Música
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Por — Rio de Janeiro

Lá se vão mais 40 anos desde que Moreno Veloso soltou aquele grito fofo “ilê aiyê” com a voz fininha de criança em “Um canto de afoxé para o bloco do Ilê”. Foi com esta canção que estreou como compositor, aos 9 anos, ao lado do pai, Caetano, no disco “Cores, nomes” (1982).

Pois o artista volta agora às origens com “Mundo paralelo”, álbum cuja música-título, composta com Carlos Rennó e Tiganá Santana, é uma ode ao bloco afro.

Dedicado a sua mãe, Dedé Gadelha, o trabalho chega dez anos após o último disco de estúdio de Moreno, "Coisa Boa" (2014). Traz música embalada pela saudade doída dos filhos (“Bailando”), Rosa e José, composta (com Bruno di Lullo) num aeroporto alemão no Dia dos Pais, e a participação da família Veloso (em “A donzela se casou”).

Capa do disco "Mundo paralelo" — Foto: Reprodução
Capa do disco "Mundo paralelo" — Foto: Reprodução

Moreno, que faz show dia 6 de junho na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, Zona Sul do Rio, e está gravando um álbum com Chrissie Hynde, ex-Pretenders, recebeu O GLOBO em seu estúdio, no Rio, para uma conversa.

O que faz sempre arqueando uma das sobrancelhas, gesto idêntico ao do pai, eternizado em foto famosa de Bob Wolfenson. Também discorreu sobre a relação “horizontal” com os irmãos mais novos, Zeca e Tom, e sobre não normalizar o fato de ser filho de Caetano e sobrinho de Maria Bethânia. Ainda mostrou uma de suas especialidades: tocar prato e faca (veja o vídeo abaixo).

“Mundo paralelo” te reconecta com suas origens artísticas.

Quis fazer essa volta porque o Ilê Aiyê está completando 50 anos. Foi fundado em 1974, veio do Curuzu, bairro mais negro de Salvador, é um bloco constituído dentro de um terreiro de candomblé, força cultural que atravessou essas décadas todas, com várias dificuldades. Essa posição política é muito importante para o Brasil. Carlinhos Rennó, outro apaixonado pelo carnaval e pela representação política e cultural do Ilê, me mandou essa letra e contou ter chamado o Tiganá (Santana, compositor e filósofo baiano), uma pessoa inacreditável e canhoto que nem eu (risos).

Eu queria que o disco fosse mais dançante, tinha prometido a mim mesmo que faria um álbum mais animado. Mas não consegui fazer ele todo assim. Tem uma situações dançantes, coisas mântricas e termina com a música da Marina Lima e do (Antonio) Cícero ("Deixe estar"), que eu adoro.

Por que essa busca pela animação? Há uma melancolia aí dentro que não te larga?

Não é nenhum sentimento explícito, é uma coisa que aparece, que surge naturalmente. Tenho uma tendência. Toda vez que quero fazer alguma coisa nova, vem assim: triste, tranquilinha, calma. Pego o violão e já começo a fazer algo meio pra baixo. Não sei por quê. Domenico (Lancellotti, baterista e parceiro em canções) diz: “Para com essa coisa triste, não aguento mais” (risos). Ele me reprovou duas vezes, tive que reescrever canções. Na última música que fizemos, "Tudo ao redor", consegui fazer uma letra bem feliz. Fiquei alegre.

Que mundo paralelo é esse o do Moreno Veloso?

Começou sendo proposto pela letra do Carlinhos Rennó. É o mundo da beleza, que vem da alegria, da dança, da música, da cultura negra de Salvador. Onde existe a felicidade que nos resgata de outros mundos paralelos em que a gente vai parar sem querer. Você fica apaixonado pelo brilho da pele, pelos traços, pela dança. O fato de o Ilê não deixar branco desfilar intensifica tudo isso ainda mais.

Mas também há a proposta de transcender esse mundo concreto que a gente vive. Seria um pouco a nossa salvação recorrer ao nosso repertório interior de belezas para escapar por alguns momentos desse mundo atual em colapso?

