Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

RESUMO

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GERADO EM: 25/06/2024 - 04:30

Tensões entre Arábia Saudita e Irã afetam adesão ao 'novo Brics'

A guerra em Gaza afasta a Arábia Saudita do 'novo Brics' devido às tensões com o Irã. A adesão dos sauditas ao grupo é incerta devido à diplomacia e ao peso econômico que perderiam sem eles.

Quando foi batido o martelo para a expansão do Brics, em agosto do ano passado, um dos grandes trunfos estratégicos foi a inclusão da Arábia Saudita, por seu peso geopolítico e econômico. Dez meses depois, porém, o triunfo ainda é incerto: os sauditas não têm demonstrado pressa em formalizar a sociedade, ainda que a adesão tenha sido ativamente defendida pela monarquia.

O que mudou nos cálculos de Riad foi o inesperado início da guerra em Gaza, pouco mais de um mês após o convite para aderir ao “novo Brics” a seis novos membros: Arábia Saudita, Emirados Árabes, Etiópia, Irã, Egito e Argentina (que caiu fora quando Javier Milei ganhou a Presidência). Embora a Arábia Saudita tenha restabelecido relações com o Irã em 2023, a tensão bilateral persiste. O conflito em Gaza alimenta a rivalidade e impacta o novo Brics.

Na lógica da diplomacia saudita, não há clima para entrar num clube com o Irã enquanto perdurar a guerra em Gaza, deflagrada pelos ataques terroristas de um grupo apoiado por Teerã. Supõe-se que uma das condições de Riad para avançar na normalização com o Irã (e na adesão ao Brics) é que a República Islâmica retire o apoio aos movimentos do arco radical, como o Hamas.

Fato é que, mesmo sem um recuo oficial dos sauditas em seu desejo de entrar no Brics, o engajamento até agora foi mínimo. De todas as reuniões organizadas este ano na Rússia, país que exerce a presidência rotativa do Brics, a participação saudita tinha sido zero até duas semanas atrás, quando houve o encontro de chanceleres na cidade de Nijni Novgorod.

E mesmo assim, o envolvimento foi inusitado e parcial: o ministro saudita, príncipe Faisal bin Farhan al-Saud, ausentou-se do primeiro dia, quando deveria participar da reunião em que os novos membros se juntaram aos antigos: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na foto oficial, estava faltando ele. O chanceler saudita só apareceu no dia seguinte, e limitou-se a encontros bilaterais. Ao ministro brasileiro, Mauro Vieira, Bin Farhan confirmou que seu país ainda não se decidiu sobre a adesão.

Na extensa declaração divulgada pelos chanceleres, o conflito em Gaza é abordado em 18 linhas, cujo teor principal é de críticas a Israel, sem nenhuma menção ao Hamas e ao ataque terrorista do grupo que provocou a guerra. Já o conflito na Ucrânia, deflagrado pela ação de um dos sócios do Brics, a Rússia, mereceu só um trecho vago: “Os ministros lembraram suas posições nacionais em relação à situação dentro e ao redor da Ucrânia.”

O desequilíbrio na abordagem entre os dois conflitos é um dos motivos que levam a diplomacia saudita a segurar a decisão sobre a entrada formal no Brics, segundo observadores. O temor em Riad é que o alinhamento com as posições do Brics comprometa não apenas seu desejo de manter uma “equidistância” em relação à guerra da Ucrânia, mas sobretudo o interesse de posicionar-se como uma força estabilizadora no Oriente Médio. Um acordo de paz com Israel continua sendo parte desse plano.

Em nome do pragmatismo para promover a reforma da governança global, faz-se vista grossa entre as poucas democracias do grupo ao risco de o Brics estar virando um clube de autocracias. Mas ninguém ignora o fator econômico: sem a Arábia Saudita, perde-se boa parte do peso almejado quando foi decidida a expansão, principalmente sem contar com os petrodólares da monarquia sunita na capitalização do Novo Banco de Desenvolvimento, o “banco do Brics”.

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