Cultura
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Por O GLOBO

Uma das maiores estudiosas de Shakespeare no país, Barbara Heliodora parecia ser mais severa em suas apreciações quando ia assistir às montagens de peças do bardo inglês. O que mais a irritava nos espetáculos que via era a não compreensão do texto e dos conflitos criados pelo dramaturgo. Por isso, lhe dava imenso prazer recomendar produções como o "Romeu e Julieta" do Grupo Galpão e "Os dois cavalheiros de Verona" do Nós do Morro. Por outro lado, era implacável com montagens, na sua opinião, malsucedidas. Abaixo, 11 Shakespeare criticados por Barbara, para o bem e para o mal. (Nani Rubin)

  1. 'A perfeição na infidelidade'. Gabriel Villela monta um Romeu e Julieta mineiro e definitivo
  2. Um Shakespeare com alegria e seriedade. Os dois cavalheiros de Verona: espetáculo que celebra os 20 anos do Nós do Morro ilustra bem o trabalho do grupo e honra a comunidade do Vidigal
  3. Shakespeare invocado em vão. 2001, happy new Lear: versão de Celina Sodré desestrutura peça clássica
  4. A chance de um bom Shakespeare. "Rei Lear": direção firme e de alta qualidade de Ron Daniels envolve o espectador no espetáculo
  5. Amor e ódio entre Abujamra e Shakespeare. Hamlet é negro: Antônio Abujamra faz direção segura e imaginativa de espetáculo visualmente lindo, mas ancorado em texto sem pé nem cabeça
  6. Tragédia de Shakespeare torna-se desastre grotesco em palco carioca. Ricardo III: em cartaz no Teatro João Caetano, peça dirigida por Antonio Pedro conta com um elenco cuja maioria é inexperiente e despreparada
  7. Um musical perfeitamente brasileiro. História de Shakespeare fica à vontade no mundo das escolas de samba
  8. De fazer Shakespeare se revirar no túmulo. Hamlet, príncipe da solidão: clássico do bardo inglês vira uma mera e confusa história de vingança
  9. Tragédia de Shakespeare vira trama de mocinho e bandido de faroeste. Macbeth: enganos graves tiram do magistral texto sua paixão e sua densidade de pensamento
  10. Deixem em paz o pobre príncipe da Dinamarca! 'Ou Hamuretsu: espetáculo da Cia. dos Atores Invisíveis tenta levar Hamlet ao Japão e fracassa
  11. Brincando com Shakespeare. Adaptação de 'Romeu e Julieta' dirigida por João Fonseca é um espetáculo mais do que gratificante

1. 'A perfeição na infidelidade'. Gabriel Villela monta um Romeu e Julieta mineiro e definitivo (publicada em 12/7/1993)

Se William Shakespeare tivesse nascido no interior de Minas Gerais é bem possível que seu "Romeu e Julieta" saísse assim como o Grupo Galpão a apresentou neste último fim de semana na Praça do Espaço Cultural dos Correios, no espetáculo concebido e dirigido por Gabriel Villela, que transborda de mineirice ele mesmo.

Crítica de Barbara Heliodora, 12/07/19993, Montagem do Grupo Galpão para Romeu e Julieta — Foto: Acervo GLOBO
Crítica de Barbara Heliodora, 12/07/19993, Montagem do Grupo Galpão para Romeu e Julieta — Foto: Acervo GLOBO

E claro que esta encenação não constitui uma leitura purista do texto de Shakespeare, mas é ótimo ver uma montagem na qual as digamos – infidelidades – não são resultado de presunção, de querer ser melhor do que Shakespeare, mas apenas uma amorosa brincadeira na qual as músicas, o colorido, a ingenuidade plástica e até mesmo os jogos de infância como as "pernas de pau" são convocados para apresentar ao público (que pode não ter qualquer preparo como espectador de teatro) a trágica história dos amantes de Verona.

O clima lembra, sob vários aspectos, o grupo de artesãos que apresenta sua peça no casamento de Teseu e Hipólita em "Sonho de uma noite de verão", porque Villela conseguiu, com sua concepção do espetáculo e com a linha dada pela direção aos atores, fazer com que o Grupo Galpão, que já tem dez anos e vários espetáculos de história, consiga sugerir exatamente aquilo que Shakespeare esperava que seus atores fizessem com a tragicomédia de Píramo e Tis be: dar-nos, com sua competên cia e talento, a imagem de um grupo inexperiente e pouco talentoso que luta heroicamente para fazer o melhor possível. No caso deste Romeu e Julieta, os desfiles de entrada e saída criam, desde logo, a impressão de uma trupe ambulante. A própria cenografia de Gabriel Villela – um grande círculo dentro do qual, logo acima do centro, uma limusine fúnebre, que tem a seu lado ou acoplados a ela vários planos e vias de acesso ao estrado que fica na capota no carro, serve como principal "palco" (afora o chão da praça, é claro) – sugere que o grupo não seja preso a qualquer local único. Também sugerem um grupo de saltimbancos os ótimos mas clamorosamente pobres figurinos de Luciana Buarque, que combinam bem com os modestos vasos de flores artificiais em jarrinhos destituídos de qualquer maior mérito estético.

