Música
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Por — Rio de Janeiro

Até alguns anos atrás, a possibilidade era restrita à imaginação e à perícia de seus muitos imitadores: o apresentador Silvio Santos cantando (e bem!) o velho hit do rock “Sultans of swing”, do grupo inglês Dire Straits, ou então o “Down under”, dos australianos Men at Work. Hoje, em iniciativas como o perfil de redes sociais 1001 AI Covers, isso não só é uma realidade, como um sucesso, em que uma dupla de vídeos atinge mais de um milhão de visualizações, cada.

Com os aplicativos de inteligência artificial empregados na música, alguns deles de uso gratuito, qualquer um com sensibilidade e algum tempo disponível é capaz de inundar a internet com canções (e vídeos feitos sob medida) que, com intenções apaixonadas de fã, ou satíricas, põem célebres intérpretes (ou personalidades da mídia) para cantar músicas que, por diversas razões, eles jamais teriam cantado. A nova mania, no entanto, reacende dúvidas sobre o uso legal de recursos tecnológicos no que se refere a direitos autorais e de imagem.

Do barulho

Os Beatles interpretando “God only knows” (que Paul McCartney considera a canção mais bela de todos os tempos), dos rivais Beach Boys? E que tal algo bem mais improvável, como Frank Sinatra (1915-1998) em uma versão jazz de “Enter Sandman” (1991), pedrada do Metallica? Ou então um troço realmente impossível, como Elvis Presley (1935-1977) soltando o vozeirão, desenvolto, em “Highway to hell” (1979), do AC/DC? Tudo isso já foi feito por produtores mais ou menos amadores e jogado na internet nos últimos meses, para deleite de apreciadores da música pop e das possibilidades infinitas da tecnologia digital.

Um publicitário do interior de São Paulo que pede para ser identificado apenas como Lucas é a pessoa por trás do 1001 AI Covers, perfil do Instagram que até ontem reunia 50.400 seguidores. Em seu cardápio, estão vídeos com diversas músicas cantadas por Silvio Santos e outras por apresentadores de TV como Fausto Silva e Celso Portiolli. Depois de um início no YouTube, em um canal derrubado por questões de direitos autorais, Lucas migrou para o TikTok. Repostado no X (antigo Twitter), um vídeo de “Sultans of swing” “furou a bolha” e o fez “correr atrás do prejuízo”, criando uma conta no X e no Instagram, no fim de dezembro.

— Uso um software que você pode treinar para fazer as vozes, o que precisa é mandar no mínimo uma hora de voz da pessoa, e, quanto mais limpa essa voz, melhor o resultado — conta ele, que costuma se dedicar a essa tarefa no fim da noite, com aplicativos cujos nomes mantém em segredo. — O processo para fazer uma música geralmente demora umas oito horas. Eu mando a AI treinar e vou dormir, vou fazer minhas coisas, e geralmente no dia seguinte, quando acordo, está pronto. Se a voz ficou boa, vamos embora. Mas já teve caso em que não ficou legal, e aí vou ajustando. Com a música pronta, vou pensando nas ideias para o clipe.

E um dos clipes que chamaram mais a atenção na página foi o de Silvio Santos cantando “Fast car” (1988), de Tracy Chapman, publicado logo após a cantora ter tido essa música redescoberta com uma apresentação no Grammy ao lado do cantor country Luke Combs.

— Lembrei que tinha um vídeo do Silvio Santos dirigindo um carrinho de golfe! E aí tudo começou — conta Lucas. — Fico muito feliz quando consigo passar para a tela o que tá na minha cabeça, e com “Fast car” eu consegui isso. Tem um outro processo criativo que é o inverso, quando eu parto do vídeo, como o que fiz com o Silvio cantando “Let a boy cry”, da Gala (Rizzato, cantora italiana de dance music). Uma vez, no programa “Em nome do amor”, ele perguntou o que era techno, o DJ soltou essa música e ele começa a dançar. O Silvio é o carro-chefe, qualquer vídeo, qualquer música com ele vai muito bem.

O nonagenário apresentador de TV, de fato, brilha nas criações da internet (o perfil de Vector Lua, no YouTube, faz bastante sucesso com uma boa interpretação IA de Silvio Santos para “Amiga da minha mulher”, de Seu Jorge), assim como Manoel Gomes (do hit viral “Caneta azul”), personagens do seriado “Chaves” e Freddie Mercury (1946-1991), cantor do grupo Queen, que pode ser encontrado traçando de “Take on me” (A-Ha) e “Billie Jean”(Michael Jackson) a “Careless whispers” (George Michael).

