos (morto em 1991, Barbosa tornou-se imortal da ABL em 1971) — disse Lilia. — Penso que não será coincidência, tampouco, sermos brancos!

A antropóloga afirmou que também deve ao “velho Lima” o seu assento na ABL.

— A biografia que escrevi sobre ele, e que intitulei “Lima Barreto triste visionário”, de alguma maneira sedimenta uma trajetória de estudos voltada a entender não só o fenômeno do racismo, a maior contradição nacional, como o papel da sociedade branca nesse perverso processo histórica — diz Lilia. — A maneira como a população negra, majoritária no país, é constantemente transformada em uma “maioria minorizada” na representação.

Lilia Schwarcz entre os demais imortais da ABL, ladeada por Heloísa Teixeira e Merval Pereira, preseidente da instituição — Foto: Alexandre Cassiano
Lilia Schwarcz entre os demais imortais da ABL, ladeada por Heloísa Teixeira e Merval Pereira, preseidente da instituição — Foto: Alexandre Cassiano

Em 1986, ela fundou com seu marido, Luiz Schwarcz, a editora Companhia das Letras — selo que lançará seu próximo livro, “Imagens da branquitude: a presença da ausência”.

Seu livro "As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos" ganhou o prêmio Jabuti de Livro do Ano, em 1999. Dirigiu a coleção "História do Brasil Nação em seis volumes" (Objetiva/ Fundação Mapfre), sendo três deles indicados para o Jabuti. Algumas de suas obras mais recentes incluem "Sobre o autoritarismo", "Quando acaba o século XX" e "A Bailarina da morte: A Gripe Espanhola no Brasil", publicados respectivamente em 2018, 2019 e 2020.

Lilia dará continuidade à pesquisa de iconografia de Machado de Assi, iniciada pelo historiador José Murilo de Carvalho. Ela também pretende vasculhar os arquivos e trabalhar a memória feminina, seguindo assim os passos do seu mestre Alberto Costa e Silva. A antropóloga foi recebida pela acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira, que relembrou a trajetória da nova imortal em seu discurso.

— Lilia Schwarcz traz à Academia uma dupla contribuição como historiadora — disse Rosiska. — Por um lado, seu trabalho ilumina zonas de sombra de nosso passado, a exemplo de sua monumental "Biografia do Brasil", escrita em parceria com outra notável historiadora, Heloisa Starling, obra que retira da história oficial os véus que encobriram por muito tempo a crueza de aspectos constitutivos da sociedade brasileira como a abjeta escravidão em que o Brasil cavou o abismo da desigualdade que até hoje nos assombra e envergonha. O silêncio, a omissão ou a distorção voluntaria da verdade conseguiram perpetuar nos livros e ensino da História, na iconografia oficial, na autoimagem dos brasileiros, um Brasil deformado como num espelho de circo. A obra de historiadora de Lilia, nos devolve, agora sem véus, um espelho confiável, feito de longa e cuidadosa pesquisa, em que é preciso encarar a nossa verdade, primeiro passo para a reconstrução de uma nação digna.

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