Rico cancioneiro mineiro é crucial para a conquista do envolvimento da plateia: há canções tradicionais para toda espécie de sentimento, e fica uma clara impressão de justeza no fato de Romeu dedicar a Julieta o consagradíssimo "É a ti, flor do céu que me refiro". Mas além da música são usados outros caminhos para aproximar o espetáculo do público de rua, os caminhos circenses, que falam fundo mesmo àqueles para os quais o pequeno circo interiorano, ingênuo e pobre, é apenas uma lenda e não mais (infelizmente) uma experiência vivida.

Outra solução fascinante no espetáculo é a mistura feita entre o parnasianismo da tradução de Onestaldo de Pennafort (muito cortada) com a florida linguagem do narrador, bem como de algumas letras das músicas (onde aparece o imaginativo "estrelejou"!!!), formando um todo que transporta o público para um mundo tão arbitrário quanto encantador.

E para a criança desse mundo, é claro, está o empenho de todo o elenco do Grupo Galpão, tão integrado com o universo concebido pelo diretor que não seria justo destacar mais um ou outro de seus integrantes: Antonio Edson, Beto Franco, Chico Pelucio, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Julio Cesar Maciel, Rodolfo Vaz, Teuda Bara, Wanda Fernandes.

Não só o conjunto tem um gostoso rendimento de interpretação mas também todos tocam instrumentos e cantam – além, é claro, além de fazerem acrobacias. Não tenho dúvida de que Shakespeare já terá visto muitas encenações mais total mente corretas de vários de seus textos, mas por outro lado creio que ele compreenderia muito bem o intuito desta e gostaria de se sentir tão querido e tratado com tamanha intimidade.

2. Um Shakespeare com alegria e seriedade. Os dois cavalheiros de Verona: espetáculo que celebra os 20 anos do Nós do Morro ilustra bem o trabalho do grupo e honra a comunidade do Vidigal (publicada em 29/10/2006)

A turma do Nós do Morro comemorou com festa seus 20 anos de existência, e a festa foi "Os dois cavalheiros de Verona", de William Shakespeare, uma comédia que fala de amor e amizade, de fidelidade e traição, cheia de episódios e coincidências nada plausíveis e que, justamente por isso, tornam-se mais divertidos e teatrais. Usando a fluente tradução de Paulo Mendes Campos, enxugando um pouquinho o texto e com três "prólogos" para juntar e esclarecer os acontecimentos, o maior e mais agradável dos méritos desses "Cavalheiros" é a intimidade com que a peça foi tratada, com todos interessados simplesmente em contar uma história da qual obviamente gostam... Obra do início da carreira do autor, a comédia mostra nobres temporariamente infiéis e traidores; jovens de boa família temporariamente assaltantes fora da lei mas cheios de bons princípios; viagens, corte, floresta e, principalmente tudo dando certo no fim. Uma grande tolice? Pode ser, mas já desde então fica evidente a força do que em Shakespeare aparece sempre como "a verdade do amor".

A encenação tem toda a alegria que o texto exige: em um palco vazio, todo o elenco está sempre em cena, sentado em dois grandes bancos e, além de interpretar personagens, tem ótima função de composição de elementos cênicos. Os músicos (percussão) estão sempre em cena e participam do elenco: com os figurinos de Kika de Medina, todos estão de preto, com três modelos básicos aos quais são agregados elementos coloridos que identificam os personagens. O uso exclusivo de tecidos é uma solução muito bem achada, pois serve à cenografia - até mesmo a carta que Julia rasga é composta por pedaços presos com velcro! A luz (supervisão de Fred Pinheiro) contribui com grande eficiência para apoiar a narrativa.

A direção é de Guti Fraga (com Fátima Domigues e Miwa Yanagisawa) e ilustra bem a seriedade do trabalho desses 20 anos, que honram os moradores do Vidigal tanto pela qualidade quanto pela perseverança dessa verdadeira contribuição à democracia e à cidadania. O segredo da direção é simplesmente o de buscar o que o texto pede com toda a expressividade da realidade cotidiana de um elenco brasileiro, com uma linguagem cênica e corporal que corresponde ao que é dito.

     O rendimento do elenco como conjunto é muito bom, um trabalho de equipe, com todos felizes com o bom desempenho uns dos outros. A maior originalidade da montagem é Siri, o cachorro de Lança. Neste espetáculo ele é feito por um ator (Diogo Sales) que cria um personagem muito expressivo. Maria Sheyla de Paula e Roberta Rodrigues fazem bem os objetos do amor dos dois Cavalheiros (Thiago Martins e Renan Monteiro). Aldino Brito faz um alegre Expedito. Aléxis Abraham, Cecília Alves, João Rodrigues, Luis Henrique Delfino, Mariana Oliveira, Micael Borges, Pedro Caetano, Renato Rocha, Sandro Mattos e Tatiana Delfina completam o harmonioso elenco.

      O grupo Nós do Morro merece nossos aplausos não só pelo que faz no palco com esse espetáculo, mas por todo o seu trabalho, positivo e continuado, que serve sua comunidade e oferece tantas ocasiões de prazer ao público.