O mundo está acabando, estamos vendo com os próprios olhos, olha o Rio Grande do Sul. As previsões são de piora já há muito tempo. Dentro da Faculdade de Física (Moreno é formado em Física), participei de análise de dados, coleta do gelo dos polos. As projeções são complicadas há muito tempo. Eu sou otimista. Acho que capacidade principal do ser humano é a de superação. E a natureza também é impressionante neste aspecto de regeneração. Na pandemia, a gente viu isso: o buraco da camada de ozônio fechou em pouco tempo.

Mas há forças enormes que vão contra isso. A coisa econômica, certas políticas de enfrentamento, negacionismo... Como diz meu pai, que também é otimista, e Jorge Mautner, essas forças aparecem justamente porque a gente estava ganhando. Estava chegando uma nova Humanidade, com novas ideias e propostas para que tudo melhorasse. E essa extrema-direita, segundo eles, é uma reação a essa grande novidade que estava ganhando força. A gente tem que continuar dando força para ela e, talvez, salvar esse nosso planeta. Com a ajuda da natureza... quem sabe?

Você "bebeu" um pouco da fonte triste da pandemia no sentido de inspiração para fazer o disco "Mundo paralelo"...

Sim, esse disco começou na pandemia. Fomos transportados para esse outro mundo paralelo, ficamos ilhados, presos. E, nesse novo mundo paralelo, surgia o espectro dessa transcendência que veio de quem já viveu esses carnavais de que eu estou falando, essas belezas. Essas coisas que, no meu caso, são muito musicais, imagens que vieram com muita força. Era um mundo paralelo que vinha salvar a gente, de beleza, de cultura. Então, o disco tem esse DNA.

A gente tem que ter esse repertório interno próximo, vivo e tem que nutri-lo. Esse disco é um nutriente desse mundo. Está servindo como condensação dessa transcendência, alimento para as outras pessoas também. A beleza e a cultura alimentam.

Moreno Veloso: "Mãe Menininha disse: 'Ó, você não pode vestir roupa preta de jeito nenhum'. Um dia, tive que usar em um concerto de orquestra. O que aconteceu? Rasgou!"  — Foto: Leo Aversa
Moreno Veloso: "Mãe Menininha disse: 'Ó, você não pode vestir roupa preta de jeito nenhum'. Um dia, tive que usar em um concerto de orquestra. O que aconteceu? Rasgou!" — Foto: Leo Aversa

É um álbum íntimo, com referências familiares e feito com vários de seus amigos músicos...

Não sei fazer nada sem meus amigos e minha família. Não consigo nem acreditar no que faço se não estiver com minha turma. Pedro Sá (guitarrista), (Alexandre) Kassin (multi-instrumentista e compositor), Domenico, Bem Gil (compositor, arranjador e produtor) são minha família como meu pai, meu primo Jota (compositor e produtor, filho de Clara Maria, tia de Moreno), meus irmãos.

Na escola, Kassin me disse: “Tenho uma banda de rock, mas me ajuda com meus boleros?”. Eu também tinha uns boleros. Fomos dar no (grupo) +2 (formado por Moreno, Kassin e Domenico). O Bem me pediu: “Me ajuda a cantar?”. Fui correndo. Porque também recebi essa ajuda dos amigos quando pedi. É assim que a gente vive.

Fiz um show solo no Japão ("Solo in Tokyo"), que virou um disco, por acidente. Precisaram mudar a data da apresentação, e Kassin e Domenico não podiam na nova data. Fiquei lá sozinho. Mas a minha sensação é que estava com eles. Se não existisse a presença deles, a minha vida com eles, eu não estaria sentado naquele palco. Sinto, penso e me comunico com eles mesmo quando estou sozinho no palco. Se eles estiverem, a gente faz tudo isso ao vivo.