‘Macetando’ e death metal

Produtor musical de bandas de metal e hardcore, o paulistano Nicolas Gomes abriu em 8 de dezembro no Instagram o perfil Fake Music BR, que usa a inteligência artificial não para dar novas vozes às músicas, mas para levá-las a novos estilos musicais. Ele e seu parceiro Augusto, cantor de uma banda de hardcore, já pegaram o axé “Macetando”, de Ivete Sangalo e Ludmilla, e transformaram num aterrorizante death metal: “Macetando o Apocalipse” (com referência irônica ao diálogo de Ivete e Baby do Brasil no último carnaval em Salvador). Sua música mais conhecida é “Bob Fish” — o punk do Dead Fish virado em reggae de Bob Marley.

— A gente não usa muito esse lance de clonagem de voz, o lance realmente é pegar uma música de alguém e levá-la para outro estilo — conta Nicolas, que usa a versão gratuita do aplicativo Suno, em que você põe a letra e pede para que ela seja aplicada em uma música de determinado estilo. — O vocal é, digamos, aleatório. O que a gente pode direcionar é se vai ser feminino ou masculino. Mas às vezes a gente escuta e vê que está parecendo a voz da Pitty, ou da Elis Regina (alvo de polêmica ano passado em um vídeo criado por IA em que cantava com a filha Maria Rita, e que no Fake Music surge lá cantando “Morrer”, dos Ratos de Porão, numa improvável versão soul music). A gente ainda não achou o pulo do gato, aquele que viraliza, a gente ainda está testando formatos. Sou produtor, queria que isso fosse uma porta para conhecer meu trabalho.

Um novo futuro possível

Lucas, do 1001 AI Covers, conta ter tido um retorno positivo de João Silva, filho de Fausto Silva, que compartilhou vídeos com a versão IA do pai em seus stories. Mas ainda não de Silvio Santos (“rolou uma mega mobilização para os vídeos chegarem até a família Abravanel, desconfio que tenham chegado, mas não sei se eles gostaram ou não”, diz). Entre o público do seu perfil, a reações variam entre os elogios e comentários do tipo “aí os computadores se rebelam, destroem a Humanidade e a gente se pergunta ‘por quê?’ ou “vai usando a IA, quando menos perceberem estaremos escravos dela!”. Entre os profissionais da música, há opiniões menos apocalípticas.

“O que pode parecer agora uma piada, uma curiosidade, daqui a pouco pode ser um produto. Você pode estar no seu streaming favorito, dar play e falar: ‘Como seria essa música na voz de outro artista?’ Isso pode mudar a forma como a gente consome música e proporcionar uma forma de consumir canções que você não consumiria se não fosse com aquele artista”, argumenta Felipe Vassão, produtor do rapper Emicida, em vídeo em seu perfil no Instagram. “É até uma nova forma de você lançar música, porque tem muita gente que compõe mas que não é bom intérprete. E se você pudesse escolher com que roupa a música vai se apresentar para você? É quase como trocar a skin do personagem de um videogame.”

Legislação

Mas, claro, ele mesmo admite que existem problemas legais a se resolver até que cheguemos a essa versão cor-de-rosa do futuro. O que, ao que tudo indica, será bem complicado. Apesar de aplicativos de IA, como o que foi lançado pelo YouTube em novembro, permitirem o uso de vozes famosas (como as de Demi Lovato, Sia, John Legend, Charlie Puth e Charli XCX) para produzir faixas, mesmo ali existe um limite de 30 segundos para cada resultado. Criadora e coordenadora do curso de direitos autorais Música Copyright e Tecnologia, Guta Braga joga luz sobre a questão:

— A questão do uso de IA na criação de conteúdo está sendo discutida globalmente. A maioria dos países entende que não há proteção legal para esse tipo de conteúdo pois se baseia em conteúdo preexistente, o que necessita de autorização prévia para uso, se considerarmos, por exemplo, a lei dos direitos autorais (Lei 9.610/98) — explica ela. — Isso lembrando que muitos usos por IA não dizem respeito apenas aos direitos autorais e conexos. Muitas vezes o uso é da voz e imagem, o que se refere aos direitos da personalidade, que também devem ser previamente autorizados.

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