3. Shakespeare invocado em vão. 2001, happy new Lear: versão de Celina Sodré desestrutura peça clássica (publicada em 31/7/1999)

No Teatro 3 do CCBB está um espetáculo injustificável, a começar pelo mau gosto do grotesco título: "2001, happy new Lear". Fica aí definido o tom do todo, que parece ter partido da premissa de que qualquer um pode, tendo interesse para tanto, pegar uma obra-prima e destruí-la, usando meia dúzia de falas para criar uma confusão sem sentido. Os primeiros quase 20 dos 85 minutos que dura o espetáculo de Celina Sodré são gastos apenas na emissão de ruídos de várias naturezas, a começar por um longo bombardeio; depois disso, em um cenário (de José Dias) de destruição e lixo, os atores começam a se movimentar (sem qualquer sentido), vestidos na linha trapos, em moda há alguns anos.

O personagem que é chamado de Lear, depois de muito rugir efetivamente, diz umas falas calcadas nas da primeira cena do Lear verdadeiro, mas é pai de três filhas (por acaso chamadas Goneril, Regan e Cordelia) que parecem todas anormais, e que para responder quem gosta mais do pai cantam músicas espanholas. Da notável estrutura do original não resta nada, e depois de uns infelizes episódios que de modo vago falam de um homem e suas filhas, os realizadores admitem não saber o que fazer, e deixam o elenco, sem qualquer explicação, simplesmente pegar malas ou maletas e saírem.

Impossível compreender qual poderia ter sido a proposta da direção, ou sequer saber se tal houvera: o elenco (Miguel Lunardi, Anna Paz, Dinah Cesare, Joana Levi e Bruce Gomlevsky), sem ideia que o norteie, não chega a alcançar uma organização mental ou emocional. Uma trilha sonora fora de propósito completa o todo. Do filme de Stanley Ku- brick resta principalmente um osso, enquanto o nome de Shakespeare é invocado em vão.

4. A chance de um bom Shakespeare. "Rei Lear": direção firme e de alta qualidade de Ron Daniels envolve o espectador no espetáculo (publicada em 7/5/2001)

Está em cartaz no Villa-Lobos, dirigido por Ron Daniels e protagonizado por Raul Cortez, "Rei Lear", uma das grandes obras da cultura ocidental, aquela em que Shakespeare expressa a convicção de sua época da ligação indissolúvel entre o homem, o Estado e a natureza. Com mais de 80 anos (e uns 50 ou 60 de reinado), Lear quer deixar a filhas e genros os encargos do governo, retendo apenas seu título e privilégios - o que é sempre fatídico para Shakespeare. Pior, Lear quer proclamar qual das filhas mais o ama, e naquele momento supremo de vaidade vê a verdade da caçula como repúdio, preferindo acreditar na bajulação das duas filhas mais velhas.

Com o repúdio a Cordélia, ele fere a estrutura básica da família, liberando as ambições das filhas "más" (como em Cinderela, duas más e uma boa, modelo que todo o público reconheceria), ele acaba sendo o causador da guerra civil que abala o Estado, com o todo sendo expressado na tempestade que reflete tais violações básicas. Todo o resto da tragé dia é a história da humilhação, da expiação e do aprendizado que transformam o rei presunçoso em um homem digno de ser assim chamado.

As vastas dimensões de "Rei Lear" são estabelecidas pela belíssima cenografia de J.C. Serroni, muito bem iluminada por Domingos Quintiliano, e apoiada pela sonoplastia de Raul Teixeira. Se a tradução de Ron Daniels empobrece um pouco a peça com o desaparecimento da poesia (e alguns cortes que efetivamente empobrecem o pensamento), sua direção usa muito bem o espaço, e se concentra com grande firmeza na apresentação da trama, com marcas que fazem contribuição decisiva para sustentar a narrativa. Embora com frequência os atores exagerem no volume e gritem, e boa parte do elenco seja individualmente fraca, a direção de Daniels impõe uma disciplina de conjunto que muito faz para superar as deficiências, definidas que são as as funcionalidades dos vários personagens.

A monumentalidade de "Rei Lear" efetivamente a torna um projeto de encenação de grande dificuldade, e todos sabemos que no Brasil os elencos numerosos sempre trazem graves variações de rendimento. Raul Cortez tem uma atuação de considerável qualidade, bom praticamente todo o tempo e muito bom em alguns momentos cruciais.

No resto do elenco, mesmo que em nível mais modesto, as duas melhores contribuições são as de Rogério Bandeira (Edmund) e Rubens Caribé (Edgar), ambos crescendo com o desenvolvimento da tragédia. O Albany de Mario Borges (papel dificílimo) e o Kent de Luiz Guilherme vêm a seguir, e ainda depois o Gloster de Mario Cesar Camargo. A parte mais negativa das interpretações é liderada por Lu Grimaldi, Christiane Triceri e Bianca Castanho, as fraquíssimas três filhas, pelo Bobo de Gilberto Gavronski, a quem falta a implacável ironia que não deixa Lear esquecer o seu erro, e pelos confusos Cornualha de Leonardo Franco e Oswald de Bartholomeu de Haro.

Esses desníveis são em boa parte superados pela firme direção de Ron Daniels, cuja encenação e direção de alta qualidade resultam em um "Rei Lear" que envolve o espectador e o leva a acompanhar essa magistral viagem de Shakespeare sobre os muito descaminhos percorridos por uma humanidade na qual o poeta nunca deixa de acreditar e respeitar. É uma oportunidade que não deve ser perdida.

