Portugal Giro
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Portugal visto de dentro por um jornalista carioca

Informações da coluna

Gian Amato

Jornalista há mais de 20 anos, fez diversas coberturas internacionais por O Globo. Escreve de Portugal desde 2017.

Por Gian Amato

A violência e a discriminação sofridas pelas mulheres brasileiras em Portugal aumentam desde 2020. Somente a Coletiva Maria Felipa e as Brasileiras Não se Calam recebem novos relatos continuamente. Diante da escalada de casos e da acusação de agressão sexual feita por uma brasileira contra um agente da imigração, as ativistas da Maria Felipa organizaram uma manifestação no próximo sábado, às 15h, na Praça da Liberdade, no Porto.

Ao saber que o Portugal Giro tem recebido mais denúncias após ter publicado a matéria sobre a acusação da brasileira contra o agente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuella Bezerra, escritora, pesquisadora e coordenadora de cultura da Maria Felipa, informou:

— São centenas (de denúncias). Aqui também recebemos todos os dias.

A informação da coletiva sobre as brasileiras acompanha a escalada geral da violência doméstica contra as mulheres em Portugal. Divulgados ontem, os números da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Gênero (CIG) revelam recorde de 8.887 queixas no terceiro trimestre deste ano. Desde janeiro, foram 23.250 denúncias e 21 mortes.

Embora a Maria Felipa não seja uma casa de acolhimento, a coletiva recebe e encaminha as denúncias. Geralmente, as queixas de violência e discriminação podem ser feitas à CIG e à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), que produz relatório anual. No mais atual, foi detectado aumento de xenofobia contra nacionalidade brasileira. Na maioria das vezes, os relatos são transversais e incluem raça, sexo, etnia e país de origem. Cabe ao Ministério Público apresentar queixa-crime.

— Fazemos parte de muitos grupos de mulheres brasileiras em Portugal. Em todos há sempre muitos relatos de violência. Ser mulher é difícil, mas somos colocadas como segunda categoria de mulheres e, por isso, muitas não denunciam. E as que denunciam são ridicularizadas na polícia — disse Bezerra.

Ridícula foi a situação pela qual X passou e revelou ao Portugal Giro. A brasileira diz que estava saindo com um brasileiro que tem cidadania europeia. Afirma que ele confessou em áudio ter cometido estupro. Ficou surpresa quando ele resolveu processá-la por difamação.

— Ele gravou um áudio assumindo que me forçou a deitar com ele e pedindo desculpas. Não comentei com absolutamente ninguém de tanta vergonha. Nunca mais falei com ele. Meses depois, ele abriu um processo pedindo € 10 mil (R$ 53 mil) de indenização por difamação. Sem ele ter como provar a difamação, a juíza decidiu arquivar como “mal-entendido”, mas eu tive que pedir perdão para o cara que cometeu abuso — disse ela, continuando:

— Aconteceu em Lisboa. Eu e ele somos brasileiros, só que ele tem cidadania europeia e deu entrada no processo como europeu. (Teve) xenofobia, machismo e etc. Ele não conseguiu provar que eu divulguei e não sei nem como essa denúncia foi aceita. No Brasil, tem que mostrar provas. Aqui, país machista e xenófobo, eu tive que pedir desculpas por ele ter me estuprado bêbado dentro da casa dele. Foi um episódio traumatizante da minha vida, que completou um ano este mês.

A brasileira Y também foi vítima de violência doméstica. Ela contou que foi agredida com socos e pontapés pelo ex-namorado. Após prestar queixa na delegacia e fazer exames médicos, ela conta que ele continua atrás dela.

— Estou cheia de medo, porque ele sabe onde moro e veio me procurar — disse Y, que afirmou ter sofrido abusos durante a relação:

— Foi tortura psicológica o que eu passei, com insultos e xenofobia. Inclusive, fazia ataques xenófobos com ajuda de uma cúmplice.

Para Aline Rossi, gerente de marketing e coordenadora política da Maria Felipa, este tem sido, infelizmente, o cotidiano de milhares de mulheres em Portugal. Com o agravante, agora, do recente caso denunciado pela brasileira no SEF.

— Todos os dias as mulheres brasileiras imigrantes passam pelas mais diversas e absurdas violências, fruto da mentalidade colonial que está ainda muito presente, e que enxerga nossos corpos como propriedade do colonizador. Este caso é uma atrocidade, pois representa como a estrutura colonial e machista contra as mulheres brasileiras pode se apresentar enquanto uma política de Estado, institucionalizada — analisou Rossi.

Bezerra, sua companheira de trabalho na coletiva, endossa.

— Acontece que a estrutura colonial é muito viva e a mulher brasileira ainda é vista como uma propriedade colonial. Um homem português não olha da mesma forma para uma brasileira e uma portuguesa. Pior se forem negras ou indígenas. Eu já cansei de receber proposta na rua para ir para casa de prostituição apenas porque ouviram meu sotaque — disse ela.

Na próxima semana, dia 3, a coletiva promove o 1º Encontro de Mulheres Brasileiras em Portugal para "fundar um feminismo anticolonial".

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