Malu Gaspar
PUBLICIDADE
Malu Gaspar

Análises e informações exclusivas sobre política e economia

Informações da coluna

Por Rafael Moraes Moura — Brasília

Ao exigir acesso a documentos do acordo de leniência de R$ 10,3 bilhões firmado pela J&F para investigar a ONG Transparência Internacional, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse considerar que “fatos gravíssimos” envolvendo a entidade não teriam passado “pelo crivo do Judiciário e do Tribunal de Contas da União” (TCU). Mas as acusações que Toffoli quer investigar já foram desmentidas pela própria Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na decisão desta segunda-feira, Toffoli afirmou que é necessário apurar se a Transparência recebeu parte dos recursos destinados ao pagamento da multa da J&F como parte de seu acordo de leniência.

Só que essa suspeita foi descartada em dezembro de 2020 em uma manifestação formal da subprocuradora então responsável pela comissão que avalia casos de corrupção enviada a outra colega, coordenadora de uma câmara do MPF.

“A Transparência Internacional não recebeu e tampouco receberá qualquer tipo de remuneração pela assistência prestada. Pelo contrário, desde a assinatura do memorando de entendimentos firmado entre todas as partes envolvidas, ficou estabelecida a proibição de qualquer transferência de recursos para que a instituição não governamental realizasse o apoio técnico cooperativo”, escreveu a subprocuradora-geral da República Samantha Dobrowolski, então coordenadora da comissão permanente de assessoramento para acordos de leniência e colaboração premiada.

Trecho da manifestação da PGR, em que subprocuradora classifica como 'inverídica' acusação contra a ONG Transparência Internacional — Foto: PGR/Reprodução
Trecho da manifestação da PGR, em que subprocuradora classifica como 'inverídica' acusação contra a ONG Transparência Internacional — Foto: PGR/Reprodução

Segundo a subprocuradora, a Transparência Internacional “prestou somente auxílio no planejamento e na definição de estratégias de investimento dos recursos envolvidos, estudando formas de reparação à sociedade e propondo metodologias para a melhor execução de projetos sociais, seguindo as melhores práticas internacionais, de que é conhecedora, como organização não governamental de alcance mundial que é”.

O ofício é endereçado à subprocuradora Maria Iraneide Facchini, que coordenava na época a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Em agosto de 2021, uma sindicância na corregedoria-geral do Ministério Público Federal (MPF) também concluiu que a Transparência Internacional não teve qualquer participação no acordo da Odebrecht.

A apuração, que tratava ainda de outras denúncias relativas à atuação da força tarefa da Lava-Jato, descartou irregularidades na obtenção de provas do acordo da leniência da Odebrecht. Mesmo tendo acesso ao relatório, Toffoli ignorou as conclusões da corregedoria e anulou as provas fornecidas pela própria empreiteira.

Toffoli determinou nesta segunda-feira (5) à PGR o envio da documentação do acordo de leniência – cujos pagamentos foram suspensos por ele mesmo, em dezembro do ano passado, na véspera do recesso do STF – para investigar “eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas”.

A mulher do ministro, Roberta Rangel, é advogada do grupo J&F, que pertence aos irmãos Joesley e Wesley Batista. Ela atua pela empresa no litígio contra a indonésia Paper Excellence em torno da aquisição da Eldorado Celulose, inclusive assinando petições.

O ministro do STF estendeu na semana passada o entendimento da J&F para suspender o pagamento das bilionárias multas de outro acordo, firmado pela Odebrecht/Novonor, também com a MPF, no âmbito da Operação Lava-Jato – o da J&F foi fechado no âmbito de outra investigação, a Greenfield.

Por determinação de Toffoli, a PGR deve enviar documentos relacionados ao acordo de leniência, incluindo um processo instaurado pela Corregedoria do Ministério Público Federal para averiguar a atuação de membros da força-tarefa da Lava-Jato em acordos internacionais.

A suspeita de que a TI estaria recebendo recursos públicos indevidamente surgiu logo depois da divulgação das mensagens da Vaza-Jato, e foi encampada pelo então procurador-geral Augusto Aras, que chegou a mandar bloquear parte do dinheiro das multas da J&F para que o caso fosse investigado.

Foi nesse contexto que Dobrowolski produziu o ofício de 13 páginas encaminhado a Aras.

De acordo com a subprocuradora, o trabalho da Transparência deu origem a um relatório tornado público, que contém recomendações com “estudos gerais” sobre o acordo, mas que “jamais caberia papel de gestor, tampouco havia nem haveria poder decisório para a TI (Transparência Internacional), como tampouco para o MPF.”

Para não deixar dúvida, ela ainda reforçou: “Qualquer informação que trate de supostos pagamentos à TI nesse contexto é inverídica. Não há previsão alguma no sentido de que a Transparência Internacional e/ou o MPF seriam responsáveis por gerir os R$ 2,3 bilhões estabelecidos no acordo de leniência, ou em seus aditamentos, a título de reparação de dano social pela J&F, tampouco seriam destinatários ou gestores de qualquer outro valor do mencionado acordo.”

Inicialmente, os R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F seriam distribuídos em quatro partes de R$ 1,75 bilhão a serem distribuídos para BNDES, União, Funcef e à Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social), além de mais duas cotas de R$ 500 milhões, uma para a Caixa Econômica Federal e outra para o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).

Outros R$ 2,3 bilhões seriam reservados para a execução de projetos sociais.

Mas o grupo, que concordou com a multa em 2017, questiona agora a cifra, alegando excessiva onerosidade e contestando os cálculos adotados na definição da multa.

Em nota divulgada nesta tarde, a ONG reiterou que não recebeu ou gerenciou valores do acordo, alvo de contestação da própria J&F.

O grupo dos irmãos Batista vem tentando se livrar dos pagamentos bilionários de todas as formas: primeiro, apostou em uma série de manobras internas de um subprocurador aliado de Augusto Aras para conseguir um desconto de R$ 6,8 bilhões, o que acabou anulado pelo Conselho Institucional do MPF.

Depois, recorreu a um atalho jurídico numa ação movida pelo presidente Lula contra a Odebrecht para tentar suspender os pagamentos até a análise do material obtido no bojo da Operação Spoofing, que veio à tona após o hacker Walter Delgatti Netto obter de forma ilegal mensagens atribuídas ao ex juiz federal da Lava-Jato Sergio Moro e o então coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol.

Procurado, o gabinete de Toffoli não se manifestou. A J&F enviou a nota abaixo:

A Transparência Internacional mente. A ONG tentou insistentemente se apropriar de recursos do acordo de leniência da J&F e de outras empresas. Foi o próprio Bruno Brandão, em pessoa, quem indicou à J&F os dados da Transparência Internacional para receber o depósito de recursos do acordo de leniência, enquanto era estruturada a fundação planejada por ela para gerir os valores.

O dever e o direito de executar os projetos sociais previstos no acordo de leniência eram da própria J&F. Um despacho do Ministério Público Federal, de abril de 2019, pressionou a empresa a aceitar as condições de governança impostas pela Transparência Internacional. Foi a resistência da J&F em desviar esses recursos que frustrou procuradores e seus parceiros e agravou a perseguição contra a companhia.

A reação da Transparência Internacional contra qualquer tipo de escrutínio legal às suas atividades demonstra que ela não está comprometida com os valores que prega.

Mais recente Próxima A reação de Carlos Bolsonaro que intrigou agentes da PF durante operação da Abin paralela