5. Amor e ódio entre Abujamra e Shakespeare. Hamlet é negro: Antônio Abujamra faz direção segura e imaginativa de espetáculo visualmente lindo, mas ancorado em texto sem pé nem cabeça (publicada em 16/8/2002)

"Hamlet é negro", em cartaz no Teatro Glória, é o quinto capítulo na grande novela de amor e ódio entre Antônio Abujamra e o texto de William Shakespeare. Por um lado, fica claro que "Hamlet", puro e simples, é um dos grandes referenciais na vida do diretor, e tudo indica que, lá no fundo, ele gostaria de fazer uma encenação séria da peça; mas, por outro, sua persona contestatória exige que ele continue o que podemos chamar de sua linha irreverente: diante desse dilema, e sabendo que alguém que ama o teatro tanto quanto ele não brinca com Shakespeare, Abujamra vem apelando continuamente para a versão de Testori, a fim de poder, sem culpas, dar largas às suas loucuras e aventuras.

A medida dos gratuitos desmandos do presente capítulo da novela já é dada pela definição do espetáculo contida na capa do programa: "Profano, perverso e obscenamente engraçado"; ao que se deve agregar a alegria com que toda a divulgação anunciou que haveria cenas de incesto e homossexualismo - tudo isso sem levar a nada que empreste qualquer significado ao resultado, mesmo que fique mais na moda.

Nas mãos de Abu, Testori já tem passado por várias encarnações. A atual, "Hamlet é negro", é a que mais se afasta do modelo; a salada de citações, que vai da inclusão de muita coisa de "Macbeth" ao aproveitamento da ideia do resumo da peça antes do final usada pelo americano "Shakespeare compactado", não parece resultar em nada que tenha qualquer ligação com a ideia implícita no título, não havendo nada de negro no espetáculo, a não ser o elenco, pois seria indigno considerar que a prodigalidade erótico/pornográfica e escatológica de um texto sem pé nem cabeça, que vez por outra se lembra que deve citar ou evocar o "Hamlet", tenha o que quer que seja a ver com o fato de o elenco ser negro. Certamente não é no texto que se encontram os acertos de "Hamlet é negro".

Para apresentar o texto injustificável, Abujamra criou um espetáculo visualmente lindo: o cenário de estandartes e bandeiras amarelos e vermelhos sobre fundo preto, de Marcos Apóstolo, assim como os belos figurinos pretos e o imaginativo visagismo de Gringo Cardia formam um conjunto impressionante, com a música de André Abujamra criando exatamente o tom do que seria o espetáculo que tudo aquilo sugere. A própria direção é segura e imaginativa, deixando bem à mostra o quanto Abu sabe de seu ofício. Infelizmente tudo isso é posto a serviço de um texto lastimável.

O elenco está muito bem orientado e todas as marcas de conjunto enriquecem o espetáculo, e, de modo geral, todos falam com clareza e consciência. Kadu Carneiro revela certa qualidade de intérprete, mas o papel é de tal modo confuso que não dá para render direito; Iléa Ferraz, sem qualquer motivo válido, faz ao mesmo tempo Gertrudes (transformada em uma espécie de Lady Macbeth carnavalesca) e Ofélia, excessivamente caricata, exagerada em ambas; Jorge Eduardo é pouco convincente no papel de Cláudio, Antonio Manso pouco tem a fazer como Polônio, Sergio Menezes é bastante desigual como Laertes, e Johayne Ildefonso é tão implausível quanto o próprio papel do Estrangeiro (que já aparecera em versão anterior de Testori).

O coro funciona muito bem, e realmente seria interessante ver o que o elenco, em conjunto, poderia render com um texto menos tolo e mais exigente, pois ele é tão desperdiçado quanto tudo o que apoia a encenação.

6. Tragédia de Shakespeare torna-se desastre grotesco em palco carioca. Ricardo III: em cartaz no Teatro João Caetano, peça dirigida por Antonio Pedro conta com um elenco cuja maioria é inexperiente e despreparada (publicado em 19/3/2004)

Circula com certa frequência a afirmação de que o ator brasileiro não é capaz de representar Shakespeare, uma afirmação falsa e preconceituosa, mas que pode bem parecer verdadeira a quem for ao Teatro João Caetano ver a montagem de "Ricardo III" ali em cartaz. Porém, o grotesco desastre que ali está sendo apresentado só prova, realmente, que para se apresentar todo e qualquer espetáculo teatral, seja o texto de Shakespeare ou do mais fácil ou do mais incompetente dos autores, é indispensável que se tenha diretores e atores, e que todos estejam devidamente informados a respeito daquilo que estão fazendo. Se o diretor não soube orientar os atores para uma leitura adequada do texto, ou se lida com um elenco totalmente despreparado para o que deveria fazer, não podem ser conquistadas as condições para transmitir a razão de ser do texto, seja ele qual for.

Elenco enfrenta trabalho fora de seu alcance

Crítica de Barbara Heliodora à montagem de 'Ricardo III" dirigida por Antonio Pedro — Foto: Reprodução
Crítica de Barbara Heliodora à montagem de 'Ricardo III" dirigida por Antonio Pedro — Foto: Reprodução

Nas três peças sobre Henrique VI que escreveu logo antes de "Ricardo III", Shakespeare mostrava que um bom homem, sem personalidade ou vocação para o governo, será necessariamente um mal para seu país. O uso do poder por várias pessoas que não são quem usa a coroa leva a sucessivos desastres que culminam com a chegada ao trono de Ricardo III, mau homem e mau rei, que tem fome de poder para si, mas nenhum interesse pela comunidade que deve governar. Essa síntese do pior dos reis acaba com uma necessidade do país de exorcizar o mal daquela presença no trono, unindo todos contra ele.

