True Crime
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Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 27/06/2024 - 04:30

Ex-seminarista condenado sonha com liberdade

Ex-seminarista condenado por matar pai e madrasta faz teste psicológico para possível progressão de regime. Enquanto aguarda, vive romance na prisão e sonha com liberdade.

Depois de relutar por quatro anos, o ex-seminarista Gil Greco Rugai, de 41 anos, finalmente decidiu fazer o teste de Rorschach a pedido da Justiça de São Paulo e do Ministério Público. Condenado a 33 anos e 9 meses de prisão por matar com nove tiros o pai e a madrasta em 28 de março de 2004, ele vinha se recusando a passar pelo exame indicado no sistema penal a quem comete crimes violentos contra membros da própria família. O laudo decorrente da aplicação costuma ser peça importante no momento da concessão ao regime aberto, quando o réu passa a cumprir a pena em liberdade.

Conhecido entre os criminosos como “teste do borrão”, o exame de Rorschach é composto por dez pranchas com manchas de tinta abstratas, sendo oito em preto e branco e duas coloridas. Durante a aplicação, o paciente deve observar cada lâmina e descrever o que vê, projetando aspectos de sua personalidade, incluindo características inconscientes como agressividade e traumas. Apesar de controverso, o teste é amplamente utilizado no mundo e validado no Brasil pelo Conselho Federal de Psicologia.

O laudo de Rorschach costuma revelar verdades que o indivíduo tenta esconder e a relação entre os componentes da sua inteligência, considerando também bloqueios emocionais. Na Justiça de São Paulo, é usado no bojo da execução penal de presos que cometem crimes hediondos, pedófilos e parricidas para avaliar o arrependimento e o potencial de reincidência.

Em Gil Rugai, o teste foi aplicado pela psicóloga Mônica Evelyn Thiago, às 10h do dia 23 de maio, dentro da penitenciária Doutor José Augusto César Salgado, a P2 de Tremembé. Segundo a Sociedade Rorschach de São Paulo, o resultado estará disponível em até 60 dias. A principal expectativa em relação aos laudos desse exame é determinar se Gil Rugai fala a verdade ou mente quando afirma não ter disparado os tiros que mataram os publicitários Luiz Carlos Rugai, de 40 anos, e Alessandra de Fátima Troitin, de 33. De acordo com a sentença condenatória, Gil teria desviado R$ 25 mil da empresa de seu pai e, ao ser descoberto, decidiu matar o casal. Luiz foi alvejado por seis tiros, sendo um nas costas e outro na nuca. Já Alessandra foi atingida por três disparos.

Luiz Carlos Rugai, de 40 anos, e Alessandra de Fátima Troitin, de 33: mortos em 2004 — Foto: Reprodução
Luiz Carlos Rugai, de 40 anos, e Alessandra de Fátima Troitin, de 33: mortos em 2004 — Foto: Reprodução

Quando estava no regime fechado, na década de 2010, Gil costumava fazer um chá das cinco com seus colegas de cela. Certa vez, em uma dessas reuniões com outros presos, ele teria revelado, em tom de confissão, que cumpria pena no lugar de outra pessoa em nome do amor. Quando questionado sobre quem seria essa pessoa, permaneceu em silêncio.

Gil sempre se negou a fazer o teste de Rorschach. O Ministério Público insistiu na aplicação das pranchas por dois motivos: primeiro, porque ele afirma ser inocente e planeja, inclusive, entrar com um processo de revisão criminal para anular a sentença. Segundo, porque em seu exame criminológico consta que ele apresenta comportamento egocêntrico, com traços de impulsividade, imaturidade e fantasias ligadas às suas necessidades pessoais. A perícia aponta ainda que Gil foi diagnosticado com transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC), um distúrbio caracterizado pelo padrão persistente de preocupação com a ordem, perfeição e controle.

Para escapar do Rorschach, o ex-seminarista foi bater na porta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em busca de um habeas corpus com pedido de liminar, já que o teste havia sido requerido pela primeira vez em 2020. Nos tribunais superiores, Gil alegou que se sentia constrangido ao ser submetido ao exame por uma decisão de juíza de primeira instância. Afirmou ainda que ficaria calado se os psicólogos aparecessem em Tremembé com as suas famigeradas pranchas. No entanto, no dia 6 de dezembro de 2023, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca negou o habeas corpus, e Gil ficou sem saída.

Preso pela primeira vez em 6 de abril de 2004, o ex-seminarista entrou e saiu diversas vezes da cadeia por conta de uma série de alvarás de soltura. Só em Tremembé, ele foi e voltou três vezes. Ficou definitivamente por lá para cumprir a pena integralmente a partir de 23 de fevereiro de 2016, iniciando no regime fechado. Em 23 de novembro de 2021, foi promovido ao regime semiaberto, onde passou a desfrutar das polêmicas saidinhas. Agora que foi submetido ao teste de Rorschach, ele sonha com o regime aberto, no qual poderá cumprir o restante da pena em liberdade, tal qual Alexandre Nardoni, Daniel Cravinhos, Anna Carolina Jatobá e Suzane Magnani, ex-Richthofen. A sentença de Gil está programada para acabar em 1º de junho de 2046.

Novo amor

Enquanto espera pela liberdade, Gil Rugai tenta reconstruir a vida. Dentro de Tremembé, encontrou um amor: o ex-guarda civil metropolitano (GCM) Marcos Rocha da Silva, de 43 anos, também integrante da galeria do semiaberto. No alojamento, os dois não se desgrudam. Segundo relatos de policiais penais e presos do mesmo galpão, o casal já foi flagrado trocando carícias e até brigando, uma vez que Gil demonstra ser bastante ciumento. Quando a relação está tranquila, Marcos se deita no colo do ex-seminarista e recebe cafunés, de acordo com os mesmos depoimentos.

