Vera Magalhães
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Vera Magalhães

Os principais fatos da política, do Judiciário e da economia.

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Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

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Que Fernando Haddad e Marina Silva vêm agindo como uma dupla e não escondem a admiração um pelo outro desde o início do governo não é novidade. O que é novo, e aponta um caminho para um governo que, há duas semanas, se reunia em crise e pedia aos ministros que comunicassem melhor seus feitos e trabalhassem em conjunto, é o sucesso de uma das políticas fruto dessa parceria Fazenda-Meio Ambiente, a primeira emissão dos chamados títulos verdes.

A engenharia dos títulos soberanos sustentáveis foi concebida na Fazenda, sempre ouvindo e recolhendo contribuições da pasta de Marina. Os papeis foram lançados na Bolsa de Nova York em setembro de 2023, em parceria com bancos internacionais e com o BNDES, e são voltados ao financiamento de projetos de sustentabilidade no Brasil.

E, menos de um ano depois, os títulos entregaram o primeiro retorno concreto: os dois ministros, juntamente com o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e Lula assinaram um repasse de R$ 10,4 bilhões oriundos dos títulos para o Fundo Clima, uma iniciativa criada em 2009, mas que vinha em estado vegetativo no governo Jair Bolsonaro e foi resgatada por Marina no ano passado.

A tal transversalidade que todo candidato promete se mostra claramente nesse exemplo, que poderia facilmente ser escalado para o resto do governo, desde que projetos de bom lastro técnico, bem montados e sólidos, se sobrepusessem à vaidade dos ministros políticos e seus interesses muitas vezes eleitorais e/ou paroquiais.

O valor anunciado nesta segunda-feira é um recorde, muito acima da média de execução anual do Fundo Clima, que é de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões desde que foi criado.

Do ponto de vista da famosa narrativa, atos assim simples permitem ao governo estar antenado com uma agenda contemporânea, de alto interesse para investidores locais e internacionais, que não traz o ranço de parecer uma reedição capenga de programas do PT do passado.

Para Haddad, é a chance de mostrar que austeridade fiscal não é a antítese de busca por investimentos, pelo contrário. Para Marina, que foi estigmatizada durante anos como aquela pessoa inflexível, ortodoxa, que só barrava investimentos em nome da preservação ambiental, também é uma oportunidade de mostrar que ela sempre esteve certa quando defendeu ações transversais e o potencial da economia verde como geradora de riqueza.

Até o BNDES ganha uma roupagem mais moderna, que permite ao banco de fomento ser visto como uma instituição mais versátil, longe do estigma de que financiava obras de "campeões nacionais" ou aliados internacionais do mesmo campo ideológico do PT.

Resta saber se Lula vai enxergar que a agenda ambiental e energética é um maná cujo potencial ainda está sendo só arranhado, e que, se levá-la a sério para além da retórica em eventos internacionais, pode render a seu governo o tal selo de relevância global que ele tanto almeja -- e que a naftalina do apoio a Maduro ou Putin ou as falas de improviso em temas sensíveis de geopolítica só afastam.

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