Merval Pereira
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Merval Pereira

Uma análise multimídia dos fatos mais importantes do dia

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Merval Pereira

Participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa.

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O que era falado nos bastidores, e não por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), veio à tona na discussão sobre descriminalização do uso pessoal da maconha. O que era uma decisão de suma importância passou a ser, para alguns ministros, uma intromissão indevida do Supremo em decisões que deveriam ser tomadas pelo Congresso, com a ajuda de órgãos oficiais como a Anvisa, a agência de vigilância sanitária que decide questões ligadas à saúde da população.

Vários dos 11 ministros, em maior ou menor grau, pronunciaram-se afirmando que deveria caber ao Legislativo distinguir entre usuários e traficantes. O ministro Luiz Fux foi mais enfático, exortando seus colegas à autocontenção, afirmando que um “protagonismo deletério” corrói a credibilidade dos tribunais. Ele salientou que cabe aos Poderes eleitos pelo povo — Executivo e Legislativo — decidir questões “permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política”.

O excesso de ações constitucionais, advertiu Fux, tem feito com que o Supremo “passe a não gozar da confiança legítima da sociedade”. Outro que entendeu ser de competência do Congresso definir “quantidades mínimas que sirvam de parâmetros para diferenciar usuário e traficantes” foi o ministro Edson Fachin, embora todos eles, com exceção do ministro André Mendonça, tenham votado pela descriminalização do porte de maconha para consumo.

O ministro Mendonça considerou que é competência do Poder Legislativo definir a quantidade que diferencia consumidor de traficante, dando 18 meses para uma decisão do Congresso, no que foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli. A ministra Cármen Lúcia também votou a favor da definição de 60 gramas de maconha para distinguir entre usuário e traficante, mas aderiu aos que deram um prazo para o Congresso se definir sobre o assunto.

A necessidade de autocontenção do plenário do Supremo nunca havia sido tão debatida abertamente no próprio plenário. Pode ser o indício de que esteja havendo uma busca de caminhos menos polêmicos para a atuação da última instância do Judiciário. O próprio presidente Lula, em entrevista ontem antes da decisão final do STF, sugeriu que ele recuse temas que deveriam, ou poderiam, ser resolvidos pelo Legislativo.

Muitos alegam que o Supremo é procurado quando o Legislativo não decide, mas é preciso também entender que muitas vezes é uma decisão política não entrar em determinados assuntos. Nesses casos, ou o Supremo considera importante definir uma situação ambígua, como na diferenciação entre usuário e traficante, ou deveria se eximir de entrar na discussão. Concordo com a tese de que essas questões devem ser decididas pelos legisladores, baseados em laudos técnicos de especialistas.

Claro que o Supremo tem assessores de alto nível e acesso a todos os especialistas para embasar os votos de seus ministros, mas casos como definir quantos gramas de maconha um indivíduo pode portar sem ser tachado de traficante não deveriam ser de sua alçada.

Embora, pela tendência da maioria, a decisão do Congresso vá na direção de criminalizar o uso de qualquer quantidade de todas as drogas hoje consideradas ilícitas, contra o que penso (mais parecido com a maioria do STF), continuo considerando que o Congresso deve decidir. O problema é que o STF não age por conta própria, é sempre provocado por alguém, ou alguma instituição, e desta vez trabalha com uma reclamação sobre um artigo específico da Lei de Drogas que seria inconstitucional. Qualquer coisa que o Legislativo aprove diferente do que o STF já decidiu ficará inconstitucional. Não tem como votar uma PEC definindo a criminalização geral das drogas, quando o STF já decidiu que não é crime o uso pessoal de maconha.

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