Mesmo sendo uma peça chave para o enfrentamento do aquecimento global, a floresta amazônica sofre com a degradação acelerada. Mas, além de uma urgência ambiental, a preservação significa a oportunidade de se criar uma nova indústria, em que o Brasil já parte com vantagem. É o que defende o relatório “Re-imaginando a Bioeconomia para a Amazônia”, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Instituto Igarapé. Em comparação com os outros sete países amazônicos, o Brasil é o que tem maior repertório de atividades, programas e políticas públicas voltadas à bioeconomia.
O trabalho, divulgado nesta semana, examinou a realidade "bioeconômica" do Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Guiana, Suriname e Venezuela, e propôs recomendações para que o potencial desse setor seja alcançado, como expandir e integrar as áreas de pesquisa, mapear investimentos, aprimorar leis e fornecer ferramentas para captação de recursos. O relatório foi elaborado através de quase 100 entrevistas e de uma pesquisa em duas etapas com mais de 1.000 entrevistados dos setores público e privado, da academia e da sociedade civil dos países amazônicos.
O BID e o Igarapé defendem que a bioeconomia deveria ser priorizada como um setor dentro dos ministérios governamentais: "Os desafios na Amazônia são complexos e urgentes, e os governos nacionais devem agir rapidamente, buscar sinergias e fazer investimentos significativos para promover mudanças significativas", diz o texto.
Brasil em vantagem
Diretor de Inovação e Cofundador do Instituto Igarapé, Robert Muggah explicou que a implementação completa da bioeconomia poderia gerar receitas anuais de mais de US$ 284 bilhões até 2050, segundo estudos, e que o Brasil poderia gerar o equivalente a US$ 8 bilhões por ano, 800.000 empregos e proteger até 81 milhões de hectares se a bioeconomia fosse totalmente desenvolvida.
No início deste ano, lembrou o diretor, Brasil e França anunciaram um investimento de 1 bilhão de euros para acelerar o investimento público e privado. Ano passado, o Banco do Brasil e o BID anunciaram um programa de bioeconomia de US$ 250 milhões focado em produtores rurais.
— O Brasil é um pioneiro no espaço da bioeconomia e tem potencial para ser uma superpotência, abriga até 20% da biodiversidade mundial e mais de 140.000 espécies diferentes. Desde 2006, o Brasil tem desenvolvido planos de biotecnologia e estratégias de sociobiodiversidade — afirmou Muggah, que destacou iniciativas recentes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, do Ministério da Agricultura e Pecuária e a criação da secretaria nacional da Bioeconomia no Ministério do Meio Ambiente, ano passado. — O Brasil até propôs um grupo internacional sobre bioeconomia no G20 de 2024. Há uma consciência generalizada sobre os dividendos econômicos potenciais e um forte desejo de garantir que a bioeconomia sirva como uma força para promover a inclusão social.
O relatório destaca que o Brasil "demonstra um forte compromisso em integrar ciência, tecnologia e inovação na bioeconomia", com investimentos do governo através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e organizações públicas de pesquisa como a Embrapa. Além disso, afirma que o debate público sobre inclusão do conhecimento tradicional e ancestral está avançado no país, com foco na garantia da distribuição equitativa dos lucros derivados dos recursos amazônicos para as comunidades locais. O BID e o Instituto Igarapé também afirmaram que há, no Brasil, ênfase na descarbonização da economia e substituição da exploração de combustíveis fósseis.
O relatório listou 15 atividades de bioeconomia que ocorrem na Amazônia, em cinco categorias: agricultura sustentável, produtos florestais sustentáveis, geração de energia, produtos farmacêuticos e serviços derivados da conservação ambiental, como biodesign, gastronomia e terapias alternativas. Brasil e Colômbia são os únicos que executam os 15. Nenhum outro país, por exemplo, usa organismos geneticamente modificados em produtos agrícolas ou aproveitam a biodiversidade para desenvolver terapias gênicas, tratamentos regenerativos e tecnologias médicas. Exclusividades brasileiras e colombianas, segundo o estudo.
Iniciativas brasileiras para identificação e combate ao desmatamento e incêndios também são destacadas no trabalho. Projetos do MapBiomas, Imazon e da UFMG, muitos inclusive com uso cada vez maior de Inteligência Artificial, foram citados no relatório, que afirma que a ascensão do crime organizado na área ambiental, como no loteamento de terras, garimpo e produção madeireira ilegais, é um dos principais desafios para o advento da bioeconomia.
Mas ainda falta, afirma o BID, um modelo para se prevenir crimes ambientais e calcular perdas potenciais. Uma ferramenta escalável que faça a estimativa de risco de crimes ambientais, com alertas de pontos críticos e identificação de padrões, poderia ser uma solução, diz o relatório.