Para transmitir suas ideias, Shakespeare escreveu uma peça extraordinariamente formal, onde os confrontos se sucedem. É possível, por exemplo, centrar a leitura cênica do texto, estruturar a ação sobre o confronto entre o monólogo inicial de Ricardo, que revela seus planos, e as maldições da Rainha Margaret, na terceira cena da peça, marcando o paralelismo da concretização de uma e outra fala. De qualquer modo, é preciso marcar o protagonista como um extraordinário ator enquanto personagem, pois, se o monólogo inicial nos mostra quem ele é, é preciso que ele pareça humilde, honesto e até discriminado por sua deformação física. Mas o elenco tem que ter o preparo técnico e a compreensão exata dos conflitos e conspirações que deve transmitir, e isso, infelizmente, é o que nem de longe ocorre na montagem dirigida por Antonio Pedro. Chega mesmo a ser uma grande injustiça para com a grande maioria do elenco, inexperiente e despreparada, fazê-la enfrentar trabalho tão fora de seu alcance.

O desastre do engano do que deveria ser feito fica demonstrado pela reação do público: se quem conhece o texto pode ficar contristado e deprimido, a maioria, que não conhece, não consegue compreender o teor do imaginado pelo autor. O que se vê, da direção de Antonio Pedro, pouco ou nada tem a ver com a peça. Seu trabalho é de tal modo confuso e enganado que, a partir de certo momento, o público resolve aceitar tudo como uma comédia, que pende para a chanchada, e ri gostosamente nos momentos de maior seriedade. Numa peça em que praticamente não há qualquer violência física visível, tudo começa com uma horrível luta (que não tem razão de ser). Ricardo, ainda duque, vai receber o jovem rei-sobrinho, só Deus sabe por quê, assim como todos os presentes, a cavalo, isto é, com máscaras de cavalos e fazendo passos de imitação de intranqüilidade eqüina, o que provoca boas gargalhadas (e destrói a maldade e a ironia da cena).

Na montagem, 20 atores fazem 36 papeis

Certos acréscimos são incompreensíveis, como a apresentação em cena da cabeça de Hastings ou, pior, a pobre coitada da rainha Anne, que não devia estar presente na cena em que o marido planeja a morte dos sobrinhos, ficar no trono fazendo atitudes de bêbada, com um vestido que lhe deixa as pernas de fora, em total desacordo com a época. Mais curiosamente ainda, o que devemos acreditar sejam as tropas de Richmond teve treino em artes marciais orientais, com tal ridículo e exagero que a plateia se desfaz em gargalhadas. Há várias demonstrações de ginástica. A cenografia de José Dias, toda de cordas, é bonita porém irrelevante e mal aproveitada, enquanto os figurinos, descritos como "uma criação coletiva de Cláudia Borioni, Wanderley Gomes e Andréa Dantas, com os desenhos de figurinos de Erik Henkell", são desastrados, sob todos os aspectos. A luz de Aurélio de Simoni faz o que pode, mas não há o que salve o espetáculo, que ainda conta com muito tambor.

Vinte atores fazem 36 papeis, e o rendimento é negativo em todos os casos. Anselmo Vasconcellos não tem voz nem dicção para o papel-título, que fica de qualquer modo além de seu alcance interpretativo. Infelizmente ele é constantemente acompanhado pelo Duque de Buckingham de Luca de Castro, uma das mais infelizes atuações que se possa testemunhar, sem a mais vaga noção do que seria o personagem. Ricardo Petraglia está fraco tanto como Clarence quanto como Eduardo IV, mas igualmente fracos (uns mais, outros muito mais) estão Vinicius Manne, Luis Sander, Evandro Machado, Marcelo Dias, Wanderley Gomes, Edvand Viana, Marcos Teixeira, Marino Rocha, Paylo Jr., Marcelo Cavalcanti, Fábio D'Ielis, Eric Henkell e Rogério Barros, este último um Richmond totalmente despropositado.

O elenco feminino é igualmente infeliz. Alice Borges está mal, mas é quem ao menos tenta fazer o que faz chegar menos longe do que diz. A Lady Ana de Joana Medeiros é um erro total de linha e execução, mas Claudia Borioni e Andréa Dantas, como a Rainha Margarida e a Duquesa de York, rivalizam-se na disputa de falta de noção do que são ou devem fazer.

Não é justo para com os atores serem assim atirados a uma experiência.

7. Um musical perfeitamente brasileiro. História de Shakespeare fica à vontade no mundo das escolas de samba (publicado em 11/12/2005)

O espetáculo em cartaz no Sesc Ginástico, na Graça Aranha, parte de uma hábil adaptação, feita por Gustavo Gasparani, do "Otelo" de Shakespeare para o universo da tradicionalíssima Estação Primeira : a concentração do original numa única trama permitiu que Gasparani preservasse quase intactas as atuações dos personagens principais, e substituísse de modo satisfatório as pequenas participações dos secundários.

