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Por Lucas Salgado — Rio de Janeiro

“Será que você está na reunião certa?” Foi assim que Karim Aïnouz respondeu à sondagem da produtora britânica Gabrielle Tana, indicada ao Oscar por “Philomena” (2010), para dirigir um filme sobre Catarina Parr, rainha da Inglaterra no século XVI, a sexta e última esposa do rei Henrique VIII. O cineasta cearense de origem argelina não tem admiração por monarquias, tendo traçado sua trajetória contando histórias de figuras humildes e marginalizadas em filmes como “O céu de Suely” (2006), “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (2009) e “A vida invisível” (2019), e não conseguia entender por que seria uma opção para o projeto.

Radicado em Berlim e procurando projetos fora do Brasil, o cineasta de 57 anos acabou convencido. Decidiu estudar mais sobre a vida de Parr e percebeu que aquela personagem não era muito diferente de outras que retratou ao longo da vida. Foi assim que nasceu “Firebrand”, filme selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes, cuja 76ª edição começa hoje. Alicia Vikander interpreta Catarina Parr, enquanto que Henrique VIII é vivido por Jude Law no primeiro longa de língua inglesa comandado pelo brasileiro, o único diretor do país na disputa pela Palma de Ouro este ano.

— Não tenho o menor interesse em monarquias, mas sempre tive vontade de fazer um filme bem inglês, no meio da bruma, uma coisa meio “O morro dos ventos uivantes” — conta Aïnouz em conversa com O GLOBO via Zoom. — Vi que era incrível poder fazer um filme sobre a história da Inglaterra e ter uma experiência em que pudesse continuar falando com a minha voz, mas sobre uma outra realidade. O cinema para mim é o privilégio de poder jogar luz em personagens, comunidades e lugares que são colocados de lado. Achava muito doido como nunca tinham feito um filme sobre esta pessoa. Temos tantos filmes sobre Ana Bolena, que foi decapitada, mas nenhum sobre a pessoa que sobreviveu ao tirano.

Alicia Vikander interpreta Catarina Parr, sexta e última mulher de Henrique VIII, em "Firebrand", de Karim Aïnouz — Foto: Divulgação/Brouhaha Entertainment
Alicia Vikander interpreta Catarina Parr, sexta e última mulher de Henrique VIII, em "Firebrand", de Karim Aïnouz — Foto: Divulgação/Brouhaha Entertainment

Aïnouz diz ter se apaixonado pela história e pela consciência política de Parr. E ressalta que, apesar de se tratar de uma rainha, ela era uma personagem sem voz, muitas vezes lembrada apenas como uma de seis esposas do rei. Sobre a experiência de dirigir Vikander e Law, o brasileiro é só elogios.

— Trabalhar com duas grandes estrelas foi um tesão. Você entende um pouco a relação dessas pessoas com o público, e elas colocam o seu projeto em um outro lugar — aponta. — Acho que foi gostoso para eles também. Foi um processo muito próximo do teatro. Eu tinha medo de fazer um filme em língua inglesa, com grande orçamento, e de não conseguir trabalhar do jeito que trabalho. Mas por conta da relação que desenvolvi com a produtora, consegui trabalhar exatamente como no Brasil. Tive duas semanas de ensaio, no castelo, com o figurino, em que fui descobrindo minhas cenas.

Seleção nacional

Contente com o resultado, o diretor conta que pretende repetir a experiência de filmar projetos em língua inglesa, mas diz que Hollywood não chega a ser uma obsessão. Ele diz que vai sempre olhar a história em primeiro lugar.

Sem criar expectativas para a disputa da Palma de Ouro, Aïnouz celebra a volta do Brasil ao evento após uma ausência por completo em 2022. Ele tem longa relação com o festival, onde apresentou “Madame Satã” (2002) e “A vida invisível” (2019) na mostra Un Certain Regard, além de “O abismo prateado” (2011), na Quinzena dos Realizadores, e “O marinheiro das montanhas” (2021), em sessão especial.

