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Sete a cada 10 pais pedem reforço escolar em língua portuguesa e matemática, diz pesquisa do Datafolha

Levantamento encomendado por Itaú Social, a Fundação Lemann e o BID aponta ainda que 76% das crianças na alfabetização precisarão de mais atenção, segundo avaliam as famílias
Com 7 anos, Maria Júlia teve aulas de reforço com amiga da mãe para ser alfabetizada Foto: Arquivo pessoal
Com 7 anos, Maria Júlia teve aulas de reforço com amiga da mãe para ser alfabetizada Foto: Arquivo pessoal

RIO - Com o retorno das aulas presenciais, pais e responsáveis pedem aulas de reforço para compensar as perdas de aprendizagem dos alunos causadas pela pandemia. Pesquisa Datafolha, encomendada por Itaú Social, a Fundação Lemann e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aponta que 7 em cada 10 acham que seus filhos precisam dessa medida em língua portuguesa e matemática.

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Entre as crianças em fase de alfabetização, 76% precisarão de mais atenção das escolas nessa retomada das aulas presenciais, segundo avaliam as famílias. Levantamento recém divulgado pelo Todos pela Educação, com base em dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostra que mais de 40% das crianças com 6 ou 7 anos de idade não sabiam ler ou escrever em 2021, o que representa mais de 2,4 milhões de crianças no país.

— É importante garantir que os conteúdos que ficaram para trás sejam gradualmente recuperados, com uma atenção individualizada às necessidades de cada aluno, especialmente os mais vulneráveis, que foram os mais afetados pela pandemia — defende Daniel de Bonis, diretor de Políticas Educacionais na Fundação Lemann.

‘Medo de não aprender’

Mãe de três, Verônica Batista dos Santos, 47 anos, viu os dois filhos mais novos, de 13 e 7 anos, perderem muita aprendizagem durante a pandemia.

— Só tinha um celular para três estudarem, em 2020. No ano passado, eles voltaram uma parte presencial, outra de casa. Mas meu filho mais velho teve câncer e não consegui acompanhá-los nesses momentos on-line. Então, não fizeram quase nada — diz Verônica, que trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma igreja.

Foi a ajuda de uma amiga que fez com que a caçula dela, Maria Júlia, conseguisse aprender a ler e escrever na idade correta. Ela deu aulas de reforço, de graça, na casa da família.

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— Ela não é professora, mas tem o dom do ensino, sabe? E a minha filha aprendeu muito com ela — diz a moradora de Jardim Iporanga, Zona Sul de São Paulo. —Minha preocupação é que eles passam mesmo sem aprender. O meu do meio teve notas baixíssimas e foi aprovado. Tenho medo dele terminar o colégio sem ter aprendido nada.

A pesquisa, chamada “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias”, foi realizada em dezembro de 2021 pelo Datafolha, foi realizada por meio de abordagem telefônica em todo o Brasil. Foram ouvidos 1.306 pais e responsáveis e 1.850 estudantes. Essa é a oitava rodada feita por essas instituições desde o começo da pandemia.

Desigualdade de acesso

Segundo o levantamento, de acordo com pais e responsáveis, 88% dos estudantes da rede pública de ensino tiveram as escolas reabertas. No entanto, há grande desigualdade nessa volta: no Nordeste, esse índice foi de 77%, enquanto no Sudeste foi de 97%, o que representa uma diferença de 20 pontos percentuais.

Além disso, alunos de escola com nível socioeconômico (NSE) mais alto também possuem mais acesso ao processo de reabertura. A diferença neste caso foi de 12 pontos percentuais — 80% entre estudantes de escolas de baixo NSE contra 92% de estudantes de alto NSE.

A pesquisa também identificou que, em dezembro de 2021, mais de 800 mil estudantes continuavam sem receber nenhum tipo de atividade escolar, mesmo estando matriculados. Enquanto isso, 83% dos estudantes que retornaram para as atividades presenciais acreditam que estão evoluindo no aprendizado — percepção observada em todas as regiões do Brasil e em todos os ciclos de ensino.

Ainda de acordo com as famílias, os alunos que voltaram às atividades presenciais estão mais animados (86%), mais otimistas com o futuro (80%), mais independentes para realizar as tarefas (84%) e mais interessados nos estudos (77%) do que aqueles que continuavam no ensino remoto (respectivamente 74%, 72%, 72% e 60%).

A preocupação, no entanto, ainda é de que parte desses estudantes deixem as salas de aula. Segundo a pesquisa, em dezembro, 2 em cada 10 estudantes corriam o risco de abandonar a escola, na percepção de pais e responsáveis. Dentre os motivos mais citados para o medo da desistência estão o fato de o estudante ter perdido o interesse pelos estudos (29%) e não estar conseguindo acompanhar as atividades (29%) por conta da pandemia. Outros 15% citaram falta de acolhimento e 12% a necessidade de trabalhar para ajudar a família. Esse último resultado é maior entre os alunos de ensino médio (21%), que também são os mais impactados pela falta de interesse (38%).

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— As famílias revelaram que a intenção dos alunos da rede pública em abandonar a escola ainda é muita alta, mesmo com o retorno presencial. Isso reforça o quanto temos que nos concentrar em estratégias para o acolhimento, oferecendo a eles ferramentas para que consigam evoluir nos seus aprendizados — afirma a superintendente do Itaú Social, Angela Dannemann.

Na avaliação de Dannemann, além das aulas de reforço, é preciso olhar como os estudantes estão inseridos em um cenário mais amplo.

— Isso envolve desde a diminuição de renda e segurança alimentar das famílias até os aspectos emocionais. A articulação entre os entes federativos e a colaboração da sociedade civil é fundamental para não deixarmos ninguém para trás — defende Dannemann.