Interpretar Daniel LaRusso em “Karatê Kid — A hora da verdade” tornou Ralph Macchio famoso por toda a vida. Por décadas, as pessoas têm dito a ele onde estavam quando assistiram ao popular filme de 1984 ou como sua história de “patinho feio” os afetou. Tal fama, no entanto, veio com um lado negativo. Enquanto tentava seguir em frente em sua carreira, não conseguia deixar o papel para trás. Às vezes, ele revela, até se sentia sufocado, não mais o jovem de 22 anos espontâneo, porém vulnerável, cujo personagem no filme aprendeu a importância do equilíbrio, na vida e nas artes marciais.
Quase quatro décadas depois, ele escreveu um livro de memórias, “Waxing on: The Karate Kid and me”, sobre a produção do filme e como ele moldou — e continua moldando — sua vida.
Tendo encerrado sua quinta temporada repetindo o papel em “Cobra Kai”, a série popular da Netflix, Macchio parece ter feito as pazes e até abraçado o que ele chama de “um presente maravilhoso”. Olhando para trás, descreve o filme original como “um excelente exemplo de que quando Hollywood acerta, ensina e inspira através do puro entretenimento.”
60 anos, mas não parece
Em uma manhã recente em Manhattan, Macchio — um homem de 60 anos que não parece ter 60 anos — mostrou a naturalidade que tem sido uma marca registrada de sua carreira.
Crescendo em Long Island, Macchio assistia a musicais da MGM com sua mãe. Logo, estava nas aulas de sapateado entre os jogos da liga colegial e trabalhando aos sábados.
Junto com peças da escola e recitais de dança, começou a fazer audições para comerciais. Depois de seu primeiro filme, “Rebeldes da academia” (1980), e uma temporada da série “Oito é demais” (1980-1981), ele conseguiu um papel de mudar a carreira em “Vidas sem rumo” (1983), de Francis Ford Coppola.
De volta para casa, então com 21 anos, foi chamado para um teste. O roteiro foi baseado em um artigo sobre um garoto que sofria bullying e aprendeu artes marciais para autodefesa.
![William Zabka e Ralph Macchio em 'Karatê Kid' — Foto: Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/1UYD5FDI5n_xfD4Lnmnc5m7etDA=/0x0:608x417/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/V/3/b9lx0HTSSK8WSUOeQzDA/55738547-opiniao-dos-leitores-16-11-2015-rio-de-janeiro-rj-vilao-karate-kid.jpg)
“Lembro de me conectar aos elementos pai e filho e ao coração da história logo de cara”, escreve Macchio sobre a leitura do roteiro. Mas ele “achou alguns dos personagens da trama do ensino médio um pouco bregas e estereotipados”.
Uma outra coisa o incomodava: o título. Achou-o ridículo. “Se eu conseguisse o papel e o filme fizesse sucesso, eu teria que carregar esse rótulo pelo resto da minha vida”, escreve.
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Os anos 1980, então, começaram a se aproximar dos 1990. Macchio sentiu que estava envelhecendo, mas que o mesmo não acontecia com o personagem. Em 1986, com “Karatê Kid 2 — A hora da verdade continua” nos cinemas e um terceiro filme no horizonte, Macchio teve a chance de abrir seu leque como o filho do traficante de drogas interpretado por Robert De Niro no drama da Broadway “Cuba and his teddy bear”.
— Tudo estava acontecendo muito rápido — lembra ele. — Lá estava eu, cara a cara com De Niro, todas as noites.
Em entrevista por telefone, De Niro disse que admirava a sensatez e a ética de trabalho de Macchio. Foi “fácil gostar dele pessoalmente e também se relacionar com ele no que estávamos fazendo”, disse.
Mas, nos bastidores, as frustrações pessoais de Macchio estavam aumentando — momentos que estão entre os mais reveladores do livro. Uma noite, o cultuado cineasta Sidney Lumet estava na plateia. Após a apresentação, Lumet disse que estava planejando um filme chamado “O peso de um passado” e estava interessado em que ele desempenhasse “um papel significativo” nele, lembra Macchio. O problema é que as filmagens iriam ocorrer no mesmo período em que estava agendada a produção de “Karatê Kid 3 —O desafio final”.
“O barco de ‘O peso de um passado’ passou e eu fiquei preso no meu porto de sempre”, escreve Macchio.
Em outra noite, Warren Beatty foi o visitante surpresa. O jovem ator compartilhou suas frustrações; Beatty o aconselhou, sugerindo que encontrasse equilíbrio entre sucessos comerciais e outras ambições. “Não menospreze esses filmes”, escreve Macchio, lembrando o que Beatty disse. “Você precisa disso tanto quanto você quer isso (a peça).”
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Um ponto alto foi ter sido escalado para “Meu primo Vinny” (1992), ao lado de Joe Pesci e Marisa Tomei. A filha de Macchio nasceu no mesmo ano, e seu filho chegaria três anos depois. Ainda assim, ele destaca que sua “carreira teve pouco ou nenhum crescimento” durante os anos 1990.
Momento de baixa
Durante os anos 2000, após algumas participações em séries de TV e curtas, além de dedicar um tempo a escrever roteiros, Macchio aproveitou a baixa na carreira para se dedicar à família.
Até que, em 2018, surge “Cobra Kai”, série idealizada por Jon Hurwitz, Josh Heald e Hayden Schlossberg. Mais uma vez, Macchio viveria Daniel La Russo, agora um homem de família de meia-idade, mas ainda aberto a manter uma rivalidade com Johnny Lawrence (novamente interpretado por William Zabka). O ator precisou ser convencido para o projeto.
![William Zabka e Ralph Macchio em 'Cobra Kai' — Foto: Netflix/Divulgação](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/fYusMXav30rFpMur3NZtUUWYprU=/0x0:5000x3333/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/Z/E/tcQCoAR9GdWvKhxEHAoQ/82373704-sc-cobra-kai-season-2-episode-205.jpg)
— Entendi onde me encaixava na construção e na narrativa de “Cobra Kai” — conta o ator. — Se a série fosse uma bomba e fracassasse, eu provavelmente diria, “Sabe de uma coisa, eu estava certo”. Estava preocupado sobre isso... Mas deu certo.
O ator diz que a série o ajudou a entender o que fez de “Karatê Kid” um fenômeno:
— Pais e filhos, bullying, redenção, superar obstáculos, encontrar seu caminho, cair para frente, machucar os joelhos, arranhar as mãos, levantar e aprender.
No livro, Macchio reconhece que na série “o tom, às vezes, é diferente”, mas “um terreno comum que compartilha com o filme é seu coração”.