Tive sorte... não sei se é sorte... de ter amigos tão musicais. O Brasil é um país muito musical. Para todo lado, você encontra gente que faz música. Na minha escola, tinha o Pedro Sá. Depois, veio o Domenico. Na Bahia, tinha o Lucas Santtana (músico e compositor), o Quito Ribeiro (compositor). Veio o Renatinho (vulgo “Venatinho Renenoso”, cantor e guitarrista da banda Acabou La Tequila), o Kassin, o Berna (Ceppas, compositor). E aí, o filho do Dadi (Carvalho, baixista) e da Leilinha (Carvalho) cresce, vira o melhor técnico de som do mundo (Daniel Carvalho), e quis trabalhar com a gente. As coisas vão se juntando naturalmente. Uma espécie de atração magnética das pessoas.

E bem depois chega o Bem Gil, filho do Gil, com quem você tem feito turnê...

Vi o Bem nascer. Um dia, fui dar de presente para o Gil o meu disco "Máquina de escrever musica" (lançado no ano de 2000). Gil era casado com a minha tia, Sandra (Gadelha, irmão de Dedé, mãe de Moreno), e eu ia quase diariamente almoçar com eles e ver meus primos. Não perdia a oportunidade de sentar do lado do Gil, tocar, aprender, conversar. Amo, sou fã e ele estava ali na minha frente, por que não iria aproveitar?

Daí, neste dia, a gente ouviu o meu disco. Passou uma semana e o Bem, que já estava mais crescidinho, com uns 14 anos, me chamou e falou: "Tenho uma coisa para te dizer: vou ser músico, você vai ver. Não sou mais criança, mas ainda dá tempo". Eu falei: "Maravilha! Estou muito feliz, mais um da família".

Agora, a gente fazendo a turnê, 20 anos depois, ele veio me dizer que ficou com vontade de fazer música vendo essa construção dentro da amizade que tínhamos no meu grupo. Ele sentiu isso ouvindo o disco, na vibração.

Antes dessa turnê, a gente produziu dois discos do pai dele ("Gilbertos samba” e “Gilbertos samba ao vivo") e outro dos nossos dois pais juntos ("Dois amigos e um século de música").

Na gravação de “A donzela se casou” dá para ouvir o timbre de cada um de vocês, sentir o estilo, a onda de um por um. Como foi essa gravação com a família?

Gravamos em duas etapas. Eu, Zeca e Tom, depois, meu pai e minha tia. Tínhamos marcado e, na véspera, meu pai e minha tia, que não conhecessem suas agendas (risos), lembraram que tinham outra coisa. Marcamos de novo e deu outra encrenca. Até que eu disse aos irmãos: “Vamos gravar nós, pelo menos é parte da família”. Dá até para ouvir a vozinha do Benjamin, filho do Tom, brincando aqui no estúdio. Faltando dois dias para eu entregar o disco, minha tia ligou: “Quero gravar!”. Apareceu toda bonita, de vermelho. Meu pai também veio. Era o dia do aniversário da cidade Santo Amaro.

E a inspiração para compor essa música veio justamente de lá...

Essa música surgiu de repente, sem pensamento ou intenção. Estávamos na turnê do “Ofertório”, na Espanha. Eu e Tom acordávamos mais cedo. Ele é mais atlético, assim, que nem eu. Ficávamos esperando meu pai e Zeca se arrumarem, acabarem de comer. Eles acordavam mais tarde porque têm insônia... Nós também temos, mas a deles é mais grave, vejo o sofrimento de perto. É uma situação humana de dificuldade que eles estão vencendo aí, vida afora, e a gente vai driblando, vai tentando, ajudando no que pode.

Era isso que a gente estava fazendo. A gente acordou mais cedo, estávamos passando o som sem eles, no palco de um teatro grande, com (a música) “How beautiful could i be”. Uma hora, o Tom ficou só no violão e eu, no prato e faca. Ele tocando essa sequência, a volta da harmonia meio chuleada no violão... Tom é um virtuoso do violão, né? Eu estava curtindo o jeito dele de tocar e, aí, comecei a cantar “A donzela se casou” na melodia, com a frase, saiu...

