Exclusivo para Assinantes
Cultura Música

'Fazer música não é apenas ficar rico ou famoso', diz Pete Townshend, que acaba de lançar livro no Brasil

'A era da ansiedade' é o primeiro romance do guitarrista do The Who
Pete Townshend, autor de 'A era da ansiedade' Foto: Terry McGough / Divulgação
Pete Townshend, autor de 'A era da ansiedade' Foto: Terry McGough / Divulgação

Antes de responder as perguntas sobre seu romance “A era da ansiedade”, que chega às livrarias nesta sexta-feira, Pete Townshend diz que gostaria de saber como estamos no Brasil. O guitarrista da banda inglesa The Who “sabe que as coisas têm sido muito difíceis para algumas pessoas” e relembra, com carinho, o que viveu aqui, em 2017.

— Um dos auges da minha carreira foi tocar no Brasil. Foi maravilhoso sentir que os jovens brasileiros respeitam os músicos mais velhos de uma forma quase espiritual, como se fôssemos jogadores de futebol aposentados numa pelada — diz o músico, de 76 anos . — Estou fazendo uma piada, mas é verdade. Se eu conseguir outro “jogo”, vou levá-lo para Rio e São Paulo.

Enquanto não vem averiguar nossa situação com os próprios olhos, Pete manda para cá sua primeira incursão no universo dos romances, apesar de ser um veterano no mercado editorial. Ele estreou como autor em 1985 com o livro de contos “Horse’s Neck” e, em 1977, abriu a editora Eel Pie e a livraria Magic Bus. “A era da ansiedade” foi lançado em 2019 em língua inglesa, mas começou a ser construído em 2008, primeiramente como um grande projeto musical que se tornou, então, uma prosa. A obra é baseada nas observações das ansiedades dos vizinhos e, num cenário de mentes desassossegadas, se desenrolam as histórias do narrador, Louis Doxtader, e seu afilhado, Walter Watts. O primeiro é um marchand às voltas com os reflexos do passado, o segundo, um jovem astro do rock que passa a ter alucinações e cria “paisagens sonoras” com as agruras da vizinhança.

Do interior da Inglaterra, onde tem espaço para “caminhar, trabalhar e, às vezes, encontrar amigos e familiares”, o músico fala sobre a construção do romance, os planos futuros para a literatura e a música e do envelhecimento.

O GLOBO: No livro, Walter é um artista com problemas criativos; Louis é o padrinho dele, com segredos que o assombram. Ambos vivem num universo de música que remete ao que o senhor habitou por muito tempo. Há algo de autobiográfico nesta obra?

Estou em ambos os personagens. Vivi algumas de suas vidas ou conheço pessoas muito parecidas com eles. Mas esta não é uma história autobiográfica, nem do The Who.

Por que escrever um romance só agora, depois de tantos anos inserido no mundo literário?

Queria uma história que me desse um enredo muito sólido para um projeto musical. No início, minha ideia era que todas as músicas fossem paisagens sonoras eletrônicas sem letras. Então, decidi adicionar algumas palavras. No universo do rock, escrevemos sobre os lugares onde crescemos, as pessoas com quem vivemos e o que está acontecendo ao nosso redor agora. Isso torna a arte autêntica e verdadeira.

A era da ansiedade Foto: Divulgação
A era da ansiedade Foto: Divulgação

Por que falar sobre ansiedade?

Quando comecei a escrever, em 2008, morava em Richmond, em Londres, uma área bastante rica. Mas notei que as pessoas de lá não eram felizes. Elas tinham medo de tudo, especialmente do futuro dos filhos. Decidi focar minha história nelas e em suas preocupações. Ao compartilhar isso, esperava liberar algumas dessas tensões e tornar o assunto algo que pudéssemos conversar.

De 2008 para cá, muita coisa mudou em relação à abordagem desse assunto...

Repentinamente, começou a ser um tema mais falado mesmo, e isso é bom. Arte, música, dança, tudo é uma ótima maneira de compartilhar esse sentimento, porque os transforma em alegria e leveza. Podemos rir juntos, reclamar, chorar, rir de novo. Precisamos de otimismo para sobreviver.

Se esse livro começou como um projeto musical, o que vai acontecer com ele agora?

Os direitos de adaptação para o cinema foram adquiridos pela Sony, mas não sei se algum dia haverá um filme. A música concluída será uma ópera moderna, isso é certo. Espero que as pessoas que gostem sejam as que sempre tentei entreter como músico e escritor por 60 anos.

Como andam seus planos com o The Who?

Tenho muitas letras, mas não tenho certeza se a banda fará outro álbum (o último, Who, é de 2019) . Estou pronto para tentar, mas o The Who não tem nenhum plano no momento.

Como os novos meios de produção e consumo de música, via streaming, YouTube e redes sociais, afetam o senhor?

Muito do que está acontecendo agora — sons fáceis de serem feitos em casa e distribuídos sem necessidade de milhões de dólares — era algo com que sonhava. Ouço muitas coisas incríveis em plataformas digitais, mas é difícil me sentir próximo dos artistas (porque) fazer música não é apenas ficar rico ou famoso.

Já que o senhor é famoso e rico, então, qual o seu objetivo com a música hoje?

Fazer e transmitir canções tem a ver com trazer alegria, reflexão, inspiração e libertação para as pessoas ao nosso redor. (Por exemplo) eu estou no Instagram (@Yaggerdang), e alguns dos produtores que escuto têm poucos fãs, mas eu realmente amo a música deles. Isso me faz sentir bem porque alguém que mal conheço está compartilhando seu trabalho comigo e não pedindo nada em troca. Pode não funcionar muito bem economicamente para novos artistas, mas é um trabalho nobre, abnegado. Também é mais divertido do que ser um padre, mas possivelmente não tão bem pago. Estou brincando (risos).

O senhor se imagina começando na música hoje?

Tenho a sorte de ter uma carreira estabelecida, de ter músicas que são tocadas agora e nos anos que virão. Mas se eu estivesse começando de novo hoje... Eu me sentiria perdido nessa massa de música, um tanto boa, outro tanto ruim. Seria muito difícil. Quando o The Who começou, éramos provavelmente uma em cem bandas britânicas decentes. Hoje, uma nova música é uma em um milhão. Uma em um bilhão. Uma em um trilhão. A maioria das canções novas nunca é ouvida. Nunca saberemos se é boa ou ruim.

Você escreveu “Hope I die before I get old”, mas chegou à velhice muito bem. Envelhecer é como o senhor imaginava?

É totalmente estranho! É ótimo em alguns aspectos, mas estranho em outros. Na verdade, gosto muito de ser velho, mas não tenho ideia do porquê.