Música
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Por , Em O Globo — Rio de Janeiro

Depois de cinco anos sem disco novo, não dá para dizer que, com “Behind the tea chronicles”, que está sendo lançado, Ed Motta voltou americanizado, como na música imortalizada por Carmem Miranda. Isto porque o 14º álbum de estúdio de sua carreira confirma o que não é — ou não deveria ser — novidade para ninguém: americanizado ele sempre foi. E, como se diz por aí, está tudo bem. A “volta” de Ed Motta também se dá pela sua primeira apresentação no Rio de Janeiro desde a reabertura pós-pandemia: domingo, ele encerra a programação do festival Prio Blues & Jazz, na Marina da Glória.

Desde “Chapter 9” (2008), seu primeiro disco cantado em inglês do início ao fim, ele repetiu o feito em “AOR” (de 2013, que tem versão em português), “Perpetual gate-ways” (2016) e “Criterion of the senses” (2018). O novo trabalho tem cheiro de importado não só pela língua. Prensado em vinil e CD pelo selo alemão MPS, “Behind the tea chronicles” é inspirado em filmes e séries de TV lá de fora que marcaram Ed Motta em sua formação artística. Há camadas de cinema noir e musicais da Broadway, letras que invocam tramas da nouvelle vague (“Safely far”), dos faroestes (“Buddy Longway”), das HQs (“Slumberland”), das ficções científicas (“Quatermass has told us”) e dos filmes de máfia (“Shot in the park” e “Tolerance on high street”). Um disco “bastante visual”, explica o tijucano, de 52 anos.

— Cada música tem uma história. São crônicas com esse clima de filme dos anos 1950. Começando pelas letras. É um disco em que o texto tem o mesmo cuidado da música — conta Ed Motta, em entrevista ao GLOBO por videochamada. — São narrativas que falam de relacionamentos, situações variadas, boicote, máfia, carreiras que não deram certo. Pequenos roteiros com um olhar mais psicológico.

Artesão de estúdio

'Behind the tea chronicles' exalta o universo audiovisual que marco Ed Motta ao longo da vida: 'São narrativas que falam de relacionamentos, situações variadas, boicote, máfia, carreiras que não deram certo' — Foto: Jorge Bispo /  Divulgação
'Behind the tea chronicles' exalta o universo audiovisual que marco Ed Motta ao longo da vida: 'São narrativas que falam de relacionamentos, situações variadas, boicote, máfia, carreiras que não deram certo' — Foto: Jorge Bispo / Divulgação

Para apurar a estética pretendida, Ed deixou as cordas a cargo da orquestra tcheca FILMharmonic, que já trabalhou com cineastas do calibre de Ridley Scott e Quentin Tarantino.

— Queria trabalhar com uma orquestra que estava acostumada a fazer cinema. Está muito no idioma deles, sai sem você precisar ficar horas passando. Facilita a vida de todo mundo — diz Ed.

Como um artesão apaixonado, Ed Motta não tirou os olhos de cada vírgula em “Behind the tea chronicles”, desde as composições (todas dele) aos arranjos, passando pela mixagem (que ele assina ao lado de Fernando Fischgold) e a direção de arte do disco, que tem foto de Jorge Bispo. No estúdio do selo Rocinante, em Petrópolis, onde o projeto foi gravado, ele era o primeiro a chegar e o último a sair de cada sessão, confirmam seus pares.

— Em “BTTC”, entramos numa jornada de aproximadamente um ano e meio, revendo os processos desde a escrita até os fundamentos — afirma o pianista Michel Limma, diretor musical do disco. — Chegamos no estúdio com tudo muito bem arrumado, partituras organizadas, tudo com muita clareza. Tenho grande admiração pela obra do Ed, não só do ponto de vista profissional, mas pela maneira como ele encara esses processos, por sua devoção e entrega.

Alberto Continentino, dono do baixo que se ouve no álbum, reforça o caráter caprichoso de Ed Motta:

— Ed tem uma concentração absurda no estúdio, até mais que antigamente, em tempo integral. Foi dando atenção a cada instrumento, depois editando parte por parte, até chegar na maneira que ele queria. Ficou brilhante, exuberante. Arranjos, mixagens, pequenos detalhes, harmonia, tudo. Um trabalho de muito cuidado e primor.

Ao longo de 1h30 de conversa, Ed Motta deixa clara essa sua “obsessão” pelo processo de criação de um álbum — “sou pragmático com minha música, extremamente pragmático” —, algo intensificado com o tempo que a pandemia lhe deu.