Há outras evidências mostrando que Gil e Marcos estão em um relacionamento sério. Os dois saem juntos todos os dias de Tremembé usando tornozeleira eletrônica para estudar na Faculdade Anhanguera de Taubaté. O seminarista chama o companheiro carinhosamente de “preto”, como contam advogados. São vistos usando transportes públicos diversas vezes. Cursam Arquitetura e Urbanismo e sentam-se lado a lado na sala de aula. No ambiente acadêmico, há mais cenas de ciúmes, segundo relatos de estudantes. Gil fica incomodado quando meninas abordam Marcos pelos corredores.

Nas saidinhas, eles ficam no mesmo endereço, uma casa alugada em Taubaté, tal qual consta no prontuário preenchido por eles e entregue à Justiça. No início do mês, quando saíram pela última vez, o casal passou o tempo todo junto. Foram de carro ao Santuário de Aparecida. Católico, Gil rezou bastante. Marcos é ateu, conforme ele mesmo declarou em seu exame criminológico, feito em 13 de julho de 2022. Sendo assim, o ex-policial preferiu não comungar. O casal também passeou, almoçou fora e visitou museus na saída temporária.

Marcos Rocha da Silva e Gil Rugai durante saída da prisão — Foto: g1
Marcos Rocha da Silva e Gil Rugai durante saída da prisão — Foto: g1

Gil e Marcos compartilhavam a mesma advogada, Thais Merino Barros, que era encarregada de acompanhar o processo de execução da pena de ambos. Gil chega a ser até citado no processo de Marcos. Na página 909, o ex-policial postou uma foto dele ao lado do companheiro para mostrar que está em pleno processo de ressocialização.

O ex-seminarista já deu inúmeras provas de amor a Marcos. No ano passado, o ex-policial teve um problema sério de saúde. Ele foi acometido por uma fístula perianal de 3,7 centímetros. A dor era tão forte que ele não conseguia mais caminhar. Marcos pediu à Justiça para fazer a cirurgia no Hospital Ubarana de Taubaté e se recuperar em casa. No entanto, só foi autorizada a saída da penitenciária para o procedimento cirúrgico, realizado no dia 26 de outubro de 2023. Assim que teve alta médica, ele teve de se recuperar deitado no beliche da penitenciária. Foi Gil quem fez o papel de cuidador do enfermo.

Na saidinha de março, o romance sofreu um abalo. Assim que retornou da rua, Marcos foi levado ao “pote”, uma cela solitária usada para castigar quem comete faltas graves em Tremembé. Os policiais penais acusaram o ex-GCM de ter vendido para outros presos roupas de grife furtadas do estoque da Funap, a oficina de costura da penitenciária. Marcos estava na iminência de voltar para o regime fechado e perder todos os benefícios, como saidinhas e o direito de cursar a faculdade. Gil ficou preocupado, pois não teria mais contato com o seu amado. No entanto, Marcos conseguiu provar que não teve nada a ver com o furto das roupas e acabou se livrando da punição.

Roupas que Marcos estaria vendendo na cadeia — Foto: Processo de Execução Penal
Roupas que Marcos estaria vendendo na cadeia — Foto: Processo de Execução Penal

Em Tremembé, poucos colegas de cela sabem o que Marcos fez para estar privado de liberdade. Em 9 de julho de 2008, ele saiu com o irmão mais novo de carro do município de Jaguariúna (SP), onde morava, percorrendo 30 quilômetros até chegar no Centro de Amparo (SP). Tomaram cerveja na choperia Matriz. Por volta das 5 da manhã, seu irmão começou a discutir com um grupo de jovens. O dono do bar expulsou todos, e o bate-boca continuou na rua.

Para defender o irmão sabe-se lá do quê, Marcos, guarda civil metropolitano, bêbado, pegou sua arma de trabalho, uma pistola semiautomática calibre 38, e disparou quatro tiros. As balas acertaram Samuel da Silva Bonifácio, de 24 anos, e Waslan da Silva, de 23. Os jovens foram levados ao pronto-socorro da Santa Casa de Anna Cintra, mas não resistiram.

Gil Rugai e Marcos Rocha da Silva na universidade — Foto: g1
Gil Rugai e Marcos Rocha da Silva na universidade — Foto: g1

Marcos fugiu do local. Foi chamado para depor primeiro como testemunha, já que seu carro foi visto perto do bar, e disse não ter visto nada. Quando passou a ser suspeito, o então policial negou autoria e ainda arrolou a esposa e outros agentes como testemunha de que não tinha saído de casa no dia em que os jovens foram assassinados. “Eu até ouvi falar que houve um duplo homicídio em frente ao bar, mas não sei quem teria sido capaz de fazer uma coisa dessas”, disse em um primeiro depoimento.

Quarenta e cinco dias depois do assassinato, Marcos e o irmão foram presos. O ex-GCM foi condenado a 32 anos de cadeia e levado para Tremembé. Curiosamente, nem ele, nem as testemunhas conseguiram saber o motivo da briga que terminou em morte. Em seu exame criminológico, Marcos se diz arrependido. “Eu dei os dois disparos, acertei a cabeça deles e ambos faleceram. Mas hoje sou outra pessoa”, simplificou ele em entrevista à psicóloga Karina Prates da Fonseca, de Tremembé.

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