Uma batalha judicial de 20 anos de duração de encerrou com a aposentadoria de Maria Luiza da Silva, a primeira mulher transexual a atuar na Força Aérea Brasileira (FAB), como subtenente. Natural da cidade de Ceres, no interior de Goiás, ela atuou durante 22 anos na aeronáutica, antes de ser submetida a uma aposentadoria forçada ao realizar o procedimento de mudança de sexo. Na época, Maria Luiza foi considerada "incapaz" pela junta médica da FAB.
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Desde 2000, quando foi afastada, ela recebia aposentadoria proporcional. Por ter sido aposentada compulsoriamente ainda como cabo, ela não teve a chance de subir de patente e receber promoções. Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou uma decisão favorável para que ela pudesse ter estes direitos validados.
Maria Luiza se alistou na FAB assim que atingiu a maioridade e trabalhou como mecânica de aviação até o afastamento. Desde a infância, foi apaixonada por aviões. Em entrevista ao El País, ela disse que sofreu muito com a aposentadoria. " Me tirar da Aeronáutica foi como me tirar da minha própria casa", afirmou. Durante as duas décadas de batalha legal, ela tentou ser reincorporada à FAB, mas não teve sucesso.
A história dela foi contada no documentário "Maria Luiza: primeira mulher trans das Forças Armadas brasileiras", lançado em 2019, com direção do cineasta Marcelo Díaz.
O processo de transição de gênero começou quando ela ainda servia na FAB, após médicos identificarem a transexualidade de Maria Luiza e prescreverem tratamento hormonal. Ela explicou, ainda, que os profissionais reconheceram que ela não tinha transtornos mentais ou físicos que a impediam de exercer o trabalho. Mesmo assim, a opinião de algumas pessoas a área administrativa prevaleceu, e ela foi reformada, contou.
O processo, que durou dois anos, envolveu censuras e isolamento da profissional, uma internação compulsória e até ameaças de morte.
Ao El País, Maria Luiza revelou que se sente mulher desde que se entende por gente: cresceu com irmãs e tinha "muita identificação com o feminino". Na adolescência, foi submetida a tratamentos para torná-la "mais masculina". Já nesta época, percebeu que não teria liberdade para viver sua identidade de gênero, o que fez com que ela vivesse como um homem por boa parte da vida.
A experiência gerou um casamento de seis anos com uma mulher e um filho, com quem mantém relações "cordiais". A decisão de realizar a transição de gênero veio com avanços como a entrada de mulheres nas Forças Armadas.
Mesmo com o processo difícil, ela afirmou que, se pudesse, ela voltaria à FAB: "Eu amo demais meu trabalho. Vivi muitas glórias lá, tenho muito orgulho de ser militar da Aeronáutica”.
Entenda o imbróglio judicial
Aposentada de forma compulsória em 2000, quando concluiu a transição de gênero, Maria Luiza passou a receber aposentadoria proporcional. Ela acionou a Justiça, pedindo para ser reintegrada ao serviço.
Apesar de um entendimento do TRF-1, em 2016, de que "a orientação sexual não pode ser considerada incapacidade definitiva" e uma posterior anulação do ato que ordenou a reforma de Maria Luiza, a militar não conseguiu retornar ao posto porque tinha mais de 48 anos — idade máxima para atuação como cabo.
Dada a impossibilidade de voltar ao trabalho, ela passou a pedir a concessão de aposentadoria integral, com direito às promoções que poderia ter, caso não tivesse sido reformada. No entendimento de seus advogados, Maria Luiza já teria sido promovida a subtenente caso estivesse na ativa.