Baixou?

Sim, mas não veio de graça. Porque ouvi, lá em Santo Amaro, acho que foi Roberto Mendes, grande colecionador e compositor de chulas e sambas de roda, que me contou... A gente estava falando de Seu João do Boi e Seu Alumínio, irmãos que vem lá de São Braz, cidade perto de Santo Amaro, quase na praia. Eles eram a matriz do samba de roda, da chula, do samba coco. Provavelmente, são os compositores da maior parte dessas músicas de domínio público do Recôncavo. Mas não dá para perguntar porque já morreram...

Mas havia uma lenda... depois de uma pesquisa, vi que não era tão lenda assim... mas era de que o samba era usado por motivos práticos na região. Um deles era para pescar siri. Porque quando se faz barulho, os siris saem da toca. Eles levavam latas, prato e faca, batiam palma. As mulheres ficavam cantando e batendo no chão, e os homens catavam os siris que saíam da toca. Era a pesca deles. O samba ajudava na pescaria.

Outra coisa prática do samba de roda da região era que, quando se construía uma casa nova, de pau a pique, barro e chão de terra batida, se fazia um samba para bater o chão da casa nova. Sambavam em cima para aplainar, deixar o terreno duro e liso.

Mas onde a tal donzela entra nisso?

Fiquei com essa imagem na cabeça. Na hora da construção da casa, se armava um samba e a comunidade toda ajudava. Uma coisa comunitária. A ajuda vinha na forma do samba. Uma festa com comida, bebida, músico. Por algum motivo, pensei: "Poxa, imagina se um casal de jovens acabou de se casar, e aí o pessoal vai fazer um samba pra levantar a casa deles?". E não sei porque veio essa música na minha cabeça. "A donzela se casou/ eu vou sambar / pisar no chão da casa.../ e pisa no barro, menino/ pisa no barro sinhá"... Aconteceu, simplesmente, assim.

E aí você apresentou para sua família, que a incluiu no repertório de "Ofertório"...

Na mesma noite a gente já tocou. Emendou com com o "how beautiful". A donzela já começou a fazer parte da turnê... Qualquer bis que precisava, a gente já enfiava a donzela, porque era a mesma harmonia e eu já estava com o prato.

Todo mundo deve perguntar sobre seu pai, mas eu queria saber da sua mãe. O que você tem dela? Como a presença da Dedé se manifesta em você?

Pra começar, me pareço fisicamente com ela. Muito mais que com meu pai e a família de Santo Amaro. Minha mãe sempre foi boa em matemática, física, nas exatas (Moreno é formado em Física). Meu pai não consegue entender por que existe matemática. Olha o pensamento do cara de humanas... Ele acha que as exatas estão resolvidas, que as pessoas que estudam só repetem mecanicamente uma coisa que nem precisava mais.

Eu concordo (risos)...

Mas isso é totalmente enganoso, tá? Não é assim que funciona, não tem nada resolvido. Química, matemática são poesia, uma grande linguagem, uma comunicação abstrata sem a qual nós não seríamos nem seres humanos. E não tem nada resolvido. Pelo contrário: tem muito mais dúvidas, encrencas e metáforas científicas do que soluções...

E todo esse seu interesse pelas exatas veio da sua mãe...

Sim! E minha mãe também tem muita sensibilidade. Vê as pessoas por dentro, sente a pele. Acho que herdei isso dela.

É chato sempre perguntarem sobre o seu pai?

Nunca foi um problema. Mas já foi chato. É a mesma pergunta desde que tenho três anos: “Como é ser filho do Caetano?”. É chato pela repetição, falta de consideração, pela impessoalidade. Porque não querem saber de você... Mas nunca é ruim. Pelo contrário. É uma maravilha fazer parte dessa gente, ser filho do meu pai. Quando cresci, ainda percebi que ele tem um trabalho maravilhoso, amigos tão gênios quanto ele. Percebi que em casa tinha o Milton Nascimento de vez em quando, o Chico Buarque.

Algo que não tem preço...

