Música
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Por — São Paulo

No primeiro ensaio aberto de “Sonhos, lama e rock and roll”, Roberto Medina volta para 1984, mas com a cabeça em 2034. O musical de Charles Moeller, com direção artística de Zé Ricardo, nada tem de ficção científica. Mas, ao rever pela primeira vez no palco, em um espaço em São Paulo, a gênese improvável do Rock in Rio, parte central da narrativa, o empresário revela o que anda tramando para edições futuras: “um estacionamento para carros voadores, que certamente serão usados para se chegar à Cidade do Rock em edições futuras, e já estou até fazendo uma maquete para essa coisa maluca”.

Daqui do passado, o trânsito, muito provavelmente, seguirá trabalhoso nos dias 13, 14, 15, 19, 20, 21 e 22 de setembro, quando o Rock in Rio celebrará suas quatro décadas na cidade que o batizou. Muito mais peso, apostam os organizadores, terão, do outro lado da balança para se garantir este ano mais um “eu vou”, os protagonistas já confirmados, entre eles Travis Scott, Ed Sheeran, Katy Perry, Imagine Dragons, Shawn Mendes, Ne-Yo, Charlie Puth, Joss Stone, Angélique Kidjo, Ludmilla, Lulu Santos, Jão, Gloria Groove, Os Paralamas do Sucesso, Lulu Santos e Luísa Sonza.

O cardápio também inclui o musical de 35 minutos, que deverá ter quatro exibições por dia em uma das arenas da Cidade do Rock e, mais tarde, seguir para palcos país afora. Dele, O GLOBO viu, ao lado de Medina, duas cenas. Em uma delas, há uma referência ao idealizador do festival, que surge — de forma literal — como Don Quixote, com direito a armadura e cavalo, ao som de “Sonho impossível”, de “O homem de La Mancha”, canção entoada pelo ator Beto Sargentelli. Completavam o elenco Bel Kutner, Malu Rodrigues e Gottsha, além de dançarinas e bailarinos coreografados por Mariana Barros, em números com músicas emblemáticas para a marca, como “We will rock you”, do Queen.

O musical acompanha a trajetória da personagem fictícia Maria Antônia Lobo (Malu Rodrigues em 1984, Bel Kutner no presente), estagiária da Artplan de Medina quando fazer um festival de rock internacional no Rio parecia um delírio que o público encontra na noite de lançamento de seu livro de memórias, “Fábrica de sonhos”.

“Eu me emocionei muito, mas é difícil ficar no centro da história. Eu sou é dos bastidores”, disse Medina, imediatamente após ver as duas cenas. Ele completará 77 anos em agosto com a mesma crença no poder da música do jovem de 37 que convenceu Deus, o mundo e James Taylor (“até hoje meu show preferido em todas as edições”) a se apresentarem em janeiro de 1985 na cidade montada a toque de caixa em Jacarepaguá, na Zona Oeste da capital fluminense.

Cena de “Sonhos, lama e rock and roll”, musical de 35 minutos, que deverá ter quatro exibições por dia em uma das arenas da Cidade do Rock — Foto: Divulgação
Cena de “Sonhos, lama e rock and roll”, musical de 35 minutos, que deverá ter quatro exibições por dia em uma das arenas da Cidade do Rock — Foto: Divulgação

Na edição deste ano, revela, um dia será dedicado à capacidade da música de "unir os diferentes”. “É preciso ter mais conversa no Brasil, poder mudar de opinião, voltar atrás e assim construir um país melhor. E a música oferece esse espaço. Está no momento de eu prestar este serviço. E vai ser forte. O astral que tivemos há 40 anos, meio Woodstock, meio fantasia, é preciso nos dias de hoje novamente, para se sobreviver”, diz.

Roberto Medina conversou com jornalistas convidados pela produção do Rock in Rio após o primeiro ensaio aberto de “Sonhos, lama e rock and roll” . Os principais trechos da conversa seguem abaixo:

Como foi ver a cena em que Beto Sargentelli canta “Sonho impossível”?

É emocionante e difícil voltar para a história do Rock in Rio lá no início. Você põe aquilo numa caixinha, né? E foi ao mesmo tempo muito bom e muito difícil fazer a primeira edição. Foi muito, muito solitário. Essa imagem do Quixote…bem, eu tenho um Quixote em todo lado.

Como assim?

