São Paulo
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Por Mariana Rosário — São Paulo

Apenas 2,5 quilômetros de distância separam a badalada Avenida Paulista de uma vila colonial de 900 metros bem preservada, no bairro da Aclimação. O endereço discreto — escondido por trás de um portão de chapas metálicas que quase nada revela de seu interior — conta com capela, museu desativado, pequenas vendinhas e um amplo imóvel com quatro dormitórios. O negócio não é resguardado por nenhuma legislação de patrimônio, porque se trata de uma relíquia construída já quando o Brasil era independente e República, há cerca de 60 anos. É, portanto, uma réplica de cidades históricas de Minas Gerais, São Paulo e Paraná .

O que se vê no local é fruto da mente do caixeiro-viajante Raful de Raful (1913-2003), um descendente de libanês e italianos com tino para o colecionismo. Embora querido por outros colecionadores da cidade, Raful foi bastante criterioso com quem recebia em seus aposentos e restringia a entrada a apenas convidados. Vinte anos após sua morte, porém, a história deve mudar e esse destino secreto pode (pela primeira vez) fazer parte do roteiro cultural da metrópole. Isso se os herdeiros consigam tirar seus planos do papel.

De maneira inédita, o lugar está de portas abertas para receber empreendedores que queiram dar vida ao pequeno vilarejo (que tem até uma fachada de convento e uma réplica de cadeia pública e paço municipal, além de uma diminuta casinha de coveiro). A movimentação é capitaneada por um dos herdeiros vivos do colecionador, dono de uma consultoria de marketing e novos negócios, Victor Raful.

O empresário anima-se com a possibilidade do lugar repetir os feitos de outros casarões paulistanos que ganharam um sopro de vida útil com a instação de estabelecimentos concorridos. Há, por exemplo, o restuarante carioca Gula Gula, que ocupou a Rua Padre João Manoel (uma travessa da Avenida Paulista), num casarão de 1911. No mesmo modelo, a cidade também tem o Ama.zo, de comida peruana, que dá expediente em um charmoso palacete na região dos Campos Elíseos.

— Buscamos alguém que tenha interesse em ser curador desse lugar. Estamos flexíveis para ideias novas. Mas se alguém disser que vai quebrar tudo, toda casa, não vamos fazer. Isso só ocorreria se ficássemos totalmente sem alternativa, como por exemplo,se caso todos os vizinhos vendessem seus terrenos e ficássemos sós aqui — diz Victor. — Queremos que tudo ocorra com bom senso. Reformas são necessárias, claro.

O lugar, inclusive, não poderá dar lugar a espigões com dezenas de andares, porque está sob um tipo de proteção (tombamento) que engloba a região do Parque da Aclimação, por ali, os prédios têm potencial construtivo reduzido, explica Gabriel Rostey, consultor em política urbana.

Na realidade, a família procura por algum tipo de agitador cultural para tomar conta do espaço — para tanto, estimam a cobrança de algo como R$ 25 mil de aluguel, com negociações à vista. A ideia, é evidente, é que o lugar ganhe vida, mas sem jeitão de casa noturna, para não incomodar a vizinhança. Filmagens, eventos, feiras, diz Victor, são bem-vindos. Aos desavisados, contudo, um alerta: o lugar ainda segue fechado para visitas individuais e passa quase que despercebido num passeio de carro nos arredores do Parque da Aclimação.

— Tirei um sabático, recentemente, e pensei que precisávamos dar um destino a esse lugar. Meu tio, único irmão de meu pai, morreu em 2019, sem deixar filhos e meu pai já tem idade avançada— afirma Victor.

Silêncio há décadas

Há 20 anos, desde a morte de Raful, o lugar esteve preservado de maneira muito semelhante ao que seu criador deixou. Havia ali um acervo de 4 mil peças de funcionamento puramente mecânico (o colecionador não era chegado às peças automáticas). Estavam selecionados afiadores de lâminas de barbear e até ventiladores de corda. Passando por uma seleção de máquinas de escrever, carteiras de sala de aula. Havia ainda correntes, grilhões que remeteram ao Brasil escravocrata. E ainda não acabou: havia plácas automotivas, gramofones, vitrolas, uma câmera do tipo lambe-lambe e por ai vai. Os itens, separadamente, foram vendidos ao mercado de colecionismo brasileiro ao longo dos seis primeiros meses do ano passado e acumularam a monta de R$ 500 mil. Alguns interessados, ao verem as peças, não foram capazes de conter as lágrimas. Outros contaram histórias de vida de Raful, que embora fosse bastante recluso, demonstrava senso de humor entre pessoas que partilhavam de interesses semelhantes ao seu.

O colecionador não deixou memórias escritas, portanto há até dificuldade em saber em quais circunstâncias a pequena vila foi construída e como acumulou a vasta maioria das peças. Em algumas entrevistas da década de 1990, contudo, ele mostrou, entusiasmado, itens de sua coleção e um pouco da casa em que morava, imóvel que fez questão de decorar de modo bastante “vintage”. Em entrevista a Jô Soares revelou ainda seu desejo de que sua seleção de peças integrasse o acervo do Museu do Ipiranga, o que nunca aconteceu — embora diretores do centro cultural tenham reconhecido valor histórico das peças em reportagens da época. "Será uma tristeza se alguém não patrocinar", disse ao Jô.

Ao GLOBO, o ex-diretor do museu, que esteve à frente da instituição em meados da década de 1980, Ulpiano Bezerra de Meneses disse que viu o acervo de Raful uma única vez. Disse que havia muitas peças interessantes, mas que não lembra quais, e outros itens que não eram úteis para o museu. Como Raful fazia questão de vender a coleção em sua totalidade, ficava inviável dar continuidade ao certame.

— Quem conhece esse lugar são mais as pessoas da região. Muita gente já ouviu falar, ou então viu ele no Jô ou no programa da Marília Gabriela. Cada vez menos encontraremos coisas assim em São Paulo. Há relato de pessoas que têm coleções como, por exemplo, de relógios de parede. Mas conforme essas pessoas vão partindo, esses acervos vão desaparecendo. Hoje em dia a vida é mais prática, as casas são menores — conta Douglas Nascimento, a frente do blog São Paulo Antiga, um dos útimos a visitar a casa da "Rafulândia" como era originalmente.

Embora tenha se desfeito das peças do antepassado, o trabalho para tornar a vila um lugar aberto à cidade fez com que Victor se tornasse mais próximo da memória do avô e até compreendê-lo melhor.

— Quase entrei na cabeça dele. As pessoas tinham histórias, falavam sobre a convivência com ele. Vejo que essa decisão de mudar as coisas foi uma maneira de tomar as rédeas das coisas da família. Aqui aconteceu a passagem de geração. Não pensamos em transformar isso aqui só em dinheiro. É gostoso ter essa vaidade, de conhecer o que é da nossa família. Mas sem preciosismo — conclui Victor Raful.

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