Trama usa da disputa em torno do samba-enredo

Não é só a história que é preservada; a estrutura de boa parte das cenas é mantida com fidelidade, e um sem-número de falas é evocado, nas mais das vezes com total acerto. O maior mérito do "Otelo da Mangueira", de Gasparani, no entanto, é o de fazer a ação ficar muito à vontade no mundo da escola de samba, com a disputa em torno do samba-enredo substituindo muito bem a ambição de Iago pelo posto de Cássio.

"Otelo da Mangueira" não é a superprodução que o texto possivelmente merece; mas suas dimensões modestas em certa medida colaboram para o clima de autenticidade : apesar do exagerado luxo dos desfile carnavalescos reais, estamos na Mangueira, não na Broadway. A cenografia de Ronald Teixeira (que até certo ponto sugere o palco shakespeariano) é neutra, com um lindo manteau d'Arlequin todo composto com o colorido de peças de roupa, e evocando a precariedade arquitetônica das favelas, e criando um espaço aberto para os atores. Os figurinos de Marcelo Olinto não são tão bem-sucedidos, mas a luz de Maneco Quinderé é rica e estimulante. Muito bons são a direção musical e os arranjos de Josimar Carneiro, por cujas mãos passa uma memorável coleção de canções de autoria da elite da música popular brasileira. Boa a direção de movimento de Sueli Guerra.

Elenco tem rendimento melhor em conjunto

A direção de Daniel Herz procura criar o clima certo para o universo apresentado, às vezes insiste demais em ficarem todos em linha virados para a frente, e só não resolve mesmo a cena da luta noturna (que Shakespeare contorna com texto), na qual não ficam suficientemente claros o plano e o insucesso de Iago/Dirceu. Mas o diretor se concentra muito bem na necessidade de contar uma história.

O elenco tem um rendimento bastante satisfatório no conjunto, sem grandes brilhos individuais, mas poucas falhas óbvias. Marcelo Capobiango é um Otelo menos imponente do que seria de se esperar, mas não se sai mal, Claudia Ventura é uma Desdêmona/Lucíola delicada e frágil, como deveria ser, Gustavo Gasparani destaca-se com seu Iago/Dirceu, Jorge Medina é um Cássio/Candinho razoável, Ana Carbatti está bem como Emília/Marlene, e dos principais só Jorge Maya está bastante fraco como Rodrigo/Jurandir. Patrícia Costa, Lílian Valeska, Pedro Lima, Juliana Clara, Anderson Mello, Aldri Anunciação e Jurema Moisés completam satisfatoriamente o elenco.

O aspecto mais atraente nesse "Otelo da Mangueira" é, embora calcado em Shakespeare, ser musical perfeitamente brasileiro, o que não é pouco.

8. De fazer Shakespeare se revirar no túmulo. Hamlet, príncipe da solidão: clássico do bardo inglês vira uma mera e confusa história de vingança (publicado em 14/07/2008)

É impossível compreender qual seria a intenção do autor/diretor/cenógrafo/diretor musical/ator Bruno Rodrigues com o espetáculo "Hamlet, príncipe da solidão", em cartaz no Teatro Sesi. Ao criar sua obra, William Shakespeare tomou uma trama tradicional de aventuras e vingança e transformou-a em uma das mais significativas reflexões sobre a vida do homem de que se tem conhecimento na literatura universal. A única explicação que ocorre no caso do texto de Bruno Rodrigues é a de ter ele sentido a necessidade de reverter o processo e fazer a trama voltar a não ter sentido maior do que uma confusa e mesquinha história de vingança. Basta lembrar, como exemplo principal, que os memoráveis monólogos do príncipe, que permitem ao público acompanhar seu processo interior diante da tarefa que lhe foi imposta pelo pai, simplesmente desaparecem, a não ser por uns pequenos restos do mais famoso de todos, o "ser ou não ser", que aparecem sem justificativa, causa ou efeito.

O novo autor corta, mistura e acrescenta com entusiasmo, até transformar o todo em uma trama primária e sem maior significação, fazendo do Fantasma uma presença freqüente, com interferências na ação que só servem para atrapalhar. No fim, por exemplo, Horácio não entra em cena, Hamlet não deixa qualquer legado de pensamento, e o Fantasma o cobre de pétalas de rosa, tão sem sentido quanto a imensa carga de música e ruídos. O autor/diretor, também responsável pela música, cria uma melodia pobre que é exaustivamente repetida pelo coro (quase sempre desafinado) que tem uma frase preciosa : "Os espíritos vêm a Ha-mi-lete", muito embora no resto do espetáculo o príncipe seja chamado de Hamlet.

A cenografia é pobre, uma grande cortina que ao centro, embaixo, tem um retângulo vazado, com uma cortina de gaze transparente, atrás da qual fica, o tempo todo, o Fantasma.

Pulos, contorções e gritos numa direção caótica

A direção é caótica, e só a informação de que o grupo costuma trabalhar com imagens de animais selvagens pode explicar os pulos, as contorções e as corridas das marcas. O diretor afirma ter a intenção de misturar o clássico e o moderno, porém o apresentado não representa nada disso.

