True Crime
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Histórias, detalhes e personagens de crimes reais que mais parecem ficção

Informações da coluna

Ullisses Campbell

Com 25 anos de carreira, sempre atuou como repórter. Passou pelas redações de O Liberal, Correio Braziliense e Veja. É autor da coleção “Mulheres Assassinas”

Por — São Paulo

RESUMO

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GERADO EM: 21/06/2024 - 04:30

Filho defende Jairinho: erro médico causou morte

Filho de Jairinho defende pai acusado de matar enteado, alegando erro médico como causa da morte. Família acredita na inocência do ex-vereador, negando acusações de abuso e tortura.

Nenhum advogado da banca de defesa do ex-médico e vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, é tão combativo e passional quanto Luís Fernando Abidu Figueiredo Santos, de 27 anos. Motivos para tanto sentimento não lhe faltam: ele é o filho caçula de Jairinho e acredita piamente na inocência do pai. “Eu já perguntei a ele olhando nos olhos: 'Pai, você teve alguma participação na morte desse menino?' Chorando, ele disse que não e eu acreditei”, afirma o advogado em entrevista ao GLOBO.

Jairinho é réu pela morte do menino Henry Borel e está recluso há três anos no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como Bangu 8, no Complexo de Gericinó, no Rio de Janeiro. A previsão é que ele enfrente o Tribunal do Júri em setembro. Como a cadeia fica a dez minutos de carro de seu endereço, Luís aproveita a carteirinha da OAB para visitar o pai todos os dias no parlatório, onde conversam de tudo um pouco. “Meu pai está muito abatido. Ele chora diariamente. Divide a cela com quatro presos. Está magro, acabado. Reclama do ócio, apesar de trabalhar na biblioteca do presídio catalogando os livros que os presos pegam emprestado para ler. Passo lá antes de ir ao escritório para dar uma força”, conta.

Entre as novidades que Luís traz da cadeia sobre o pai, ele menciona que sua mãe, Fernanda Abidu Figueiredo, servidora pública, voltou a namorar com o ex-vereador recentemente. “Os dois vão se casar. Eles têm se encontrado na prisão todos os finais de semana, mas não está rolando visita íntima porque meu pai está sem cabeça para fazer sexo”, explica o filho único do casal.

Formado em Direito pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Luís estava no penúltimo ano do curso quando o pai foi acusado de assassinato e preso. Em 2022, quando se formou, ele passou a se dedicar exclusivamente à defesa do pai. Em sua tese, ele garante que nem Jairinho, nem Monique Medeiros, mãe de Henry Borel, mataram o menino, como sustenta o Ministério Público na denúncia contra o ex-casal. “Henry foi vítima de erro médico. O ideal seria que as defesas de Monique e do meu pai fossem unificadas e os dois acusassem o hospital. Assim, teriam mais chances de serem inocentados”, especula.

Luís Fernando com o pai, Jairinho, e a mãe, a servidora pública Fernanda Abidu Figueiredo: segundo o advogado, casal reatou durante visitas dela na prisão — Foto: Arquivo pessoal
Luís Fernando com o pai, Jairinho, e a mãe, a servidora pública Fernanda Abidu Figueiredo: segundo o advogado, casal reatou durante visitas dela na prisão — Foto: Arquivo pessoal

Veja os principais trechos da entrevista.

Para a defesa, quem matou Henry Borel?

Ele morreu em decorrência de um erro médico. Ou seja, a culpa é dos médicos do Hospital Barra D’Or, que realizaram os primeiros procedimentos de socorro Essa é a visão da defesa técnica e dos peritos que contratamos. É essa a tese que vamos levar ao tribunal.

(nota da redação: o hospital sempre afirmou que colabora com a Justiça e que entregou toda a documentação requisitada ao longo do caso. Em comunicados divulgados à imprensa, a Rede D'Or frisa também que não é parte do processo e que foi citada apenas por ter prestado socorro a Henry. "O ofício do hospital esclarece que a morte de Henry não pode ser atribuída aos procedimentos realizados pela equipe médica, uma vez que eles tentaram ressuscitá-lo quando ele já apresentava sinais evidentes de óbito", diz um desses textos)

Pode explicar melhor?

No prontuário médico do Henry, há um Raio-X que comprova que ele teve um pneumotórax (presença de ar ou gás no espaço pleural, causando colapso do pulmão). Essa causa da morte é mais consistente do que a apresentada pela acusação, que sustenta que houve homicídio. Henry tinha perfurações no pulmão e no esôfago por conta de duas intubações, conforme está descrito nos laudos paralelos que a defesa produziu.

O hospital afirma que o menino já chegou morto.

Essa tese é completamente é furada. Se ele tivesse chegado ao hospital sem vida, os médicos não teriam feito nele tantas tentativas invasivas para salvá-lo durante duas horas, como duas intubações e uma toracocentese (colocação de agulha na cavidade torácica para coletar amostra).

Se Henry foi vítima de erro médico, por que seu pai é réu por assassinato?

Há questões nebulosas no processo. Meu pai é vítima da corrupção existente na Polícia Civil do Rio. A investigação do caso não é confiável. Há ocultação de provas e manipulação de depoimentos no inquérito. Hoje, eu diria que o Estado não está preparado para investigar um caso como esse. O IML (Instituto Médico-Legal) do Rio está sucateado, sem material, com falta de pessoal, e o teto está quase desabando.

(nota da redação: ao depor na audiência de instrução e julgamento, em 2021, o então diretor do Departamento-Geral da Polícia Civil, delegado Antenor Lopes, defendeu o trabalho técnico da corporação no caso. Primeiro a ser ouvido na ocasião, o também delegado Henrique Damasceno, responsável pelas investigações, detalhou por quatro horas as conclusões do inquérito. "Ficou evidente que houve uma rotina de agressões ao menino", frisou)

Então, na sua opinião, Henry não foi assassinado?

