Malu Gaspar
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Por Malu Gaspar

A crise das Lojas Americanas já levou à abertura de dois inquéritos administrativos e dez processos na Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, além de investigações na Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre a possibilidade de fraude no balanço da varejista.

É um enredo tão complexo e com tantos interesses poderosos envolvidos que as apurações podem levar anos, mas quem conhece o andamento do caso garante que a primeira investigação a ser concluída será sobre a live fechada que o ex-CEO da companhia, Sérgio Rial, fez no dia seguinte ao fato relevante em que assumiu ter encontrado "inconsistências contábeis" no balanço da Americanas.

O processo, aberto em 16 de janeiro, vai apurar a "conduta da companhia, acionistas de referência e administradores" na divulgação de informações sobre os problemas contábeis na empresa e a recuperação judicial.

Traduzindo: a CVM apura se a Americanas, o próprio Rial e o trio de acionistas principais —Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira — esconderam informações do mercado ou privilegiaram um grupo de acionistas em detrimento do resto dos investidores ao fazer a live.

O evento aconteceu na manhã de 12 de janeiro, quando o mercado ainda tentava assimilar o baque provocado pelo comunicado em que a companhia admitia que Sérgio Rial pedira demissão nove dias depois de ter assumido o cargo de CEO, após encontrar R$ 20 bilhões em "inconsistências contábeis" no balanço.

Na manhã seguinte, Rial se reuniu na sede do BTG, credor da Americanas, com analistas convidados pelo banco, para falar sobre o caso. O evento foi transmitido online em circuito fechado para cerca de 3 mil pessoas, segundo o que foi dito na própria live pelos organizadores.

Quem não foi convidado ou não tinha senha para o evento não pôde ouvir o que Rial disse sobre o rombo de R$ 20 bilhões ou sobre as expectativas dele para a companhia.

Durante a live, a negociação das ações da Americanas ficou bloqueada na bolsa. Mas a íntegra do que ocorreu no evento se perdeu e não foi disponibilizada aos outros investidores, uma vez que ele só começou a ser gravado depois de algum tempo e não ficou registro do que foi dito na primeira metade da reunião.

Por isso a CVM apura se houve privilégio a um grupo específico de investidores em detrimento do resto do mercado.

Em resposta aos primeiros pedidos da CVM, a própria Americanas entregou a gravação com parte da reunião e um outro vídeo, gravado depois por Rial, em que ele diz que está resumindo o que foi dito na primeira parte da live.

Quem viu a reunião na hora em que ocorria, porém, teve as primeiras informações sobre a situação da companhia antes dos outros.

No vídeo fornecido à CVM e que está disponível no site da autarquia, Rial pediu aos analistas um "voto de confiança" e afirmou que faria o que pudesse para recolocar a companhia nos trilhos.

Mencionou a palavra ética diversas vezes e disse que havia escolhido trabalhar com Lemann, Telles e Sicupira porque queria se "associar a gente que tem trajetória de muito sucesso, e que claramente demonstraram ao Brasil o que é possível ser feito a nível de capitalismo".

Disse, ainda, que continuaria assessorando os bilionários que têm 30% da Americanas porque tinha "absoluta convicção de sua seriedade", e garantiu que eles queriam "fazer parte da solução" para a empresa.

Mas se enrolou ao explicar as "inconsistências contábeis" e não convenceu ao dizer que os R$ 20 bilhões contabilizados no balanço como crédito, quando na verdade são dívidas, não teriam impacto no caixa da empresa.

Classificou, ainda, que os lançamentos contábeis "inadequados" como "manobras para fazer os débitos parecerem menores".

Em seguida, afirmou que a empresa não corria risco de ficar sem caixa, a menos que os bancos resolvessem antecipar o vencimento de seus créditos com a empresa — exatamente o que o próprio BTG fez logo depois.

Quem assistiu a live com Rial percebeu que ele não conseguiu explicar como foi possível esconder um rombo de pelo menos R$ 20 bilhões do mercado durante vários anos, e tampouco forneceu nenhuma garantia de salvamento financeiro pelos principais sócios da Americanas – o que antecipava o conflito com os bancos que depois veio a ocorrer.

Esse pessoal teve chance de escolher vender suas ações da Americanas o quanto antes — o que certamente não vai ajudar os acionistas, o CEO e os executivos da companhia na investigação da CVM.

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