Tenho um Quixote no escritório, outro na sala, tenho grande, tenho pequeno. A ideia do “sonho impossível” sempre foi uma inspiração. O Freddie Mercury (1946-1991), antes de vir pro show do Rock in Rio, descobriu isso e pediu para o Salvador Dalí (1904-1989) desenhar um Quixote. E me deu a obra de presente. Para você ver como tinha a ver com a história do festival, que é muito isso: sair do mundo real. Tenho feito muito esse exercício este ano de voltar ao tempo. E pensado em tudo.

Por exemplo?

Que não havia nem telefone direito para falar com o estrangeiro, que tive de viajar 14 vezes para fechar contratos. Que não tinha o que vender do nosso país lá: não tinha estrutura, não tinha som aqui, não tinha nada. Mas também nunca tive dúvida alguma do que iria fazer. E não aceitava o não. Aí consegui patrocínio, estrutura, TV, e… Comecei a receber os “nãos” dos artistas! Não era “vou pensar”, era “não" mesmo. As histórias daqui que chegavam lá eram de um lugar onde os equipamentos das bandas eram roubados. Aí chega um cara contando que vai fazer o maior festival de rock do mundo nesse lugar. E seria mesmo! Eu sabia que seria. Não seria mais ou menos grande. No Brasil, naquela época, show para 30 mil pessoas era grande. A lógica seria eu bolar algo para 100 mil, mas eu apareci com 1,5 milhão. Quixotesco. Mas as pessoas, aos pouquinhos, foram aceitando. Fui caminhando, caminhando…mas foi bem difícil, inclusive com a imprensa. Eu ficava irritado, mas hoje vejo que eram lúcidos os que não acreditavam em mim (risos).

Já que você tem feito esse exercício de volta ao passado, se lhe fosse permitido, o que diria para o Roberto de 37 anos?

Caraca (risos). Acho que diria “Roberto, o que você está prestes a fazer vai valer a pena”. A gente construiu uma história de estrutura para a música brasileira que…huuum…atirei numa coisa que vi, fazer o maior show do mundo, e acertei no enorme crescimento da música pop brasileira. Depois do primeiro Rock in Rio, a indústria fonográfica daqui cresceu 180%. E eu não sabia que isso aconteceria. Imaginava que seria um lugar em que as pessoas estariam lá, juntas. Mas ver 200 mil pessoas chegando, com chuva caindo e tudo. Lembro como se fosse hoje dos primeiros caras que entraram, beijando a grama. Penso muito neles. E vendo agora a história ser contada no musical, tenho sim alguma dificuldade de me ver no personagem. Mas até para eu saber que hoje sou mais lúcido, né (risos)? Como se aquele Roberto fosse um maluco, que eu conheci há quatro décadas, e deixei lá atrás pelo caminho (mais risos). Sério, passei apertos enormes, senti, repito, muita solidão lá atrás, mas foi muito bom também.

Solidão?

Quando você sai, quebra paradigmas, fica um tempo solitário. E aí é, foi, difícil. O Rock in Rio nasceu como um movimento, e muito em cima de provar que o Brasil podia fazer aquilo. Lembro da primeira palestra que dei na PUC-RJ sobre o festival, e a primeira pergunta foi sobre a estrutura do palco. Que dava para colocar um prédio de 60 andares. E aí elas se seguiram, com dúvidas que eram de arquitetura, de engenharia. E eu lá, preparado para responder sobre bandas de rock e a cena pop da época (risos). Aquele não era meu mundo. Mas ali percebi algo que ainda não tinha enxergado, a dimensão da coisa. Aí pensei no mini-shopping, na praça de alimentação. Até o nome Cidade do Rock não fui eu quem dei, mas uma repórter da TV Globo, que estava pendurada com um alpinista em cima do palco para uma matéria, olhou pra baixo e soltou a frase “essa aqui é a verdadeira cidade do rock”. Foi assim. (risos). Hoje percebo que eu era meio um magneto, atraindo as coisas todas. E sei que, no fim, entregamos. Essa coisa, de novo, de “sonhar o impossível" e correr atrás também. Por exemplo, como faz para a cerveja chegar na Cidade do Rock? Põe debaixo da terra, faz um duto e sobe a serpentina? Aprendemos fazendo. E foi a primeira transmissão assim de cerveja em um evento. E só aconteceu porque não tinha outro jeito. Foi muito assim. As pessoas tinham que tomar cerveja, eu tinha que dar um jeito.

