Brasil Conte algo que não sei

Yuval Ben Lior, músico: 'Há muita fusão musical entre Israel e Palestina'

Compositor israelense , no Brasil há 15 anos, adota o violão cigano em repertório que mistura as influências musicais de seu país ao jazz e ao choro
"O músico israelense é muito sortudo porque, com os judeus espalhados pelo mundo, as influências são as mais diversas, o que resultou em uma música cosmopolita", conta Yuval. Foto: Ana Branco / Agência O Globo
"O músico israelense é muito sortudo porque, com os judeus espalhados pelo mundo, as influências são as mais diversas, o que resultou em uma música cosmopolita", conta Yuval. Foto: Ana Branco / Agência O Globo

"Tenho 40 anos, toco guitarra e sou apaixonado por música. A família de minha mãe é iemenita e a do meu pai, italiana. Toquei com grandes nomes e fui aluno de mestres como Pat Metheney. Deixei Israel para estudar na M.I.T, em Los Angeles. Conheci uma brasileira e vim para cá. Hoje, estou casado com outra brasileira e tenho duas filhas".

Conte algo que não sei.

Em Israel, consegui me livrar do Exército por causa do meu talento musical como compositor, o que é difícil lá. Investi muito na música desde cedo. Era roqueiro, mas me entreguei ao jazz nesta temporada que passei nos EUA. Fiquei quatro anos, e foi onde conheci a música de cinema e as trilhas de comerciais, que faço até hoje. Foi onde tive contato, também, com Hermeto Pascoal e com o choro brasileiro, que contribuíram para que eu faça hoje uma música mais global, que me abre um mercado mais diversificado.

Quais as principais influências da música israelense?

O músico israelense é muito sortudo porque, como os judeus estavam espalhados pelo mundo, as influências são as mais diversas, o que resultou em uma música cosmopolita. No início, era uma música de homem branco, com sotaques russo e polonês, mas hoje é bem mais rica, com um acento árabe maravilhoso. É muito fácil perceber as influências turcas, italianas, gregas e libanesas, bem como egípcias e sírias, que estão nas rádios e em casamentos, por exemplo. Essas influências são fortes na gastronomia também, pela mesma razão. E isso não deve mudar: há cerca de 15 milhões de judeus no mundo, e pouco mais de 8 milhões estão em Israel.

São frequentes as parcerias entre músicos israelenses e palestinos?

São cada vez mais comuns. Há muita fusão musical entre os dois lados, porque um influencia o outro o tempo todo. Mas, infelizmente, para o mundo, só chegam informações sobre o conflito armado, o que é uma pena: só ao ouvir a música, já há uma aproximação cultural grande, mesmo que não se compreenda o idioma. As melodias e os ritmos são reveladores.

Ser israelense é estar condenado a falar de política internacional?

É, sim, mas acho importante: é preciso diálogo. O povo judeu só tem aquela terra, e espero que os dois lados cheguem o quanto antes a um acordo. Minha família mora lá, e é muito assustador ver que eles lidam diariamente com a ameaça de mísseis sobre suas cabeças. Não sou ninguém para julgar qualquer dos dois lados, mas, em Israel, a gente cresce acreditando na cultura da paz, embora não seja fácil. É difícil fazer amizade com quem não quer a sua amizade e não acredita no seu direito de ocupar aquela terra.

Como se dá a influência brasileira na sua música?

Eu ouço e aprecio, mas não absorvo de imediato. Analiso e transformo em algo distinto: a minha arte. Meu trabalho tem uma cor e um ritmo brasileiro muito fortes, e procurei um instrumento que revelasse isso um pouco melhor, porque a guitarra é muito do jazz e do rock. Foi assim que me aproximei do violão cigano, que não é brasileiro, mas tem um som próximo ao do bandolim. Só não me sinto à vontade para compor em português. É uma abordagem que tem encontrado boa recepção: a música brasileira é muito forte e não abre muito espaço para o que vem de fora.

Como o Rio te conquistou?

A primeira coisa que me chamou a atenção é que as pessoas estão sempre sorrindo, não carregam aquele ar sisudo. Minha dificuldade está na cultura: os israelenses são muito diretos, e os cariocas não. Então, às vezes, pareço grosso, o que não é verdade. Até compus um choro sobre osso, chama-se "Mal-entendido".