— Estou muito feliz de poder, de uma certa maneira, estar representando o Brasil na competição de Cannes. Apesar de ser um filme todo falado em inglês, ele tem alma brasileira — destaca. — E ainda temos a presença de uma nova geração. Além de mim e do Kleber (Mendonça Filho, com o documentário “Retratos fantasmas”, em sessão especial), temos um filme na Un Certain Regard (“A flor do buriti”, de João Salaviza e Renée Nader Messora), temos Lillah Halla na Semana da Crítica (com “Levante”) e temos curtas. Depois desses anos de terror, é importante e simbólico podermos retornar, logo depois da eleição do Lula, com o Brasil voltando à luz. E que possamos também iluminar a Croisette.

Karim Aïnouz com as atrizes Julia Stockler e Carol Duarte, de "A vida invisível", no Festival de Cannes de 2019 — Foto: LOIC VENANCE / AFP
Karim Aïnouz com as atrizes Julia Stockler e Carol Duarte, de "A vida invisível", no Festival de Cannes de 2019 — Foto: LOIC VENANCE / AFP

Aïnouz não tira da memória sua primeira passagem pelo evento francês, há 21 anos. Ele diz que a alegria de apresentar um filme ainda é a mesmo, mas que hoje domina melhor seu ofício. Só lamenta ter as barbas bem mais brancas do que no passado.

Criado em um ambiente essencialmente feminino, morando com a mãe, a avó e as irmãs da avó, o diretor Karim Aïnouz sente maior familiaridade com o universo das mulheres. E isso está refletido em sua obra.

— Teria muito mais dificuldade em fazer um filme sobre um jogador do que sobre qualquer mulher. Fui criado num ecossistema inteiro feminino, o que me dá uma intimidade com personagens femininas muito maior do que com masculinos — diz o cineasta, que também se cerca de muitas mulheres ao criar suas obras. — Em “Firebrand”, a diretora de fotografia, a montadora, a produtora, as roteiristas, a diretora de arte são todas mulheres. Não faço um filme sozinho. Elas me ajudaram muito.

Projeto no Brasil

No momento, o brasileiro trabalha em várias frentes. Além de lançar “Firebrand” em Cannes, ele planeja a estreia de “O marinheiro das montanhas” no Brasil no dia 22 de junho — e tem planos para rodar seu próximo projeto no Ceará nos próximos meses, fruto da escola de roteiro que desenvolveu com Marcelo Gomes e Sérgio Machado em Fortaleza, há dez anos.

Cena de “O marinheiro das montanhas”, de Karim Aïnouz — Foto: Divulgação
Cena de “O marinheiro das montanhas”, de Karim Aïnouz — Foto: Divulgação

— Estava doido para voltar a filmar no Brasil. Foram quatro anos sem vir ao país. Muito por conta da pandemia, mas também por causa da situação política. Estou com muito tesão de voltar a filmar em português. Estava em Fortaleza na última semana. Foi muito tempo longe, então estou com muita vontade de quase engolir o sol e regozijá-lo em forma de cinema. É esquisito dizer, mas quero filmar em um lugar em que eu fecho os olhos e tenha uma memória muito forte.

Com planos para filmar no Brasil, mas também na Argélia, na França e nos Estados Unidos, o diretor brinca que precisa de mais tempo para fazer tudo o que quer. Prevendo mais uns 20 anos de carreira ativa, ele também se permite sonhar com uma trajetória como a de Manoel de Oliveira, cineasta português que trabalhou até sua morte, aos 106 anos. Ao se deparar com um avião com o nome de Oliveira no aeroporto de Lisboa a caminho de Berlim, Aïnouz lembra que pensou: “Hummm, quem sabe...”

Vacina antes da vacina

Apesar da tragédia mundial que foi a pandemia, Aïnouz aponta que o período pôde mostrar a importância das obras audiovisuais e da arte. Ele brinca ao dizer que, antes, costumava acordar pensando que deveria ter sido um neurocirurgião ou astronauta, alguém que prestasse um serviço mais significativo para a sociedade, mas que após a pandemia percebeu que as pessoas não sobreviveriam ao período sem filmes, sem música, sem livros.

— Muitas vezes, sinto que o que faço é irrelevante, que as pessoas não precisam disso. Mas, com a pandemia, aprendemos que não estaríamos aqui se não tivéssemos as histórias contadas nos filmes. Os filmes foram uma vacina antes da vacina.

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