Cada dia mais forte, o El Niño está secando a maior floresta tropical úmida do mundo. Em função da grave situação de seca na Amazônia, foi convocada para esta terça (26) uma reunião de emergência entre os ministérios do Transporte e de Portos e Aeroportos e os governos estaduais do Amazonas e de Rondônia. Em pauta, a necessidade da dragagem dos rios e outras possíveis medidas paliativas para mitigar os prejuízos ao transporte fluvial, que pode ter sua capacidade reduzida em até 40% segundo estimativas do governo federal. De acordo com a Defesa Civil do Amazonas, cerca de 130 mil famílias serão afetadas pela estiagem.
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Os efeitos da seca na Amazônia são visíveis em grandes rios, como o Negro, Solimões, Purus, Juruá e Madeira. O nível do Negro desceu 20 cm por dia, de agosto ao início de setembro, segundo o Serviço Geológico do Brasil. É o dobro do ano passado, mas menos do que nas grandes secas amazônicas de 2005 e 2010. O volume de chuva na Região Norte está abaixo da média histórica, segundo uma nota conjunta deste mês do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
![Barco encalhado na margem seca do Rio Negro, na altura do distrito de Cacau Pirera em Iranduba, (AM) — Foto: Michael Dantas / AFP](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/ZUpsm_2pJ2OOyvLoH99MHB9Jxk8=/0x0:6720x4480/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/J/Y/orODaFSBGR3NhZGfbASA/104438898-houseboats-and-a-stranded-boat-are-seen-on-the-rio-negro-in-the-cacau-pirera-district.jpg)
Os afluentes da margem direita do Rio Amazonas estão com diminuição da vazão, segundo a mesma nota. Há seca em diversos pontos, com impacto na navegação nos rios Purus, Juruá e Madeira. A vazão normal do Madeira está 35% abaixo da média do mês.
Em julho e agosto, o Monitor de Secas, coordenado pela ANA, indicou o avanço ou o agravamento da seca no Norte e no Nordeste em setembro. Nada menos que 59 dos 62 municípios do estado do Amazonas sofrem com a seca, 13 dois quais em estado de emergência.
'Pior seca de todas' diz morador de comunidade ribeirinha
Na Amazônia, o El Niño está associado a grandes queimadas, mas elas são sempre intensificadas pelo desmatamento, que deixa mais combustível (em forma de vegetação morta) para alimentar o fogo. Foram em anos de El Niño que ocorreram os grandes incêndios de 1997/98 (Roraima) e 2015/16.
— Hoje (terça) vim para Porto Velho e levei quatro horas, numa viagem que normalmente gasta no máximo 2h30 — afirma Iremar Antonio Ferreira, coordenador do Instituto Madeira Vivo e morador de Nazaré, um distrito de Porto Velho às margens do Rio Madeira. — Já tivemos outras secas, mas essa está sendo a pior de todas. Os próprios pilotos estão comentando que nunca viram o Rio Madeira tão baixo. Os barcos maiores estão tendo muita dificuldade, porque há trechos com profundidade abaixo de 1,5m, então precisam levar menos carga e menos gente, um impacto muito grande.
![Fumaça de queimadas em Cacau Pirera em Iranduba (AM) — Foto: Michael Dantas / AFP](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/JY_1NCJ-CCDok3UmucHhyxG4h0I=/0x0:3948x2961/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/W/p/p52xv7RBmzGgSEHYjSgA/104438603-topshot-the-smoke-from-a-fire-in-a-forest-area-approaches-houses-at-the-cacau-pirera.jpg)
Ferreira destaca que as comunidades que vivem à beira do Rio Madeira estão sofrendo muito. Além das dificuldades no abastecimento de cargas dependentes do transporte fluvial, os moradores sofrem com desgaste físico. Com as margens secas, as bancas de areia cresceram e então é preciso andar longas travessias desde o ponto de desembarque até as casas. Muitos poços artesianos também estão secos, o que demanda a busca de água no leito do rio.
O calor ainda afeta a reprodução dos peixes. A alta temperatura da água compromete os ovos, que acabam "cozinhando" antes de nascerem os filhotes. Ferreira destaca que a seca não é um evento isolado, e que a tragédia de hoje é o resultado da conjunção de diversos fatores, como queimadas e movimentação de sedimentos através do garimpo e plantações de soja.
— Não é só a falta de chuva, é uma cadeia de mudanças provocada na região. Além da seca do rio, tem movimentação de areia e sedimentos, aí os bancos de areia vão dançando no rio. Os pilotos conheciam melhor o leito do rio, mas agora não tem mais total noção do canal. Embarcações grandes estão proibidas de navegar à noite, porque é um risco. Não têm mais noção do canal — complementa Ferreira.
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![Brigadistas combatendo o fogo em floresta de Cacau Pirera em Iranduba (AM) — Foto: Michael Dantas / AFP](https://cdn.statically.io/img/s2-oglobo.glbimg.com/b0ow6460k0b8buDaIXeS_8C4hEU=/0x0:6720x4480/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/8/E/AO6BOvQe6hLbPCjM8wEQ/104437525-firefighters-try-to-put-out-an-illegal-fire-in-a-forest-area-at-the-cacau-pirera-distr.jpg)
E não há sinal de alívio da seca nos próximos meses. Ao contrário, há previsão de redução das chuvas em parte do Norte e do Nordeste, incluindo áreas do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e Sealba (área entre Sergipe, Alagoas e nordeste da Bahia).
Em áreas do Mato Grosso, Goiás, centro e norte de Minas Gerais, no Espírito Santo e noroeste de São Paulo, as chuvas devem ser irregulares e abaixo do nível histórico.
O Pantanal também sofre com a seca. A prefeitura de Cáceres, no Mato Grosso, decretou no início do mês emergência no Rio Paraguai, com nível abaixo da média. Sem água agora no Alto Paraguai, de onde vem a água que forma os pantanais, o risco de incêndio se eleva.