Cultura
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Por La Nacion

Faltavam algumas semanas até que ela cumprisse seu destino. Convertida em máquina de produzir carne, depois de quatro meses, chegou a hora de pôr fim à sua curta e triste vida. Desde cedo, ela foi trancada em sua gaiola para crescer em um espaço extremamente pequeno e atingir o peso desejado para ser enviada ao matadouro.

Modificada através de medicamentos para produzir mais quilos de carne no menor tempo possível, ela atingiu um peso que seus ossos mal conseguiam suportar. Mas sua história estava prestes a mudar. Aconteceu em maio de 2016, quando Joanne Lefson, uma artista nascida na África do Sul, resgatou-a da fazenda industrial intensiva onde nasceu. Depois de ter viajado por mais de 43 países com o objetivo de conscientizar sobre a importância do resgate de cães, Lefson decidiu que era hora de dar visibilidade aos chamados animais de fazenda.

Foi então para uma fazenda industrial e foi lá que conheceu – por acaso – uma porquinha que ficaria para a história. Amontoados em cubículos, nas granjas industriais os porcos lutam para escapar: mordem e batem nas barras de metal, ficam feridos e expostos a uma série de doenças e deformações que produzem suas deploráveis ​​condições de vida. Seu sofrimento é constante e muitos têm problemas respiratórios devido à superlotação e ao estresse que causará sua morte antes de serem transportados para o matadouro.

- Tive que rastejar pela lama para conseguir agarrar uma das centenas que estavam naquele lugar. Logicamente, eles tinham medo do humano e correram para evitar serem atingidos. Até que consegui segurar um deles - conta Lefson, que levou a porquinha para a Farm Sanctuary, uma fundação sem fins lucrativos que oferece um lugar seguro para animais explorados e maltratados. Lá ela escreveria um novo capítulo em sua vida.

Joanne Lefson com a porca Pigcasso e tela pintada pelo animal — Foto: Reprodução/Instagram
Joanne Lefson com a porca Pigcasso e tela pintada pelo animal — Foto: Reprodução/Instagram

'Eu a vi se aproximar da tela e a mágica aconteceu'

Após as primeiras semanas de adaptação, check-ups, estudos veterinários e reconhecimento do seu novo habitat, Lefson descobriu que a porca tinha destruído todos os brinquedos, bolas de futebol, bolas de tênis e de rugby que foram deixadas no seu recinto, com exceção de um pincel velho. Ela ficou muito intrigada com esse comportamento e uma tarde resolveu oferecer-lhe algumas tintas, uma tela convenientemente colocada na sua altura e, claro, um pincel modificado e adaptado para caber na boca do porco.

- Sentei-me de lado para ver o que estava acontecendo. E assim que a vi se aproximar da tela, a mágica aconteceu - lembra Lefson.

Com provas do talento criativo da porca diante dos seus olhos, ela decidiu nutrir o seu potencial. Batizou-a de Pigcasso – que combina a palavra inglesa pig (porco) com o sobrenome do pintor espanhol Pablo Picasso – e não demorou muito para que o animal começasse a pintar. Com o tempo, o processo de pintura tornou-se uma colaboração entre uma mulher e uma porca.

'Ela é exigente com seus pincéis'

Para dar vida a uma obra, Lefson seleciona as cores, que são – claro – livres de tóxicos e feitas com ingredientes veganos.

- Os porcos veem metade do espectro de cores que os humanos conseguem diferenciar”, esclarece a artista. Pigcasso coloca o pincel na boca e cria sua magia na tela. - El é extremamente exigente com seus pincéis. Na verdade, tem sete favoritos e se recusa a permitir novas adições. Se tentarmos, ela os joga para as vacas.

Lefson observa de longe e interrompe Pigcasso caso veja o desenvolvimento de uma forma interessante e identificável ao olho humano, movimentando a tela e colocando os potes de tinta em diversas alturas e ângulos para direcionar e desenvolver os traços espontâneos. E disponibiliza diferentes cores para a porca. Cada original é assinado pela ponta do nariz de Pigcasso, rubricado por Lefson e inclui um certificado de autenticidade. A receita da venda de cada obra de arte beneficia o Farm Sanctuary para que eles possam continuar resgatando outros animais.