Não. Por que achar ruim? Acho sensacional. E a proximidade... Não acho banal ser filho do meu pai, sobrinho da minha tia. Nem meu pai acha banal ser irmão dela. Ela senta na plateia, ele fica nervoso. Eu também. A gente estava no “Ofertório” pela centésima vez... Ela na plateia, e meu pai falou: “Pô, apaga a luz da plateia, não quero ver, fico nervoso”. A gente é fã. Isso toca a gente lá no fundo.

Não dá pra normalizar.

Não dá. Te falei que ia para a casa do Gil todo dia. Ficava sentado ao lado dele sabendo que não era normal. Nunca perdi a oportunidade de tocar, aprender com ele. Essa felicidade me acompanha a vida toda. Nesse sentido, é maravilhoso ter nascido nessa família, nesse lugar, neste país. E é chato por causa da falta de educação, da insistência, da repetição. Sei, por conviver e acompanhar, que muito filho de artista importante sofre, não quer fazer música por se sentir mal com a comparação. Vejo no meu coração e no dos meus irmãos que a gente deu sorte. Não sofremos, não sentimos esse peso. A gente toca o bonde pra frente.

Que características musicais destaca em cada um dos seus irmãos?

Tom é o mais virtuoso musicalmente. O que tem mais facilidade harmônica, melódica e física de tocar qualquer coisa, pode ser qualquer instrumento. Isso faz dele um grande compositor de melodias e de harmonias. É impressionante vê-lo compondo com o Cezinha (Cézar Mendes, compositor), o jeito que é fácil para ele uma coisa que para tanta gente tem que estudar por tanto tempo. Às vezes, nem estudando... Ele é o mais musical da família disparado. É, realmente, apaixonado pela música, fica agarrado com esse instrumento (violão).

O Zeca tem uma profundidade na alma, uma densidade poética que ninguém mais tem. Desde pequeno. Quer ver um exemplo? Acho que ele tinha uns 8 anos. Estava sozinho na sala, desenhando no chão quando eu cheguei na casa do meu pai. Ele levantou a cabeça e falou, com a voz rouca que tinha: "Mano, vai ser assim a vida inteira?". Aí eu falei: "Vai, cara. Mas, peraí... vamos ver isso". Tipo: "O que é isso? Onde você quer chegar com essa frase?" (risos).

Os dois fazem aula de piano desde criança. A mãe obrigou...

Eu também obrigo os meus filhos...

Eu não obrigo os meus filhos porque não fui obrigado. Mas quase me arrependo (risos). Às vezes, queria que eles fizessem algum instrumento para ter proximidade com a música. Mas, tudo bem, é isso aí, crio meus filhos como meu pai me criou.

Deixando existir...

Deixando existir... "Vai aí, vê o que você quer, faz o que você gosta e vamos em frente".

Mas meus irmãos foram obrigados a estudar piano desde pequenininhos. Zeca foi se desenvolvendo musicalmente, virando adolescente. De repente, a gente em casa, jantando em uma noite, eu, ele, Tom, meu pai e Paulinha (Lavigne)... Zeca começa a cantar com uma voz que não existia. Por que ele tinha uma voz rouca... E aí veio uma vozinha, assim, angelical, fininha. Pegou o violão e cantou umas músicas que gostava de um filme. A gente ficou chocado.

Depois, ele cantou com uma voz grave. Eu falei: "O que é isso?". Ele: "Estou gostando de experimentar a voz". Até então, ele não tinha mostrado nenhuma composição, tocava umas coisas do Djavan... Mas, naquela noite, já deu um tranco, tipo: "Opa, o garoto tá vindo aí, cheio de ideia". Daí, veio com essa música, "Todo homem". A gente não aguentou... Eu não aguentava. Todas as noites no "Ofertório" eu sentava no palco e pensava: "Tô chorando mais uma vez". Meu violão já tinha umas marcas de lágrimas. Vai ser assim para sempre...

Você exerce a função de irmão mais velho, de conselheiro? Parece um pouco o guru da família...

