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Por e — Rio de Janeiro e São Paulo

Com luvas de boxe protegendo as mãos, homens trocam socos em meio a ringues improvisados em espaços públicos da Zona Norte da capital paulista. As lutas ocorrem em condições precárias e são registradas pelos espectadores que se reúnem em torno do pugilato. As competições informais também contam com a participação de menores de idade e são promovidas em praças, postos de combustíveis ou até mesmo no meio da rua. Os vídeos vão parar nas redes sociais sob o nome de “UFC de Rua”.

“Se tu é bom de briga, quero ver peitar. Vem pro UFC de Rua, um pra um, vem me enfrentar”, diz a letra de um funk que promove os embates clandestinos. Fenômeno nas redes, as gravações compartilhadas por perfis voltados à prática no Instagram mostram lutadores com pesos discrepantes trocando socos e outros golpes — o que contraria regras oficiais de competições de artes marciais. Homens que atuam como juízes têm os rostos cobertos com camisas.

As imagens são divulgadas principalmente em perfis que promovem bailes funk na Zona Norte de São Paulo. As gravações evidenciam a inexistência de estrutura para atendimento médico para os combatentes.

Os vídeos chocam pela aparente violência gratuita e dividem as opiniões de quem vê. Enquanto uma parcela dos internautas apoia o movimento e se oferece para participar, outros demonstram preocupação com os competidores dessas brigas individuais de rua.

Fenômeno recente

Uma comerciante vizinha a um posto de combustíveis onde alguns embates são travados, na Freguesia do Ó, conta que o fenômeno é recente no bairro, e passou a ser comum nas noites de sextas-feiras, sábados e domingos. Poucos meses atrás, o local era apenas um ponto de encontro para jovens que ficavam bebendo e exibindo suas motocicletas.

— As pessoas ficam sabendo dessas lutas pelas redes sociais e pelo WhatsApp. É muito violento, sem nenhum equipamento de proteção. Pode acontecer uma tragédia. De vez em quando a polícia passa e dispersa as pessoas. Mas assim que ela vai embora, todo mundo retorna — conta a mulher, que não quis se identificar.

O GLOBO esteve no local na semana passada. Renê (nome fictício) é primo de um dos “atletas” envolvidos nos combates e relatou que nas lutas são proibidos chutes, cotoveladas ou agarrões. Alguns espectadores fazem apostas nos competidores, por volta de R$ 50 cada um.

— Começou como uma brincadeira entre amigos. Ninguém bate para machucar, para arrancar dentes. É na amizade, um jeito de se divertir mesmo. No segundo dia que teve luta aqui, já apareceu uma multidão para assistir. Os confrontos duram três minutos. Se ninguém desistir, o próprio público declara quem é o vencedor — conta.

O nome “UFC de Rua” faz referência à maior organização de artes marciais mistas do mundo, que se popularizou no Brasil no início dos anos 2000. Apesar da precariedade das condições com que é feita, o coronel da Polícia Militar Azor Lopes da Silva Júnior afirma que não há crime na prática demonstrada nos vídeos. Desde que não haja violação às regras do esporte ou excessos agressivos para além da competição ou apostas pelos resultados.

Mestre em Direito e doutor em Sociologia, Azor reconhece que as imagens mostram “cenas inadequadas”, pelo fato de a luta ocorrer fora de um espaço seguro para evitar acidentes. Mas o oficial da PM considera que não há um embate entre pessoas com o intuito de lesionar, mas sim de competir segundo regras do esporte.

— Não há lei que impeça a prática de artes marciais fora das academias. Também acrescento que não nos pareceria escandaloso ver crianças de periferia jogando futebol e até se machucando durante a partida. O que as imagens mostram não são condutas ilegais, mesmo que seja algo que eu recrimine diante das circunstâncias como ocorrem. Por isso, não há interesse policial em monitorar esse tipo de atividade, desde que não se torne uma prática com fins lucrativos em exploração ao menor ou que leve a lesões graves ou fatais.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que a Polícia Civil, por meio do 28º Distrito Policial (DP), analisa os vídeos e faz diligências para identificar os participantes das lutas e está à disposição para o registro da ocorrência. A secretaria ressalta, entretanto, que os casos não se enquadram no artigo 129 do Código Penal, uma vez que houve “consentimento mútuo das partes envolvidas”.

Sobre a participação de menores nos combates, Azor lembra que o Estatuto da Criança e Adolescente prevê que o direito à liberdade compreende a prática de esportes, cabendo ao Estado adotar medidas de contenção e segurança. O coronel da PM aponta também que não há crime na divulgação de vídeos pelo fato de os participantes não estarem sendo expostos a atos criminosos.

— Defendo uma abordagem social pelo Conselho Tutelar com políticas públicas que permitam as crianças do local a praticarem a luta em um ambiente seguro e com profissionais do ramo — recomenda.

Para o tetracampeão mundial de muay thai Moisés Batista, o Gibi, que mantém uma academia de artes marciais sob um viaduto na região central de São Paulo, as lutas de rua expõem os praticantes a riscos. Mas é também resultado da falta de espaços públicos para a prática do esporte:

— A arte marcial consegue salvar muitas pessoas das ruas, do mundo do crime. Mas falta incentivo do poder público, faltam escolas de artes marciais nas periferias. Isso acaba levando pessoas dessas regiões a se arriscarem em competições sem a mínima estrutura, o que pode até prejudicar a imagem do esporte.

O neurologista Denis Bichuetti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alerta que práticas de impacto, quando não são supervisionadas, têm como risco imediato a ocorrência de contusões cerebrais e traumas no crânio.

— A longo prazo, o trauma de crânio repetitivo pode desencadear um processo degenerativo neurológico que se manifesta posteriormente, entre os 50 e 60 anos. Este quadro pode, inclusive, evoluir rapidamente para um processo demencial — explica.

Cardiologista e médico do esporte, Mateus Freitas Teixeira aponta que a prática de luta na rua é contraindicada para todos, adultos e crianças. Ele afirma que, além do impacto cerebral, os golpes podem provocar lesões no tímpano e nos olhos e hematomas no abdômen.

— É diferente de quem luta profissionalmente, que são atletas acompanhados por uma equipe. Um soco no abdômen pode gerar um sangramento no baço e no fígado, além de alteração vascular — alerta.

Morte no Ceará

Embora tenham se disseminado na Zona Norte de São Paulo, competições de luta informais também são registradas em outras regiões do país. Em outubro do ano passado, o jovem João Vitor Penha, de 23 anos, morreu após sofrer um nocaute durante um torneio não oficial de boxe em uma quadra pública do município de Jijoca de Jericoacoara, no Ceará. Penha foi atingido com um soco na cabeça e mandado para o hospital Santa Casa de Sobral, onde foi diagnosticada “morte encefálica” que evoluiu para uma parada respiratória do gestor de recursos humanos de um hotel da região turística.

No Rio, a praia do Leme, na Zona Sul, foi palco de embates em novembro. Em um dos casos — apelidado de "UFC coletivo” pelos internautas — dois homens foram flagrados trocando socos e chutes na areia. Policiais chegaram a dispersar jovens que formavam rodas para assistir a brigas de banhistas.

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