Em 2017, as notícias do talento artístico de Pigcasso começaram a se espalhar. Sob o lema “menos carne, mais arte”, em janeiro de 2018, Pigcasso tornou-se o primeiro artista animal a organizar uma exposição individual de arte. Durante os anos seguintes, Pigcasso continuou apresentando exposições individuais em todo o mundo, incluindo Holanda (Amsterdã, 2021), Alemanha (Hann-Munden, 2022), França (St. Tropez, 2023), China (Xangai, Pequim, 2023/2024) e Reino Unido. (Londres, dezembro de 2023).

‍Sua história incomparável foi transmitida em todas as principais redes de mídia, incluindo BBC, CNN, SKY News, GMA, ABC, Der Spiegel e ZDF. Suas obras também são colecionadas por um público global impressionante que inclui a elite de Hollywood e ambientalistas proeminentes. Pigcasso também colaborou com marcas como a suíça Swatch. Em 2022, entrou no Livro de Recordes, o Guinness, por sua obra de arte "Wild and Free", que foi vendida pelo valor recorde de US$ 25 mil (cerca de R$ 125 mil).

- Quando a Argentina se sagrou campeã da Copa do Mundo no Catar 2022, Pigcasso dedicou uma mensagem a Lionel Messi.

A porca Pigcasso com tela — Foto: Reprodução/Instagram
A porca Pigcasso com tela — Foto: Reprodução/Instagram

Uma vida com propósito

A vida de Pigcasso transcorreu desde maio em liberdade e tranquilidade. Ela mora com outros animais em uma propriedade de cinco hectares, com amplos espaços verdes para pastar, áreas lamacentas para se refrescar e alimentação saudável disponível. Pigcasso tem um recinto construído especialmente para ela, com feno, galinhas acompanhantes e um mural decorativo com uma foto dela e de sua arte. Outros porcos e cabras resgatados podem acessar o local a qualquer momento e visitar sua amiga famosa.

- A arte de Pigcasso sempre teve um propósito; despertar uma ligação consciente entre a nossa alimentação e os animais; tomar decisões mais gentis que se alinhem com nosso amor intrínseco pelos animais e criar um mundo mais compassivo e sustentável para todos - disse Lefson.

Embora Pigcasso já tivesse apresentado sintomas de artrite nos últimos anos, a sua condição física deteriorou-se rapidamente em setembro de 2023. No início de outubro, ambas as patas traseiras ficaram mancas devido à calcificação da parte inferior da coluna, agravada pela artrite reumatoide crônica; ambas condições incuráveis, diretamente relacionadas às manipulações e modificações a que os animais são submetidos nas fazendas industriais.

Ao saber da deterioração da condição de Pigcasso, a Dra. Jane Goodall, uma grande admiradora de Pigcasso e de sua arte - que escreveu o prefácio do livro lançado no ano passado - voou para Farm Sanctuary para conhecê-la. Mas chegou um dia atrasada. Pigcasso morreu aos 8 anos.

‍- É muito triste que uma figura tão inspiradora para o bem-estar animal tenha desaparecido. Mas também celebramos uma vida bem vivida e a profunda diferença que ela fez. Do matadouro até se tornar uma sensação artística global que bateu recordes, a vida de Pigcasso foi simplesmente extraordinária. Ela não apenas desafiou a fraternidade artística, mas também inspirou milhões de pessoas a reconhecerem os animais de fazenda como os indivíduos sensíveis que são, cada um digno de nossa empatia e compaixão. Continuo muito feliz por ter colaborado com alguém tão inteligente e criativo.

“A arte e o legado de Pigcasso continuarão, assim como a nossa missão de inspirar um mundo mais gentil e sustentável para todos”, escreveu Lefson na despedida.

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