Exerço só um pouco. A gente é mais horizontal, embora eu seja padrinho do Tom. Meu pai me obrigou a batizá-lo na igreja. Vê se pode? Eu falei: "Mas já sou irmão, vai gastar uma ficha?". E meu pai: "Pelo amor de Deus, me ajuda, batiza esse menino". Faço tudo que ele pede...

Às vezes, Zeca me liga para perguntar como resolver algo, carregar piano, literalmente. Quando ele foi morar sozinho, levamos o meu Fender Rhodes (teclado) para a casa dele.

Mas, olha isso: quando mostrei “Um passo à frente” (canção de Moreno), meu pai fez uma cara desgostosa e falou: “Legal essa levada do violão do Gilberto Gil”. Ciúme, né? (risos). Eu disse: “Tô imitando o ‘Expresso 2222’ mesmo”. Mas os dois meninos ficaram loucos, ficaram comigo até de madrugada aprendendo a tocá-la. O entusiasmo deles foi tão grande que meu pai voltou e falou: “Essa música é muito boa, olha essa frase”. Se não fosse a ajuda dos irmãos...

Seu pai escuta muito você. No festival Doce Maravilha, você deu aval para ele fazer show naquela chuva toda e acalmou o público...

Somos muito amigos. Temos relação de confiança, que acalma, ampara, dá segurança, dá um chão. No Doce Maravilha, a Paulinha me ligou e pediu ajuda. Fui lá avaliar a situação e vi que não dava. Sugeri que mudassem para o outro palco, de costas para o vento, seco, onde eu tinha tocado mais cedo com a Orquestra Imperial. Meu pai falou: “Quero!”. Era quem mais queria. Pegou uma pneumonia, eu fiquei com hipotermia, mas valeu a pena (risos).

Penso que esse seu lugar de guru que te falei vem um pouco da sua espiritualidade. Você é do candomblé. Como essa religiosidade se manifesta no seu dia a dia?

Quando morava na Bahia, pegava a bicicleta sexta-feira e ia pedir bênção no Bonfim (igreja). Minha esposa (a antropóloga Clara Flaksman) fazia pesquisa de campo para o doutorado nos terreiros. Principalmente, no Gantois, terreiro do meu pai, da minha tia, meu. A gente é filho de santo de Mãe Menininha, Mãe Cleusa, Mãe Carmen. Desde a morte de Mãe Menininha, eu estava afastado. Quando mãe Cleusa assumiu, me obrigou a terminar a obrigação. Não tinha voltado desde que Mãe Carmen assumiu. Foi muito bom me reaproximar. Quando criança, ficava no pé de Mãe Menininha ouvindo histórias, era uma maravilha. Sonho muito que estou no Gantois pedindo a benção dos orixás.

Quais são seus orixás?

Sou de Lógun Ẹ̀dẹ, criança forte, brincalhona, bagunceira, mas braba também. Não é brincadeira, não. Está com uma espada na mão, se der mole para ele... Além do que, ele não anda sozinho, né? Porque criança não anda só. Minha tia já disse naquela música linda dela: "Não mexe comigo, porque eu não ando só". Eu não ando só. Lógun Ẹ̀dẹ é filho de Oxum com Oxóssi. Traz características masculinas e femininas. É moderno nesse negócio de gênero. É tão feminino quanto a mãe e tão masculino quanto o pai.

Mas Oxalá está sempre presente, Oxalufã, o velho. Hoje é sexta-feira, e estou de branco por causa de Oxalá. Não posso vestir outra cor hoje. Não tenho nenhuma roupa preta, nunca tive. Mãe Menininha falava: "Ó, você não pode usar preto de jeito nenhum”. Meu pai sabia disso e nunca comprou roupa preta para mim. Um dia, tocando (violoncelo) em uma orquestra sinfônica, tive que vestir preto. Aí, a mãe de santo falou: “Vai rasgar”. Claro que rasgou, né? (risos).

Você é tão zen quanto parece? É ciclista e faz ioga, essas atividades devem te ajudar bastante na saúde mental...

