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'Para que haja visibilidade, nós precisamos estar vivas', diz primeira coronel trans do Brasil

No início de fevereiro, Maria Antônia retificou sua documentação militar com nova identidade de gênero; hoje ela faz parte da reserva remunerada da Polícia Militar do Distrito Federal
Primeira coronel transexual do Brasil Foto: Arquivo pessoal
Primeira coronel transexual do Brasil Foto: Arquivo pessoal

Com mais de trinta anos de carreira e na reserva remunerada desde 2006, a coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Maria Antônia esteve em Brasília no último dia 2 para retificar os dados em seus documentos militares. Nesta data, Maria se tornou a primeira coronel transexual da corporação e a única do país a chegar a tal patente. Em entrevista ao GLOBO, Maria Antônia, que mantém um canal de YouTube de apoio a outras mulheres da comunidade LGBTQIA+ , diz que o próximo passo é escrever um livro sobre sua trajetória.

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- Muitas pessoas trans e cis já me disseram que gostariam de ver minha história, trajetória e transição segura em um livro. Não tinha pensado nisso ainda, mas agora estou aberta a essa ideia - diz Maria.

Maria Antônia ingressou nos quadros da Polícia Militar do Distrito Federal em agosto de 1987, onde atuou até 2006. Na corporação, a oficial ajudou a fundar o 5º Batalhão, que cuida dos setores das embaixadas a partir do Lago Sul. Em sua carreira, também atuou no 1º (Asa Sul), 2º (Taguatinga) e 3º BPMs (Asa Norte), além do Comando-geral. Em maio de 2001, recebeu a medalha de Tiradentes, maior condecoração concedida pela Polícia Militar do DF.

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Apesar de ter iniciado o processo de transição de gênero anos após a aposentadoria da carreira militar, a coronel conta que a identificação com o feminino vem desde a infância e que nunca foi vítima de ataques transfóbicos na corporação. Segundo ela, os antigos colegas da PM reagiram com naturalidade diante da notícia de que ela assumiria a identidade de Maria Antônia.

- A pessoa que é preconceituosa tem algo dentro dela a ser resolvido, isso não diz respeito à vítima do preconceito. Cada uma de nós, independentemente das circunstâncias em que vive, é um universo inteiro, é um ser humano pleno, uma pessoa única - diz.

De Antônio a Maria Antônia

O processo de autoreconhecimento como mulher já mostrava indícios na infância. Maria Antônia lembra que, aos dez anos de idade, colocava vestidos nos momentos em que os pais não estavam em casa. Assumir-se como mulher, no entanto, demorou anos, conta, pela pressão social e receio da rejeição.

- Primeiro conversei com meus filhos (uma mulher de 27 anos e um homem de 29). Era muito importante para mim saber como as pessoas que amo iriam reagir. Para minha surpresa, todos apenas queriam que eu fosse feliz -  relata a coronel.

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Com o apoio da família, a tenente iniciou o processo de transição e traçou um planejamento que envolveu vários profissionais e tratamentos, além de oito cirurgias relacionadas à feminização facial. Submetida ao procedimento aos 57 anos, a coronel acredita que não existe idade certa para o início do processo.

- Não existe essa ideia na minha cabeça de ser cedo ou tarde, cada pessoa tem o seu tempo. A cirurgia também não é necessária, depende do grau de disformia. A partir do momento em que você se identifica, você é. E para que haja visibilidade, nós precisamos estar vivas.