SÃO PAULO — No natal de 2021, Rafael Ventura, de 38 anos, matou sua ex-companheira, Fernanda Marial Leal Damas, de 34 anos, com uma garrafa de vidro após a vítima não aceitar voltar o relacionamento em Petrópolis (RJ).
Mortes de mulheres continuam constantes no país. Em todo o ano de 2021, houve 1.319 feminicídios em 2021, recuo de 3% em relação a 2020. Isso significa que houve uma morte de mulher a cada sete horas, segundo dados divulgados nesta segunda-feira, véspera do Dia Internacional da Mulher, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Além da queda de feminicídios, o levantamento mostra que houve um aumento de 3,7% em casos de estupros contra as mulheres entre 2020 e 2021, totalizando 56.098.
O documento foi baseado em boletins de ocorrência registrados nas 27 unidades da federação.
Foram registrados 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de vulneráveis, entre março de 2020 e dezembro de 2021, durante o período de pandemia do Covid.
— Os dados divulgados apontam para a urgência de implementação de políticas públicas de acolhimento, prevenção e enfrentamento à violência contra meninas e mulheres no Brasil. Apesar do leve recuo na incidência de feminicídios, os números permanecem muito elevados, assim como os registros de violência sexual — afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Questionada sobre quais políticas públicas de acolhimento seriam necessárias para esta questão, a diretora-executiva sugeriu uma série de medidas:
— Redes de acolhimento, apoio psicológico, atendimento socia e psicológico, assistência jurídica, atendimento interdisciplinar são algumas instâncias que contribuiriam com a prevenção, pois a mulher que está sofrendo violência doméstica tem um apoio que será preventivo para um futuro feminicídio, pois antes da morte a vítima já passou por muitos outros traumas.
Violência letal: feminicídios no Brasil em 2021
Em 2021, ocorreu um total de 1.319 feminicídios no país, o que significa recuo de 2,4% no número de vítimas em comparação com o ano anterior. No total, houve 32 vítimas de feminicídio a menos do que em 2020, quando 1.351 mulheres foram mortas. A taxa de mortalidade por feminicídio foi de 1,22 morte a cada 100 mil mulheres, recuo de 3% em relação ao ano anterior, em que a taxa foi de 1,26 morte por 100 mil habitantes do sexo feminino.
Os dados mensais de feminicídios no Brasil entre 2019 e 2021 indicam que houve aumento dos casos entre os meses de fevereiro e maio de 2020, quando houve maior grau restritivo de isolamento social.
Já em 2021, a tendência de casos continuou muito próxima daquela verificada no ano imediatamente anterior ao do início da pandemia, com média mensal de 110 feminicídios, ou um a cada sete horas.
Sete estados registraram taxas de feminicídio abaixo da média nacional no ano passado: Porém, esses dados precisam ser interpretados com cautela, na medida em que alguns estados ainda parecem registrar feminicídios de forma precária, como é o caso do Ceará, estado em que 308 mulheres foram assassinadas no último ano - ou seja, apenas 10% dos registros de mulheres assassinadas no estado foram enquadrados na categoria feminicídio.
Taxa de feminicídio nos estados
- São Paulo (0,6);
- Ceará (0,7);
- Amazonas (0,8);
- Rio de Janeiro (0,9);
- Amapá (0,9);
- Rio Grande do Norte (1,1)
- Bahia (1,1);
- Média nacional : (1,26)
- Tocantins (2,7)
- Acre (2,7)
- Mato Grosso do Sul (2,6)
- Mato Grosso (2,5)
- Piauí (2,2).
Em relação à variação entre os anos de 2020 e 2021, chama atenção o crescimento dos feminicídios em Tocantins, que passou de 9 vítimas em 2020 para 22 no ano passado (144,4%), Rio Grande do Norte, que contabilizou 7 mortes a mais em 2021 (53,8%) e o Distrito Federal, com crescimento de 47,1% no número de feminicídios, passando de 17 vítimas em 2020 para 25 no ano seguinte.
Entre os estados que apresentaram as reduções mais significativas, chama atenção o caso de São Paulo, que passou de 179 vítimas em 2020 para 136 no ano seguinte (-24%), ou seja, 43 vítimas a menos. Isso significa que a redução verificada em São Paulo impulsionou o resultado positivo verificado nacionalmente: se os dados do estado fossem excluídos do cômputo nacional, o país teria registrado avanço de 1% no número de feminicídios. Considerando o início da pandemia de covid-19 em março de 2020 e os dados disponíveis até dezembro de 2021, 2.451 mulheres foram vítimas de feminicídio no período.