Não. Não houve homicídio. Ele morreu vítima de erro médico, conforme eu disse antes.

Você acredita que essa tese vai inocentar seu pai no tribunal?

Quem conhece meu pai sabe que ele seria incapaz de fazer mal a uma criança. Hoje em dia, as pessoas agem por maldade, pela satisfação pessoal ou em busca de sucesso profissional.

Você se refere a quem, exatamente?

À Polícia Civil do Rio, que se apressou para esclarecer o caso, e aos promotores do Ministério Público que são midiáticos.

Está preparado para testemunhar uma condenação do seu pai?

Não acredito que ele será condenado. Até porque meu pai é inocente, e isso será provado no tribunal.

E se as coisas não saírem como você imagina?

Olha, eu ficaria profundamente triste e abalado se meu pai for condenado. Isso seria a maior injustiça que o país verá se acontecer. Não consigo nem pensar nessa possibilidade.

Sua defesa emocionada é pessoal ou profissional?

Eu tenho muito amor pelo meu pai. Sou filho dele. Sendo assim, é uma defesa pessoal. Mas também é profissional, pois estudei o caso profundamente. Essa desumanização que estão fazendo com ele dói mais em mim do que nele. Até porque ver quem a gente ama sofrer é pior do que o próprio sofrimento.

Sua defesa técnica, como filho, não estaria contaminada por essa emoção?

Eu diria que sim. Acredito que as pessoas vão ler essa entrevista e vão concluir o óbvio: que eu amo o meu pai. Mas sou uma pessoa ponderada, pois nunca havia me exposto para defendê-lo abertamente na mídia. Por isso, estou fazendo uma defesa passional e técnica. Não estou cego para a verdade.

Para a defesa, Monique Medeiros teve algum papel na morte de Henry?

Como eu te disse, o Henry não foi assassinado. Nem pela mãe, nem pelo padrasto.

Você já olhou nos olhos de seu pai e perguntou se ele matou o Henry?

Perguntei, sim. Fiz essa pergunta a ele durante uma visita na penitenciária, quando ainda era estagiário. Eu falei assim: "Pai, estão acontecendo algumas coisas, estão falando que foi você, estou do seu lado, ainda estou tomando pé de algumas coisas... Mas olha no meus olhos e me diga: Você fez isso? Você teve alguma participação na morte desse menino?" Ele me encarou e disse: "Não, filho. Não tenho nada a ver com isso. Eu não assassinei essa criança."

E você viu verdade nos olhos dele?

Sim. Muita. Até porque ele chorou. Temos muitos casos de pessoas presas injustamente no Brasil. Basta ver o caso Evandro.

Como reagiria se descobrisse agora que seu pai matou Henry Borel?

Ficaria triste porque se trata de uma criança. A morte dele não pode ficar em segundo plano. Acho que honrar a morte do Henry é esclarecer o que aconteceu.

Mas como ficaria sua relação com seu pai, se descobrisse que ele é um assassino?

Não consigo conceber essa ideia na minha cabeça. Me desculpe.

Quem banca a defesa do seu pai é seu avô, o coronel Jairo. Ele interfere no trabalho dos advogados?

Ele não interfere muito, não. Mas, às vezes, fica desesperado por ver o filho sendo injustiçado. O advogado titular da banca, Cláudio Dalledone, tem toda a liberdade para trabalhar e definir qual é a melhor estratégia.

Há uma foto armazenada no telefone de Monique em que o Henry aparece com uma assadura no bumbum. Na carta aberta escrita por Leniel Borel, pai de Henry, ele levanta suspeitas de que Jairinho teria abusado sexualmente da criança.

A história desse suposto abuso foi cogitada pela Monique numa conversa com Leniel. Mas a verdade é que Henry não foi abusado: nem pelo meu pai, nem por Leniel, como a Monique suspeitou, nem por ninguém. A história desse suposto abuso é uma mentira.

Qual o maior trunfo da defesa para inocentar seu pai?

Vamos provar no tribunal que Henry não foi assassinado, mostrando sua verdadeira causa mortis. Como disse antes, a criança morreu por um erro médico, e não nas mãos do meu pai.

Na visão da defesa, o que aconteceu dentro do apartamento?

Henry caiu da cama, bateu a cabeça e ficou inconsciente. A Monique encontrou o filho caído e o levou ao médico junto com meu pai. No hospital, os médicos foram negligentes, e ele morreu.

Mas se tivesse sido assim como você narra, por que Monique está acusando seu pai?

Talvez numa situação de pressão. Acredito que ela ficou desesperada ao ser acusada pela morte do filho e, para tentar sair disso, passou a acusar meu pai. Não consigo ver outro motivo para isso. O justo, o certo, o verdadeiro e o humanitário seria a Monique se juntar ao meu pai para os dois juntos acusarem o hospital. Assim, eles teriam mais chances de serem inocentados. Essa é a nossa verdade.

Seu pai é acusado por ex-namoradas de torturar crianças.

Isso é uma mentira deslavada. Meu pai sempre foi um homem amoroso, bondoso, carinhoso e com um coração enorme. Nunca encostou um dedo em mim. Ele não seria capaz de matar uma mosca, quanto mais uma criança.

O que mais dói em você? Ver seu pai estampado nos jornais como assassino ou preso numa penitenciária?

Sem dúvida nenhuma, ver ele preso é uma cena muito dolorida. Isso me machuca muito como filho.

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