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Cultura Música

Crítica: Thiago Amud desfolha mil camadas de gêneses e apocalipses

Compositor lança 'O cinema que o sol não apaga'
O cantor, compositor, arranjador e violonista Thiago Amud que está lançando o disco "O cinema que o sol não apaga" Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
O cantor, compositor, arranjador e violonista Thiago Amud que está lançando o disco "O cinema que o sol não apaga" Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

RIO - Thiago Amud pergunta: “Quem vê no precipício o tempo propício/ Do início?”. A rima de precipício com início ecoa por todo “O cinema que o sol não apaga”. Em 16 faixas, ele se descama em gêneses e apocalipses, uns sob os outros, em mil camadas. A Nação, a canção, o coração (“Vou dar uma sova na lira e rimar tudo em ‘ão’”) nascem e morrem repetidas vezes sob a poesia e a música de Amud.

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Os arranjos abrem camadas dentro das camadas. Soam gigantescos mesmo sob elementos reduzidos, como em “Quando a esquina bifurca” (voz, assovio e violoncelos numa nostálgica serenata à origem, no caso o bairro da infância, Urca) e “Tênias e falenas” (voz, baixo e vibrafone propondo a morte do amor e suas incertezas no instante mesmo de seu nascimento, “mumificar a vida a fim de que ela seja inteira e branca”).

Os primeiros segundos do disco lançam sua riqueza de signos — são vários espalhados pelo álbum, de Vargas a Dom Sebastião, de Linkedin a boi-bumbá — antes mesmo de a letra começar. Um samba-reggae fundido com escola de samba prepara a entrada das pastoras e do samba-exaltação torto que afirma que “o Brasil tem que ter jeito” — única conclusão possível frente à voz de Ângela Maria e a lágrima de Grande Otelo juntos na cena de “Rio Zona Norte”, à qual Amud se refere ali.

A elegância da bossa nova com prato-e-faca sobre o desamparo de “Desamanhecido”; a fragmentação egoica de “Autorretrete”; as sirenes e violas caipiras retratando a secura cruel em “O teu coração: superfície de Marte”; o cinismo frevado de “Plano de carreira”; o Éden cego e etéreo de “Mundo imaginal”, flutuando em vibrafones e sintetizadores e Guimarães Rosa e Fernando Pessoa. A todo tempo começo e fim, até a morte (circular-eterna na condução das caixas de congado) em “Nascença”, última faixa, reduzida ao essencial, como Caymmi: “Olha o verde na terra/ Olha o branco na lua/ Alegria, aleluia”.

Cotação: Ótimo