Daniel Becker
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Conversas sobre infância, no plural: pelo bem-estar de crianças, famílias e sociedade

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Daniel Becker

Pediatra, sanitarista, palestrante e escritor. Ativista pela infância, saúde coletiva e meio ambiente.

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Seguindo no tema da birra: como agir na hora da crise?

O pior momento costuma durar pouco: apenas 5 minutos, em média. Mas parece durar uma eternidade. Se muito longas ou intensas, merecem um olhar atento do pediatra. Procure remover o gatilho: saia da loja de brinquedos, por exemplo. Procure um lugar privado para não expor você ou seu filho a julgamentos e piorar a sua irritação.

Antes de mais nada, lembre-se que o adulto na situação é você, que tem o cérebro maduro. Temos um impulso natural de reagir com violência – gritar, castigar ou até bater, ainda mais se recebermos um tapa ou mordida. Mas entenda: a criança não está nos agredindo ou faltando com o respeito: está descontrolada. Você é capaz de conter seus impulsos e agir de forma adequada, ela não. Bater é moralmente errado e improdutivo.

Manter a tranquilidade ajuda a criança a voltar à calma: isso se chama co-regulação. Como ela não tem capacidade de se controlar, nós funcionamos como seu guia. Ela tem neurônios espelho, que a fazem imitar comportamentos. Se nos mantivermos calmos, ela tende a sintonizar conosco e ir nessa direção também.

A respiração ajuda você a se acalmar: faça uma inspiração profunda seguida da expiração com os lábios semicerrados, soprando – uma excelente método de alívio para o estresse. Essa mesma respiração pode ser ensinada às crianças como uma brincadeira: cheire a florzinha, sopre a velinha. Ela deve aprender isso quando estiver bem (nunca durante a crise), inclusive usando esses objetos. Na momento da birra, lembre-a e faça junto com ela.

Se ela estiver descontrolada, batendo ou podendo se machucar, contenha-a de forma carinhosa. Ofereça o colo ou um abraço, se ela quiser. Se ela recusar, respeite. Apenas fique a seu lado.

Alguns “gatilhos positivos” podem ser úteis. Por exemplo, olhar nos olhos e tocar os ombros com carinho; e falar baixinho no ouvido, como se contasse um segredo – isso desperta a atenção da criança para o que é dito. E também usar a fantasia e a brincadeira, como expliquei domingo passado.

Uma crise de irritabilidade pode ser uma ótima oportunidade para plantar a semente da inteligência emocional. A criança está imersa numa intensa emoção, geralmente a raiva, e não tem “equipamento" neural para lidar ela. Por isso reage com choro compulsivo, se joga no chão, bate, atira objetos.

O que caracteriza uma pessoa inteligente emocionalmente? Ela é capaz de identificar suas emoções – isto é, tem consciência delas no momento em que ocorrem. E consegue usar a razão para decidir o que fazer com o que sente, suas reações. Ninguém pode controlar as emoções: elas são sempre espontâneas. Mas podemos refrear nossos impulsos e escolher como reagimos.

Nomear o que a criança está expressando no momento da birra a ajuda a identificar o que está sentindo: raiva, zanga, medo. E também acolher e legitimar essas emoções. “Você tá muito zangada! E tá tudo bem ficar zangada. Mamãe também fica muitas vezes.” Assim ela vai aprendendo não só a ter consciência, mas também a aceitar suas próprias emoções, e isso é importantíssimo. Claro que essa é uma sementinha: esse processo leva a vida toda.

Se ela se descontrolar, diga que “tudo bem ficar com raiva, mas não posso deixar você me bater / se machucar”. Ofereça um escape: “quer bater na almofada?”. Mostre, e comece a brincar – quem sabe não vira uma divertida guerra de almofadas? Assim ela vai aprendendo a diferenciar a emoção da reação, e a entender aos poucos que é possível controlar os impulsos, evitando o comportamento inadequado.

Uma boa parte dos pais lida com as crises de birra da pior maneira: batendo, castigando, ameaçando. Essas atitudes não ensinam nada, não reduzem as crises, e podem gerar traumas, alguns de difícil superação. Violência é sempre a pior opção. Escolha a orientação e o amor. Os resultados serão sempre melhores.

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