Me ajudam a ficar mais tranquilo, a resolver mastigar as coisas sem ser só com o coração ou só com a mente. Mastigo com o resto do corpo. Bota o corpo pra suar, pra se mexer, a inteligência em outros lugares da sua pele e outros músculos que não só o coração. A ioga é intensa nesse sentido de espalhar a consciência pelo seu corpo todo.

E a bicicleta é uma meditação maravilhosa, porque é um movimento repetitivo. O sangue está nas suas pernas, no seu glúteo, a sua concentração está no equilíbrio ali, no que está acontecendo na sua frente, ao seu lado. Com isso, a cabeça fica em paz. Você dá um descanso para ela. Se estiver preocupado com algo, esquece rapidinho. Quando volta, aquele momento de paz te ajuda a resolver a encrenca que tinha antes.

Que circuito você faz? Vista Chinesa?

Sim. Moro do lado e vou para a floresta, que também tem a coisa do cheiro. Bicicleta não tem motor, então, você está ali no silêncio da floresta, uma coisa acolhedora no sentido da natureza, você se sente parte. É muito bom. Mas também posso ir para o Aterro do Flamengo, Barra, Recreio. A Prainha é um dos lugares mais lindos do mundo. Você sobe um morro, de repente, vira e é uma enseada... não é possível que exista aquilo. Depois, sobe de novo, tem outra pirambeira e é outra visão. Aí, desce lá em Grumari. Isso de bicicleta não tem valor.

Voltando à música... E esse disco com a Chrissie Hynde, como surgiu?

Ela ficou nossa amiga. Fizemos (Moreno, Domenico e Kassin) uma turnê juntos e ela gosta muito do nosso trabalho. Temos o projeto de gravar um disco juntos há anos. Já temos umas doze músicas novas. Ela mandou coisas de lá e também chamou o Sean O'Hagan (cantor e compositor irlandês, líder da banda High Llamas), que também é nosso amigo de longa data, compusemos juntos, gravamos.

A Orquestra Imperial foi para Londres tocar no Barbican (Centre), num projeto especial, refazendo disco da Tropicália com uma orquestra de lá. Quem arranjou as músicas foi o Sean. Ele também trabalhou com o +2, participou do disco do Kassin. Sean está no Brasil e Chrissie está chegando (já chegou) para a gente gravar.

O disco com ela vai ser meio inglês, meio português, ela vai cantar, eu vou cantar. Ela me pedia pra cantar nos shows que fizemos juntos. Inclusive, fui vaiado veementemente muitas vezes, por milhares de pessoas. Foi uma experiência...

O fracasso ensina, né? Como foi essa vaia?

É importante (risos). Foi aqui no Brasil, em 2003. Ela veio de uma banda de rock, os Pretenders. É uma grande compositora, tem personalidade super forte... As pessoas esperavam um show de rock. Mas ela tocava Bob Marley, boleros, me pedia pra cantar uma música minha, tranquilinha. Eu falei: "Vai dar errado". Ela: "Gosto disso". E deu bem errado, foi maravilhoso (risos). As pessoas jogavam coisas no palco, e ela dizia: "Errou! Joga de novo". Quase morremos em Goiânia. O show era num estádio de futebol, tinha uns caras de chapéu, cinto e armas, muitas armas...

Homens do mundo agro, você quer dizer?

Sim. Ela é vegetariana, ativista, defensora dos animais. Viu que os caras estavam lá. Nasceu nos Estados Unidos, morou no Texas, conhece... Ela os viu e começou a xingá-los em inglês. Os caras tiraram as armas. Pensei: "Agora a gente vai morrer!". Domenico saiu correndo de trás da bateria, pegou o microfone e começou a falar em português que ela estava dizendo que a cidade era muito bonita, as cachoeiras (risos). A sorte é que eles não entendiam muito bem inglês. E aí ela começou a xingar o Domenico, porque entendeu que ele estava aliviando a situação. Mas a gente sobreviveu.

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