Variação de vítimas nos estados:
- São Paulo (-24%)
- Roraima (-55,6%)
- Amapá (-55,6%)
- Mato Grosso (-30,6%)
- Alagoas (-28,6%)
- Bahia (-22,8%)
- Paraíba (-14,3%)
- Mato Grosso do Sul (-14%)
- Maranhão (-13,8%)
- Santa Catarina (- 3,5%)
- Pará (-1,5%)
- Tocantins (144,4%)
- Rio Grande do Norte (53,8%)
- Distrito Federal (47,1%)
Violência sexual: estupro e estupro de vulnerável
O ano de 2021 marca a retomada do crescimento de registros de estupros e estupros de vulnerável contra meninas e mulheres no Brasil, que apresentaram redução após a chegada da pandemia de Covid-19 no país. Foram registrados 56.098 boletins de ocorrência de estupros, incluindo vulneráveis, apenas do gênero feminino. Isso significa dizer que, no ano passado, uma menina ou mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos, considerando apenas os casos que chegaram até as autoridades policiais.
Se entre 2019 e 2020 houve uma queda de 12,1% nos registros de estupro de mulheres no país, entre 2020 e 2021 verificou-se crescimento de 3,7% no número de casos.
Samira Bueno comentou sobre o caso do deputado Arthur do Val, que vazado um áudio em que dizia que as mulheres ucranianas eram "fáceis porque são pobres".
— “É vergonhoso para qualquer homem verbalizar o que ele disse, estamos falando sobre uma violência enraizada, misógina, sexista, machista e de uma matriz cultural. Leis penais são importantes para punir esses criminosos, mas precisamos transformar a cultura para alternar o comportamento, as leis penais não mudam o comportamento, precisamos atuar pedagogicamente para que os meninos de hoje não se tornem Arthur do Val, Robinho ou tantos outros, e para que as meninas do futuro não sofram com esse comportamento que precisa ser alterado.
A análise dos registros mensais de estupro e estupro de vulnerável indica forte queda dos registros nos primeiros meses da pandemia de Covid-19. Os pesquisadores observaram que abril de 2020 marca o menor número de registros de estupro de mulheres em todo o período. Trata-se do mês de intensificação das medidas de isolamento social na maior parte dos estados brasileiros, o que sugere que a redução dos casos está relacionada a uma maior dificuldade de acesso das mulheres às delegacias para registro de boletins de ocorrência.
Taxa média de estupro de vulneráveis (para cada 100 mil habitantes)
- Brasil - 51,8 para cada 100 mil habitantes do sexo feminino no país.
- Piauí (56,7)
- Rio Grande do Sul (59,5)
- Pará (68,6)
- Goiás (71,8)
- Paraná (85,4)
- Santa Catarina (90)
- Tocantins (90,5)
- Mato Grosso (97,4)
- Rondônia (102,3)
- Amapá (107,7)
- Mato Grosso do Sul (129,7)
- Roraima (154,6)
Em 2021, 18 estados tiveram um aumento nos registros de estupros de mulheres em relação ao ano anterior, entre eles: Paraíba (111,3%), Maranhão (46,3%), Alagoas (23,5%), Piauí (19,3%), Sergipe (19,0%) e Rio Grande do Norte (16,9%).
Apenas oito unidades da federação apresentaram redução no número de registros de violência sexual: Distrito Federal (- 23,1%), Amazonas (-14,3%), Espírito Santo (-5,9%), Santa Catarina (-5,2%), Pernambuco (-4,3%), Rondônia (-1,2%), Mato Grosso (-1%), e Minas Gerais (-0,4%). O número total de estupros de vítimas do gênero feminino no país foi de 61.531 em 2019, passando para 54.116 em 2020 e a 56.098 em 2021. Assim, ainda que seja possível verificar uma tendência de retomada nos registros, os números ainda não voltaram ao patamar anterior à pandemia. Considerando o início da pandemia de covid-19 em março de 2020 e os dados disponíveis até dezembro de 2021, ao menos 100.398 meninas e mulheres registraram casos de estupro e estupro de vulnerável em delegacias de policiais em todo o país.
*Estagiária sob supervisão de Tiago Dantas