O elenco — Bruno Rodrigues, Carol Perrone, Carol Rodrigues, Hugo Dart, Letícia Carvalho, Manu Passos e Teodoro Oniga — é uniformemente insatisfatório. Por alguma razão insondável todos gritam e enrolam o que dizem a ponto de boa parte se tornar absolutamente incompreensível. O caos da direção não poderia levar a outra coisa.

O "Hamlet" em cartaz no Sesi, então, constitui um imenso e injustificável engano.

9. Tragédia de Shakespeare vira trama de mocinho e bandido de faroeste. Macbeth: enganos graves tiram do magistral texto sua paixão e sua densidade de pensamento (publicado em 17/01/2010)

De todas as tragédias escritas por Shakespeare, "Macbeth" é a única que exige um clima especial. As bruxas (ou "irmãs fatídicas", como o poeta as chama), o dia "assim tão belo e feio", o fato de em apenas duas cenas (a chegada do rei a Inverness e a cena final) serem marcadas como tendo lugar à luz do dia, tudo isso cria a atmosfera dentro da qual tem lugar a tragédia em que a ambição dominante leva um homem pleno de qualidades a perder sua alma por nada, como ele chega, no fim, a compreender. As bruxas, o punhal, o fantasma de Banquo não levam Macbeth à nada. Ao contrário, é o processo pelo qual está passando o heroico e (antes) leal general que o leva a esbarrar com esses fenômenos.

Em "Macbeth", depois dos enxutos "Hamlet" e "Otelo", Shakespeare envereda por uma linguagem oblíqua, de deslumbrante beleza imagística, crucial para criar um protagonista torturado por sua imaginação, duramente contrastada com a falta de imaginação de sua mulher.

Faltam tensão dramática e reflexão à montagem

O hábito de Shakespeare é, na primeira cena, anunciar ao público a que tipo de peça ele vai assistir, e a primeira coisa que as bruxas anunciam é uma inversão de valores que afeta toda a ação. Por razões que o diretor Aderbal Freire-Filho tenta explicar no programa, mas que não deixam, no palco, tomar forma o desejado clima ameaçador, as bruxas perdem sua natureza sobrenatural e lembram apenas os cordões de homens vestidos de mulher de antigos carnavais. Com isso desaparece o clima necessário à tragédia, e, com uma grande quantidade de selas, não se sabe por quê, carregadas pelos nobres escoceses, fica indicada mais uma intenção de transformar tudo em uma espécie de luta pelo poder entre mocinho e bandido de faroeste. Na atual montagem de "Macbeth", não há tensão dramática, não há reflexão, não há crescendo na clássica passagem da felicidade para a infelicidade do herói trágico.

Com figurinos bonitos de Marcelo Pies, que infelizmente não identificam clãs, o que torna mais difícil identificar quem é quem, quando há tantos papeis dobrados, o cenário de Fernando Mello da Costa é composto por quatro grandes mesas, visualmente imponentes, mas que fazem todo o espetáculo escravo de seu uso, como das cadeiras para os atores se sentarem ou subirem (com frequência) nas mesmas. Os pequenos recursos de toalhas e castiçais são insuficientes, principalmente umas toalhas de pálido verde desbotado para representar a floresta de Birnam. Como mancada histórica, fica o uso da Union Jack, a bandeira do Reino Unido, como se fosse da Inglaterra. Presos às mesas, Banquo é assassinado por um golpe dado a uns quatro metros de distância, e os duelos são também realizados com os contendores em mesas diferentes brandindo espadas no ar. As marcas todas ficam presas aos espaços criados ou permitidos pelas mesas, que diluem, por exemplo, a força da cena do banquete, enquanto o andamento do espetáculo fica cortado a todo momento para serem colocados ou tirados elementos que, na maioria das vezes, são irrelevantes. A ocasional trilha de Tato Taborda é agressiva, mas não faz uma colaboração real para o espetáculo.

Quase todo o elenco tem atuação muito fraca

Outro grave aspecto do "Macbeth" em cartaz no Teatro (?) Tom Jobim é a fraqueza geral do elenco. Renata Sorrah, com uma peruca injustificável, não chega a criar uma Lady Macbeth que seja realmente o alter ego do marido, mas pelo menos é a única que sabe falar com clareza. Daniel Dantas está fraquíssimo no papel-título, totalmente da boca para fora, sem um mínimo de emoção ou compreensão do que seja o personagem. Infelizmente não há espaço que permita análise mais detalhada dos outros membros do elenco, Andréa Dantas, Camilo Bevilaqua, Charles Fricks, Edgar Amorim, Erom Cordeiro, Felipe Martins, Guilherme Sima, Marcelo Flores, Ricardo Conti e Thelmo Fernandes, a grande maioria com péssima dicção e atuações muito fracas.

É verdade que "Macbeth" é famosa por sua dificuldade. Mas aqui houve enganos graves, que tiram do magistral texto (mesmo perdidas as cenas que tornariam a trajetória do protagonista menos dificultosa) sua paixão e sua densidade de pensamento.