— Chego antes dos assistentes. Se a gravação está marcada para 9h, às 7h30 estou tomando um café com pão no estúdio, já estou lá que nem um morcego ajeitando as partituras (risos). Pude me dedicar por três anos a esse disco. Eu e Michel nos debruçamos sobre cada detalhe — diz. — Nunca fiz um disco tão detalhado, pensando cada compasso. O artesanato de gravar um disco é fascinante. Eu, como consumidor, gosto de disco, o disco é o ápice da música.

“Behind the tea chronicles” é, também, a confirmação de que Ed Motta segue fazendo o que bem entende. Ele lembra que já teve de fazer concessões mercadológicas, como no disco “Manual prático para festas e afins” (1997), seu maior sucesso comercial e também o mais pop, que mirava nas rádios por apelo da gravadora à época. Desde “Dwitza” (2002), no entanto, ele se libertou:

— Eu adoro dinheiro. Adoro viver bem, beber bons vinhos. Mas gosto mais de música. E me sinto realizado. Quando eu tinha 20 anos, dizia que aos 50 não faria nada que eu não quisesse esteticamente. Não quero ser escravo do mercado nem escravo do Ed Motta, entende? Não quero ser escravo do Ed Motta que as pessoas construíram nas cabeças delas. O Ed Motta sou eu, eu decido como ele é. Coloquei isso na cabeça bem jovem. Mas foi à custa de muita dificuldade. É uma estrada de caco de vidro, mas eu arrumo um bom tênis e vambora.

Ed Motta também experimenta uma liberdade quase anárquica nas lives que promove em suas redes sociais. Legado do período pandêmico, o hábito lhe trouxe certo relaxamento:

— É como se fosse um pequeno canal de televisão independente ou uma pequena rádio pirata. Morro de rir, sou a pessoa que mais se diverte. É a comédia que mais gosto, o dia a dia, o disse me disse.

Volta e meia, ele tece alguma opinião mais firme, digamos assim, como quando criticou Raul Seixas, a quem chamou de “desqualificado”, entre outros adjetivos. Depois, chegou a se desculpar pelas críticas. Mas não parece incomodado com qualquer repercussão.

—Opinião todo mundo tem. O “vaselina” não vai passar por esse tipo de problema. Tem uma coisa quase teatral na minha personalidade que quem me acompanha de perto sabe. Muita brincadeira, muita piada sobre o ridículo da vida. E não estou procurando nada, estou aqui pela minha música, é o mais importante. É o que eu tenho de colaboração. De resto, se ronco à noite ou se sou louco, é consequência do meu meio.

Para o show de domingo, na Marina da Glória, Ed conta que colocou “quase todos” os seus hits no repertório, mas num formato “completamente jazzístico, cheio de improvisos”:

— As pessoas vão ser surpreendidas porque podem estar esperando um show super-hermético, mas não é, é um show que tem elementos de pop, funk e soul, além do jazz, que está ali como uma moldura elegante. O editorial do show é jazz. Estou superanimado, é o primeiro show nesse formato.

Diretor do festival, Peck Mecenas lembra que seu primeiro contrato profissional foi como produtor no disco “Um contrato com Deus”, de 1990, o primeiro da carreira solo de Ed Motta após seu começo com a banda Conexão Japeri.

— Acho que o Ed Motta, por representar tão bem o jazz e o R&B, por ser tão bem-sucedido no Brasil e lá fora, é o artista perfeito pra encerrar o projeto — pontua Mecenas.

‘Uma confusão, tudo junto’

O reencontro com o público carioca é algo que cativa o músico. Apesar de ter se dedicado com mais intensidade ao mercado estrangeiro, sobretudo o europeu, onde realiza cerca de quatro turnês por ano, Ed Motta se diz um “viciado” em Rio de Janeiro. Tem o hábito de tomar um táxi para circular pela Tijuca, bairro onde passou boa parte da vida e sobre o qual fala com uma ternura nostálgica. Cita o Jardim Botânico, onde mora, como seu bairro preferido e chega a abrir a janela para mostrar ao repórter o verde que contempla da sala de casa: “Olha isso aqui!”

— Lembro que voltei pro Rio depois de um ano morando em Berlim. Desci minha rua aqui no Jardim Botânico pra comprar uma fruta. Aí o cara do bar gritou: “Aê, Ed Motta! Tá de volta aê!!” Comecei a chorar, cara. Falei: “Caramba, é isso.” Eu estava sentindo falta desse negócio: “Tá de volta aê?” Alto pra caramba, todo mundo olhando, cheio de gente, carro de polícia em volta, carrinho de bebê, uma confusão, tudo junto. A minha música vem disso. Não vem daquele trenzinho bonitinho passando na hora certa. Eu quero isso aqui. E não é o Brasil, é o Rio de Janeiro. Minha música precisa do Rio de Janeiro. Sou dependente químico do Rio de Janeiro.

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