Na pesquisa que embasou o relatório, foram identificadas as redes de pesquisa envolvidas com a bioeconomia nos oito países amazônicos. Universidades e ONGs foram as instituições mais presentes, seguidas do setor privado e órgãos de governo. O Brasil teve a maior nota nas entrevistas que identificavam a relevância da bioeconomia no seu trabalho, principalmente pela ênfase que entrevistados deram na importância de se fomentar parcerias entre setor privado e comunidades científicas
Entre as principais dificuldades para o desenvolvimento da bioeconomia, entrevistados citaram a expansão do crime organizado nas florestas, a falta de financiamento para pesquisas, os altos custos da Amazônia por causa dos desafios logísticos, a falta de equilíbrio na distribuição dos lucros dentro da cadeia e outros.
Produção sustentável
Outra dificuldade é a própria realidade econômica brasileira, ainda muito dependente da agricultura e das exportações bovinas e da soja. Mas Muggah destacou que "uma parte significativa desse crescimento ocorreu às custas da floresta amazônica" e que, por isso, a mentalidade vem mudando, com investimento em práticas agrícolas mais sustentáveis, como agrofoloresta, agricultura orgânica, pastoreio rotacional e pesca sustentável.
O diretor do Igarapé citou um estudo recente, que descobriu que um aumento de 1 grau Celsius em Mato Grosso poderia levar a uma redução de 9-13% na produção de soja e milho.
— Investimentos em adaptação e novas tecnologias são críticos, mas, a longo prazo, novos modelos econômicos mais sustentáveis são essenciais. Certamente, a ampliação da bioeconomia exigirá uma combinação de incentivos e sanções. Legislação habilitadora, políticas de apoio, incentivos financeiros e apoio técnico são críticos. Mas a transição para uma bioeconomia também requer um compromisso fundamental com a estabilidade e a valorização do conhecimento e da expertise locais para que perdure — explicou Robert Muggah, que ainda defendeu a repartição equitativa dos benefícios com as comunidades locais, como populações indígenas e ribeirinhas, como preconiza o Protocolo de Nagoia.
Segundo Tatiana Schor, Chefe da Unidade Amazônia do BID, o Brasil está "relativamente próximo da mudança de paradigma em termos de política e pesquisa, e ainda com espaço de melhora em termos de incentivos e estrutura econômica". Ela explica que a riqueza sociocultural brasileira, com a existência de mais de 300 populações indígenas, que mantém relação estreita com territórios, cria uma dinâmica única e vantajosa ao país, permitindo a cooperação entre as comunidades locais, poder público e organizações de pesquisa.
Por isso, inclusive, uma parte muito importante do estudo foi enfatizar a necessidade de proteção dos direitos coletivos de propriedade intelectual dos povos indígenas sobre os seus conhecimentos tradicionais e recursos genéticos.
— Ainda, é preciso que este paradigma esteja situado numa compreensão profunda do terreno, reconhecendo e potencializando o capital cultural e natural único de cada território. Isto significa, por exemplo, estabelecer incentivos sociais e econômicos para garantir a participação ativa e o envolvimento dessas populações na tomada de decisões, no desenvolvimento de políticas e na implementação de atividades econômicas — explicou Schor.
O relatório lembrou que cientistas da Agência Internacional de Energia (IEA) defendem que as emissões de gases de efeito estufa têm quer reduzidas em 43% até 2030 e 60% até 2035. Hoje, a agricultura, gado, mineração e exploração de petróleo são as principais causas de desmatamento na Amazônia e, se esse modelo econômico continuar, as emissões globais vão ser cinco vezes maior que a meta estabelecida pelo Acordo de Paris até 2050, e 57 milhões de hectares de floresta serão desmatados, uma área equivalente à da França, segundo o BID.
Por isso, uma mudança de paradigma econômico é essencial. Nesse sentido, a bioeconomia é uma alternativa viável e sustentável, pois incentiva a preservação enquanto gera oportunidades econômicas. De acordo com diversos analistas, diz o relatório, o mercado global de bioeconomia deverá atingir US$ 7,7 trilhões até 2030, mas os países amazônicos receberão apenas 0,17% dessa fatia, o que reforça a necessidade de se investir nesse setor, o que demanda financiamento público e privado e colaboração entre países.
As recomendações do relatório:
- Compartilhar e centralizar pesquisas em uma plataforma, a fim de intensificar parcerias
- Mapear investimentos e fornecer ferramentas para alocação de capital, e mentorias para formação de empreendedores
- Expandir conhecimento em rede, integrando as pesquisas de institutos da região
- Quantificar o valor social, econômico e ambiental da bioeconomia, a fim de facilitar captação de recursos