Já nos habituamos ao gênio paródico de Marcelo Adnet — a sua incrível capacidade, ao fazer imitações de figuras públicas, de expor o que elas têm de essencial. “Nas ondas da fé” traz um pouco desse Adnet, que leva às gargalhadas em vídeos curtos, mas o fôlego é outro: ele tem a missão de erguer um personagem que pare em pé por conta própria, apoiando-se ligeiramente em um ou outro modelo reconhecível.
Dirigido por Felipe Joffily (“Muita calma nessa hora”, “E aí… comeu?”) e escrito por Lusa Silvestre (“Estômago”, “Medida provisória”), com a colaboração de Adnet, a comédia tem uma ambientação suburbana carioca e um olhar carinhoso para a classe trabalhadora. Hickson, o protagonista, faz “telemensagens” e conserta computadores. Sua mulher, Jéssika (Letícia Lima), trabalha em salão de beleza. O sonho dele é ser locutor de rádio e “fazer vozes diferentes”. O casal frequenta a fictícia Igreja Internacional dos 12 Apóstolos, onde surge a mãozinha necessária para que o tal sonho se realize.
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A partir daí, características do universo neopentecostal são objeto de sátira, como o dízimo — “Dois reais”, uma das canções de Adnet para o filme, trata de situação chave para a trama. Ao mesmo tempo em que volta as baterias do humor para a hipocrisia da cúpula dessa igreja fictícia, “Nas ondas da fé” é generoso com os fiéis. Outra canção, “Deus é você” (de Márcio Lomiranda e Adnet), está mais em sintonia com essa tentativa de compreender o fenômeno religioso sem condená-lo. Hickson percorre jornada de aprendizado que flerta com a leveza da comédia de costumes, mas que é também dramática — e a cena final, já nos créditos, tem um incômodo bem realista que se conecta com o turbulento Brasil de 2023.