Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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Informações da coluna

Por Johanns Eller

Um detalhe insólito chamou a atenção de quem assistiu a apresentação do Ministério da Fazenda com informações sobre o arcabouço fiscal exibida nesta quinta-feira aos jornalistas e distribuída amplamente via aplicativos de mensagens.

Para embasar as projeções da equipe econômica até o fim da década, a pasta usou uma série histórica da política fiscal dos governos Fernando Henrique e Lula - mas que terminava em 2010, deixando de fora o que aconteceu na economia nos mandatos de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Os números foram exibidos durante a fala do secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, para uma “contextualização” técnica do desenho do arcabouço proposto pela Fazenda.

Neste momento, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) já haviam deixado o auditório da pasta.

“O primeiro slide contextualiza o que foram os governos Lula 1 e Lula 2”, afirmou Ceron, ao destacar que “ o compromisso social firmado pelo governo foi marcado pelo correspondente incremento de receitas, mantendo a responsabilidade fiscal”.

“Isso é possível. Um Estado forte não é um Estado irresponsável. Isso já foi feito e baliza nosso trabalho daqui para a frente”, complementou.

O gráfico exibido compara a receita líquida do Brasil com a despesa total, incluindo o resultado primário (proporção entre receitas e despesas) resultante de cada ano, sempre superior a 2% do PIB entre 2002 e 2010 - cenário bem diferente do governo Dilma.

Apresentação do Ministério da Fazenda restringiu série histórica da política fiscal até 2010 — Foto: Reprodução
Apresentação do Ministério da Fazenda restringiu série histórica da política fiscal até 2010 — Foto: Reprodução

No período em que a petista comandou o Palácio do Planalto, de 2011 até o seu impeachment, em 2016, o índice despencou até o país registrar déficit primário pela primeira vez na série histórica do Banco Central, de 0,59% , e a dívida bruta do governo chegou a quase 70% do PIB.

Seu governo também ficou marcado por um descontrole fiscal que criou condições para que o Brasil entrasse em recessão na segunda metade da década passada. O país chegou a ter seu grau de investimento rebaixado por importantes agências de classificação de risco.

Para economistas de governos anteriores ouvidos pela equipe da coluna, ao omitir os anos Dilma da apresentação, a Fazenda não só retirou da série histórica a derrocada fiscal na gestão da ex-presidente, mas também buscou destacar números de um período muito mais favorável ao equilíbrio das contas com o aumento de receita do que pelo lado do corte de gastos — contexto bem diferente do atual.

Isso porque a carga tributária do Brasil hoje é muito mais alta do que há 13 anos, o que torna a tarefa almejada pelo governo bem mais difícil.

Além disso, os números de Temer e Bolsonaro, que também ficaram de fora, indicariam uma despesa mais contida - com exceção do período da pandemia de Covid-19 - e um crescimento tímido da carga tributária.

Nós perguntamos ao Ministério da Fazenda por que não apenas os números da era Dilma Rousseff foram deixados de lado, como também os dados dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. A pasta não se posicionou até o fechamento desta reportagem.

No caso da omissão dos índices fiscais a partir de 2011 há também uma ironia política.

Passados três meses à frente da Fazenda, Haddad concluiu a primeira etapa do novo arcabouço fiscal após intenso fogo amigo por parte das alas mais heterodoxas do governo e do PT, incluindo defensores e até responsáveis diretos pela política adotada nos governos Dilma.

Nesse grupo estão Gleisi Hoffmann, presidente nacional do partido, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. Ambos comandaram a Casa Civil de Dilma e tiveram influência nos rumos da política econômica de seu governo.

Nos últimos meses, os petistas tentaram minar o projeto de arcabouço desenhado por Haddad publicamente ou de forma discreta, nos bastidores, com o objetivo de influenciar a agenda econômica do governo.

Mercadante convocou um seminário no BNDES dominado por economistas heterodoxos para discutir a nova âncora fiscal , e Gleisi tem usado as redes e entrevistas à imprensa para atacar qualquer proposta de ajuste.

A postura é semelhante à adotada por Lula durante a campanha eleitoral.

Surpreendendo alas do PT que apostavam no apagamento de sua sucessora, o então candidato defendeu o legado da aliada, mas declarou em diferentes ocasiões que o partido governou o país entre 2003 e 2015 - ignorando o segundo mandato de Dilma.

Agora que assumiu o governo, seus ministros parecem dispostos a inaugurar uma nova era — mas sem carregar o passado junto com eles.

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