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Cultura Celina

Gil do Vigor traça planos para os estudos e diz que não pretende ficar nos EUA: 'Quero trazer o meu conhecimento para cá'

Economista fará PhD em setembro na Califórnia e diz querer contribuir com o desenvolvimento do Brasil
Gil do Vigor Foto: Globo Livros/Cauê Moreno
Gil do Vigor Foto: Globo Livros/Cauê Moreno

O Brasil anda inegavelmente “lascado”, mas Gilberto Nogueira está empenhado em mudar isso. O economista, de 29 anos, que popularizou o termo no “Big Brother Brasil 21” para se referir à situação do país, tem aproveitado a fama que o reality show lhe deu para, além de engordar a conta bancária com uma dezena de contratos publicitários, espalhar a palavra da educação e das lutas da população LGBTQIAP+.

Há dez dias, ele estreou no IGTV de sua conta no Instagram um quadro quinzenal para discutir questões socioeconômicas e políticas . O primeiro tema escolhido pelo pernambucano foi “negacionismo na pandemia: “Depois de tantas conquistas e esse alcance gigantesco que ganhei nas redes, não poderia deixar de usar esse espaço pra trazer discussões de maneira leve e didática”, anunciou.

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Gil do Vigor também rascunha um projeto de pesquisa com a temática LGBTQIAP+ enquanto se prepara para o PhD na Universidade de Davis, na Califórnia. Esse pit-stop nos EUA nada tem a ver com a famigerada fuga de cérebros, intensificada com os sucessivos cortes nas áreas de pesquisa nos últimos anos. Ele garante que é apenas uma temporada de aprofundamento para voltar ao Brasil ainda mais embasado na construção de uma sociedade igualitária.

— Quero trazer o meu conhecimento para cá. Não vou fugir, meu cérebro não vai fugir, ele vai só passear (risos).

Durante uma parada no apartamento da mãe em Recife (até setembro, ele mora em São Paulo, num flat alugado pela TV Globo), depois de um dia de correria entre consulado americano e shopping (“Porque não sou obrigado a nada, né?”, brinca), Gilberto conversou com O GLOBO sobre identidade de gênero, política, educação e a biografia que acaba de lançar.

O GLOBO: Como você interpreta o fato de um homem gay se tornar um ídolo tão popular num dos países que mais mata a população LGBTQIAP+?

Gil do Vigor: Não consigo me ver tão grande assim, mas sou grato pelo que estou vivendo, por poder, de alguma forma, trazer um pouco da representatividade, fazer as pessoas se sentirem acolhidas. Estou sendo, graças a Deus, muito amado. Sobre a violência, acredito que o brasileiro cria essa necessidade de ter um herói, que vai salvar todo o mundo. Quando idealizo um líder, e ele começa a ter comportamentos preconceituosos e violentos, muitas pessoas vão dizer: “Se essa pessoa faz isso, vou fazer também”. Somos um país acolhedor, mas que precisa entender que a mudança e a salvação virá indivíduo por indivíduo. Essa complexidade do que aconteceu comigo se dá pelo fato de o brasileiro ser bom. Precismos só fazer as pessoas entenderem um pouco mais.

Você acha que as discussões sobre identidade de gênero têm o espaço devido no debate público?

Há muita gente que não entende o que é identidade de gênero. Eu demorei para entender também. Por isso, acho tão importante, em programas de entretenimento, tratar desse assunto. Há uma massa da população mais leiga, acredito eu, que precisa receber as informações da melhor forma possível. Quando se discute no “Encontro com Fátima Bernardes”, no “Mais Você”, no “BBB”, no “Jornal Nacional”, você faz com que a informação chegue. É importante, nesses locais, falarmos sobre gênero, fazer com que as pessoas entendam que existem pessoas bissexuais, pessoas que não são nada, são tudo, são metade, são gays, são lésbicas, são o que querem ser.

Apesar dos avanços nas discussões, existem muitos agentes políticos tentando frear conquistas. Como você vê essas reações e como acha que estaremos no futuro, nesse campo das identidades, com o que o governo Bolsonaro vem fazendo?

Se seguir assim, só Jesus na misericórdia, né? Ainda é necessário muita informação para, de fato, conseguir escolher quem vá e faça o que tem que ser feito. Precisamos, como cidadãos que decidem quem vai estar no âmbito político, colocar pessoas que vão nos dar esse espaço. Depois, entender que quem está lá também tem que se responsabilizar pelo que faz. O discurso de ódio, que gera mortes na nossa comunidade, tem que ser cobrado, seja de quem for. Temos que continuar abrindo a boca, lutando pelos nossos direitos e tirando essas maçãs podres. Para isso mudar, decisões políticas precisam ser bem tomadas.

Você tem dito que pretende estudar como os direitos dados à comunidade LGBTQIAP+ vieram desacompanhados de proteção do Estado e como isso pode ter influenciado taxas de violência. Isso vai acontecer mesmo?

Tenho a estrutura muito clara na minha cabeça. Mas o problema, no Brasil, ainda são os registros (de homicídios da população LGBTQIAP+) . A luta seria na base de dados, para que essa pesquisa andasse, desse frutos e eu conseguisse lutar por investimento em proteção e segurança. Mas, depois do “BBB”, pensei: “O que preciso fazer? O problema são os dados? Então vamos desbravar”. Agora que tenho voz, vamos gritar: “Precisamos de dados. Estamos capturando tudo para conseguir fazer uma pesquisa?”. O problema não deixa de existir porque não temos dados.

Você está de partida para o PhD nos EUA num momento em que muitos acadêmicos estão deixando postos no Brasil por causa da falta de recursos. Ficar no exterior é uma possibilidade?

Não. Sempre tive na minha cabeça um sentimento de que preciso contribuir com meu país. Não abandono o Brasil. Quero trazer o meu conhecimento para cá. Não vou fugir, meu cérebro não vai fugir, ele vai só passear (risos) .

Já recebeu alguma sondagem de partido político?

Não, menina! (Se houver) Faço logo uma cachorrada, dou logo um baile. Pode me internar, se daqui a 20 anos eu mudar de ideia. Estou brincando (risos) . Mas, se no futuro, o Brasil estiver um pouco diferente, beleza. No momento, não tenho desejo nenhum. Para quem vier me chamar, vou dizer: “O único partido que vou me filiar é o do meu PhD, lá em Davis. É o meu partido: partindo para lá”. Não surgiu sondagem e, se surgir, a resposta é não.

Sua biografia, “Tem que vigorar” (Ed. Globo Livros), traz passagens muito dolorosas sobre as dificuldades que você, sua mãe e irmãs viveram. Como foi, para a família toda, resgatar e expor assuntos tão íntimos?

Acredito que não foi um resgate. Eu estava com isso em mente. O “Big Brother” já me serviu para trazer muito à tona. Saí com algumas coisas claras sobre a história e conversei (com elas) para saber como seria. Mainha e minha irmãs falaram: “É isso mesmo, vigore. O que dá pra rir, dá pra chorar”.