10. Deixem em paz o pobre príncipe da Dinamarca! 'Ou Hamuretsu: espetáculo da Cia. dos Atores Invisíveis tenta levar Hamlet ao Japão e fracassa (publicado em 26/09/2009)

Os mais difíceis espetáculos de se tentar analisar são aqueles que se apresentam, a um só tempo, como presunçosos e incompetentes, como é, infelizmente, o caso de "Ou Hamuretsu", que supostamente apresenta um grupo que teve contato com um diretor japonês e está ensaiando o "Hamlet". No final do caos que é visto em cena, há a projeção da figura de um senhor japonês que diz, a respeito de teatro, coisas bastante sensatas, e não pode, portanto, ser responsabilizado pelos desmandos que ocupam o espaço do Teatro Armazém na Fundição Progresso.

O mais difícil é tentar descobrir qual seria o objetivo dessa Cia. de Atores Invisíveis com "Ou Hamuretsu", pois o que transparece é apenas o fato de o grupo (ou ao menos uma de suas integrantes) ter conseguido captar a sonoridade da língua japonesa a fim de dizer algumas falas que com ela se assemelham, a par de um diretor (que parece não ter a menor ideia do que seja a direção) dando algumas ordens tolas, eventuais trechos tirados do "Hamlet" sem qualquer sentido, mas sempre apresentados como grotescas supostas criações interpretativas, e vários diálogos despropositados sobre relacionamentos dentro do grupo — ligados ou não ao espetáculo a ser ensaiado — que se transformam em melancólicas exibições de incompetência. Uma suposta reunião de elenco importante é toda realizada, por exemplo, em conversa apenas sussurrada, para que se possa ouvir a discussão entre dois elementos em outro ponto do espaço cênico.

A encenação, com seus pruridos de influência nipônica, nem com a melhor das boas vontades consegue encontrar no que é feito qualquer semelhança ou influência válida de noh, kabuki, kyogen ou sequer bunraku, a não ser péssimas e longínquas imitações de figurinos e máscaras. A cenografia inclui a sugestão de rio e ponte, que por vezes ocorre no teatro japonês, para dividir a cena em duas partes, mas em momento algum isso tem a menor significação, do mesmo modo que gestos e posturas imitados dos japoneses permanecem falsos e sem nexo, um elemento apenas agregado, nunca assimilado ao espetáculo. Estão presentes em cena, também, uma banheira enfeitada com flores e uma privada sem tampa, tão arbitrárias quanto as muitas luminárias em forma de bola.

Mulheres fazem papeis de homens, e homens fazem papeis de mulheres, sem que isso traga qualquer mínima contribuição mais razoável ao todo, e todos falam com exageros e contorções que deixam mais tola e confusa a encenação. Nada, enfim, leva a acreditar que, de todo esse caos, possa sair um ensaio proveitoso do pobre e cansado "Hamlet", dada a amostragem encenada pelos Invisíveis.

11. Brincando com Shakespeare. Adaptação de 'Romeu e Julieta' dirigida por João Fonseca é um espetáculo mais do que gratificante (publicado em 2/2/2011)

Aproveitando a tradição inglesa (e um pouco também americana) de se montar bom teatro no colégio, Joe Calarco fez uma brilhante adaptação de "Romeu e Julieta" para quatro jovens atores, que foi fluentemente traduzida por Geraldo Carneiro. É difícil saber se, como Shakespeare na "Megera domada", o autor esqueceu de criar um final que concluísse o início passado na escola, ou se a precipitação no aplauso impede os atores de completar o espetáculo. Mas Calarco corta muito bem o texto, deixando o básico para ser contada a história dos amantes de Verona, e tornando o texto mais acessível a atores jovens, e a única ressalva é fazer, como muitos outros, a cena do balcão em um só plano. O texto é tratado com carinho pelo tradutor, e os quatro atores apresentam quatro colegiais que sabem do que estão falando. Se eles brincam um pouco com Shakespeare, este haveria de gostar de os ver tendo intimidade com sua peça.

Encenação despojada e concisa

A encenação, em cartaz até o fim da semana na Arena do Espaço Sesc, em Copacabana, é despojada e concisa. O cenário de Nello Marrese, um círculo de madeira com áreas projetadas em quatro pontos, mesas e cadeiras escolares, é atraente e adequado, e ótimos são os figurinos de Ruy Cortez, ao mesmo tempo uniforme e material para marcar os diferentes personagens. A trilha de André Aquino e João Bittencourt é muito boa, e o movimento de Rafaela Amado leva em conta tanto a história quanto a juventude dos intérpretes. A direção de João Fonseca é firme e imaginativa, pois acerta muito bem o duplo alvo de servir à peça original em si e à condição de improviso de jovens apresentado na peça de Calarco.

O nível de interpretação do quarteto de atores é bom como conjunto e como trabalho individual: Felipe Lima é o que atua menos, mas se sai bem no que faz. João Gabriel Vasconcellos (Romeu) e Rodrigo Pandolfo (Julieta) estão muito bem tanto nos protagonistas da tragédia como nos outros pequenos papeis que desempenham, e Pablo Sanábio mostra excepcional firmeza de ator tanto como Frei Lourenço quanto como a Ama de Julieta, afora outras pequenas intervenções; juntos, formam um elenco de categoria acima do que costuma ser a média em nossos palcos.

"R & J de Shakespeare — Juventude interrompida" é um espetáculo mais do que gratificante, principalmente porque mostra que o riso crítico pode estar presente e chegar ao público com efeito bem mais agradável do que a usual queda para a chanchada; diretor e jovem elenco sabem o que estão fazendo, e o fazem muito bem.

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