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O ritmo da opinião pública

Informações da coluna

Vera Magalhães

Jornalista especializada na cobertura de poder desde 1993. É âncora do "Roda Viva", na TV Cultura, e comentarista na CBN.

Pablo Ortellado

Professor de Gestão de Políticas Públicas na USP

Por e

Nas duas últimas semanas, uma proposta de ampliação da criminalização do aborto no Brasil tomou conta do noticiário. O Projeto de Lei 1904/24, proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e que conta com o apoio de parlamentares como Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Nikolas Ferreira (PL-MG), equipara a interrupção da gravidez após a 22ª semana ao crime de homicídio simples, com a possibilidade de condenação da gestante e do médico a uma pena de seis a 20 anos de detenção.

O argumento sempre utilizado quando o aborto entra no debate político é o de que os brasileiros são contra a interrupção da gestação, e que o Congresso e o Executivo deveriam estar de acordo com essa posição. Esse argumento é, na verdade, um artifício retórico, especialmente quando o debate diz respeito ao aborto previsto em lei.

Para demonstrar isso é importante revisar o que nos dizem as pesquisas de opinião sobre o tema. A literatura informa que a maneira de perguntar sobre o aborto em pesquisas de opinião produz grandes diferenças nos resultados. Indagar de maneira genérica sobre a legalização do aborto mobiliza valores enraizados nos entrevistados e que dificilmente mudam ao longo do tempo. Essa pergunta capta um sentimento difuso sobre a questão. Já a pergunta se a pessoa é a favor ou contra a prisão de mulheres que interrompam a gravidez invoca uma situação concreta e suscita avaliações de outro teor por parte dos entrevistados.

No Brasil, assim como em outros países, há grande estabilidade na opinião das pessoas sobre a legalização do aborto de forma genérica. Segundo a análise feita pelo Cesop/Unicamp, em parceria com o Cfêmea e o SPW, a partir de pesquisas realizadas por institutos e acadêmicos, nos últimos 15 anos, a posição contrária à legalização oscilou entre 70% e 80% dos entrevistados. Já a posição favorável, ficou entre 10% e 20%, no mesmo período. No entanto, quando a questão é sobre “a prisão de mulheres que interrompam a gravidez”, como propõe de maneira draconiana o PL 1904/24, o resultado é muito diferente.

Desde 2018, o Instituto da Democracia (INCT-IDDC), projeto financiado pelo CNPq e pela Fapemig, vem monitorando a percepção dos brasileiros sobre esse tema por meio de pesquisas nacionais intituladas “A Cara da Democracia”. Nessas sondagens, em 2018, 52% dos entrevistados mostraram-se contra o encarceramento. Em 2023, a porcentagem foi de 59%. Os favoráveis eram 27%, em 2018, e 28%, em 2023. Em todas as pesquisas, entre 2018 e 2023, a porcentagem de brasileiros contrários à prisão de mulheres que interrompam a gravidez foi sempre superior aos que se declararam favoráveis.

Na pesquisa realizada em agosto de 2023, em nenhum subgrupo observado (dividido por sexo, faixa etária, escolaridade, religião e raça/cor) a porcentagem de pessoas favoráveis à prisão foi maior do que que as que eram contrárias. Sobretudo, cabe informar ao deputado Sóstenes Cavalcante, liderança da igreja Assembleia de Deus, que, entre evangélicos, 56% dos entrevistados disseram ser contra o encarceramento, enquanto 31% afirmaram ser a favor, números bem parecidos com os encontrados entre os católicos.

O PL 1904/24 é danoso às políticas públicas de saúde reprodutiva. É cruel com mulheres e, em particular, meninas, que correspondem à maioria dos casos de aborto legal acima de 22 semanas. Além de coagir profissionais de saúde, é vergonhosamente complacente com estupradores e, sobretudo, não corresponde à percepção da sociedade, como se alega a torto e a direito.

Oswaldo E. do Amaral é pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp

Sonia Corrêa é Coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política (SPW)

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