A atriz Bel Kutner no musical “Sonhos, lama e rock and roll”, que conta a história do Rock in Rio — Foto: Divulgação
A atriz Bel Kutner no musical “Sonhos, lama e rock and roll”, que conta a história do Rock in Rio — Foto: Divulgação

E a discussão em torno da qualidade de som pior para as bandas brasileiras à época?

Eu briguei muito com os americanos por isso: por que os som das bandas brasileiras era tão menor? Como não tinha controle, só podia brigar mesmo. Pois numa rede social vi outro dia um sujeito contando que ele fazia o som dos Paralamas do Sucesso na época. E que os operadores brasileiros não sabiam mexer na mesa, muito mais sensível, dos americanos, que nunca tinham visto aquilo. Eles pegavam então o limite de som que ficava suportável para não ter risco de explodir e ia assim. Mas, como os caras sabiam que esse sujeito conhecia o equipamento, ele pôde mexer. Daí o som dos Paralamas. Tudo naquela edição foi um aprendizado. Aliás, sabe que os Paralamas, por sua vez, não tinham cenário pro show deles? Pegaram dois vasos da sala lá de casa e colocaram no palco. E arrebentaram.

Quarenta anos é uma data redonda. Se você tivesse que escolher apenas um show, em todas as edições do festival, como o favorito, qual seria?

Muitos eu classificaria como imperdíveis. Mas o que mais me tocou, o favorito, foi o do James Taylor, em 1985. O James fui eu quem escolhi. Ele não fazia mais shows, vivia isolado num rancho. Fui até lá e o convenci. E esse foi o único show que eu vi inteiro no primeiro Rock in Rio, era uma operação de louco aquilo, não consegui ver nada. Mas aquele eu fiz questão. Como era figura carimbada já, coloquei óculos escuros e boné e fui para a fila do gargarejo. Uma lua linda. Inesquecível.

Como é se ver retratado no musical?

Incomoda um pouco. Mas aí já é um problema para psiquiatra, né? (risos). Lá em 1984, eu também não queria aparecer, mas alguém precisava verbalizar as ideias, dar as caras, para aquilo acontecer daquele tamanho. Acabei virando midiático, e isso me deu problemas até com o governador do Rio à época, Leonel Brizola (PDT) (1922-2004). Ele cismou que eu queria ser candidato, que seria uma ameaça política a ele (o irmão de Roberto e vice-presidente da Artplan, Rubem Medina, era deputado federal à época, pelo antigo PDS, partido de sustentação da ditadura militar). E não queria nada com isso. Perdi muita energia, sofri muito com o ódio político, aquilo nunca foi meu mundo. A notoriedade resultou do trabalho necessário de convencimento, que me tomou muito tempo. Não estava preparado para a notoriedade que ganhei, sou mais do backstage. Mas entendo, também, que pela trajetória, não dá para contar a história, num musical, de outro jeito. Agora, à vontade, à vontade mesmo, não fico não (mais risos). Eu gosto mesmo é de andar, caminhar. Foi assim que surgiu o The Town.

De que jeito?

Eu estava andando em Nova York. E vendo o entorno, a cenografia, veio tudo, a ideia veio, o festival veio. Mas sabia que ia demorar para explicar à minha equipe o que estava passando pela minha cabeça naquele momento. Aí marquei uma reunião, fiz uma maquete gigante e avisei: “isso vai acontecer, desse jeito”. Agora sigo me perguntando: e o que eu vou fazer mais? O que tenho que aprontar de novo? É isso que me deixa vivo. Meus amigos que se aposentaram envelheceram uns dez anos. E o musical tem uma coisa bacana…a música, eu acho, hoje é ainda mais importante do que era lá atrás.

Como assim?

O mundo anda muito dividido. Estou trabalhando, inclusive, em cima dessa ideia. Todo mundo vive em bolhas, elas só mudam de tamanho. O Brasil anda totalmente tensionado, para um lado ou outro. As pessoas não conversam mais. E a música tem a capacidade incrível de unir os diferentes. Ali estamos juntos, e de um lado só. Está faltando isso. Ao não conversar, o mundo fica pior, cuida-se menos do planeta. No Rock in Rio desse ano darei um recado expressivo sobre isso, sobre o mundo melhor nesse aspecto. Tem que ter mais conversa no Brasil, mudar de opinião, voltar atrás para se construir um país melhor. E a música dá esse espaço. Um dia do festival será dedicado a essa conversa. Está no momento de prestar este serviço, minha “partezinha” eu vou fazer. E vai ser forte. O astral que tivemos há 40 anos, meio Woodstock, meio fantasia, é preciso hoje novamente para se sobreviver.

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