Janaína Figueiredo
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Janaína Figueiredo

Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e desde 2019 é repórter especial.

Informações da coluna

Janaína Figueiredo

Colaborou com a GloboNews, CBN e La Nación. Foi correspondente do GLOBO em Buenos Aires e hoje é repórter especial. Escreveu o livro “Qué pasa, Argentina?”

Por — Buenos Aires

Em plena campanha eleitoral, o então candidato à Presidência da Argentina Javier Milei publicou um livro intitulado “O fim da inflação”, no qual explicava sua teoria sobre como derrotar um dos principais dramas que assolam o país. Nos primeiros meses de governo, Milei conseguiu reduzir a escalada de preços internos, mas a Argentina continua tendo uma das taxas de inflação mais altas do mundo — acima de dois dígitos mensais.

Agora, chefe de Estado anunciou que lançará um novo livro em breve: “Capitalismo, socialismo e a armadilha neoclássica” (em tradução livre). Milei não deu detalhes sobre o conteúdo, mas, segundo informações publicadas pela imprensa local, será praticamente um manifesto em defesa do sistema capitalista e contra qualquer tipo de socialismo ou comunismo. O presidente, como muitos outros líderes da ultradireita global, identifica seus adversários — no caso argentino, o peronismo e, dentro dele, o kirchnerismo — como socialistas ou comunistas.

Na Argentina, isso não faz qualquer sentido. Quem conhece o país e sua História sabe que o peronismo é um movimento político oscilante, que já foi de esquerda, centro e direita. Seu fundador, o general Juan Domingo Perón, eleito três vezes presidente, é o mais claro exemplo de que o peronismo não pode ser definido pelas categorias de direita ou esquerda. Perón, de origem militar, participou de golpes de Estado de direita, girou à esquerda quando passou quase 18 anos no exílio, e, no retorno ao país, comandou seu terceiro governo por menos de dois anos com uma guinada final à direita.

O presidente eleito democraticamente que Milei mais admira é peronista e chama-se Carlos Menem (1989-1999). O kirchnerismo aliou-se a governos de esquerda como o do venezuelano Hugo Chávez, mas não pode ser considerado um movimento socialista. Nos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015) foram levantadas bandeiras de esquerda, mas também seladas sólidas alianças com grandes grupos empresariais.

No fundo, Milei busca criar uma armadilha, na tentativa de manter seus seguidores engajados com um governo que ainda não tem resultados importantes. O país está mergulhado numa recessão que parece não ter fim, com alta inflação, pobreza acima de 40% — segundo estimativas privadas atingindo quase 60% — e sem um rumo claro para iniciar uma recuperação.

Milei não conseguiu aprovar leis importantes, normalizar o mercado cambial, atrair investimentos estrangeiros ou abrir a economia, graças à crônica escassez de dólares. Os cidadãos empobrecem em ritmo acelerado, e hoje o país tem um dos salários mínimos mais baixos da região (de cerca de US$ 200), similar ao de países como Nicarágua, Venezuela e Cuba.

Por enquanto, a estratégia comunicacional está rendendo bons frutos. Como me dizia uma fonte do Banco Central, o presidente cria disputas permanentemente e, mesmo que perca, sai fortalecido. Se uma lei não é aprovada no Parlamento a resposta da Casa Rosada é simples: “A culpa é da casta política, que não nos deixa governar”. Se a taxa de pobreza sobe, “a culpa é do governo socialista de Alberto Fernández que destruiu o país”.

Ninguém discute que a corrupção está enraizada no sistema político argentino. Que o governo Fernández foi um dos mais desastrosos desde a recuperação da democracia, tampouco. A questão é: quando a sociedade começará a pedir respostas a Milei, e responsabilizar seu governo pela crise? Até agora, suas armadilhas continuarão salvando a pátria.

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