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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

As obras da Ponte Rio-Niterói estavam no estágio inicial quando aconteceu o acidente mais grave na construção da rodovia que atravessa a Baía de Guanabara. Naquela terça-feira, 24 de março de 1970, cerca de 20 pessoas trabalhavam em um teste de carga que envolvia a suspensão de 34 tubulões com 22 metros de comprimento cheios de água, pesando mais de 2 mil toneladas. Às 15h30, a plataforma onde ocorria o teste não suportou tanta carga e desmoronou, matando oito pessoas, entre elas cinco operários e três engenheiros, todos eles sugados para o fundo do mar com o peso do material.

A ponte que liga o Rio de Janeiro a Niterói, com 13 quilômetros de extensão e um tráfego atual de 150 mil veículos por dia, está completando 50 anos desde a inauguração, no dia 4 de março de 1974. Hoje, a maioria das pessoas não sabe, mas mas muita gente morreu em vários acidentes ocorridos durante a obra. Segundo o governo militar, houve 33 óbitos durante os mais de cinco anos de trabalhos. Mas estimativas não oficiais dão conta de até 400 vidas perdidas. Uma reportagem do GLOBO publicada em 2014 trouxe declarações de ex-operários descrevendo como as mortes eram algo corriqueiro.

Antes da ponte, só era possível viajar de carro entre Rio e Niterói contornando a Baía de Guanabara, em um trajeto de cerca de 100 quilômetros (passando pelo município de Magé, na Baixada Fluminense). Ou utilizando as barcas que levavam, no máximo, 54 veículos de cada vez. A ideia de construir uma rodovia sobre as águas da baía, emendando dois pedaços da BR-101, já era antiga. Mas foi apenas no dia 23 de agosto de 1968, que o general Artur da Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar, assinou um decreto autorizando a elaboração de um projeto de construção.

Construção da Ponte Rio-Niteroi, em 1973 — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO
Construção da Ponte Rio-Niteroi, em 1973 — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO

Uma das maiores obras da ditadura, a ligação viária entre o Rio e Niterói deveria ser um ícone do "Brasil Grande", proposto pelo regime. Houve até uma abertura simbólica dos trabalhos, "para inglês ver", em novembro de 1968, aproveitando a visita da Rainha Elizabeth II, que deu o pontapé inicial. As obras começaram pra valer em janeiro de 1969, quando a previsão do consórcio responsável era entregar a ponte em março de 1971. Mas houve um atraso de três anos, e a rodovia só foi inaugurada em 1974, quando o então ministro dos Transportes, Mario Andreazza, cruzou a ponte em um Rolls-Royce.

Além de ser uma obra colossal, que chegou a ter 10 mil operários e envolvia enormes desafios, havia pouquíssima cautela com a segurança no trabalho naquela época. Não é difícil encontrar fotos de operários calçando sandálias de borracha, usando bermudas, sem capacete ou fumando enquanto trabalhavam. Nos arquivos do jornal nesse período, há uma série de reportagens sobre acidentes fatais na construção. A tragédia mais grave aconteceu em março de 1970, quando morreram oito pessoas, mas a maioria dos acidentes ocorreu nos dois últimos anos, com a aceleração da obra.

A lista começa em 5 de novembro de 1969, quando uma explosão em uma das instalações de ar comprimido no final da Avenida Rio de Janeiro matou o operário Domício Barbosa Lima e feriu mais dois trabalhadores. No dia 4 de janeiro de 1974, dois meses antes da inauguração da ponte, seis operários, com idades entre 18 e 34 anos, foram mortos pelo desabamento de uma passarela a 32 metros de altura. Eles faziam o acabamento do pilar 21 quando a estrutura desmoronou. Dois homens se seguraram e sobreviveram. As condições do acidente não foram esclarecidas.

Quarenta anos depois da inauguração da ponte, em 2014, O GLOBO publicou uma reportagem com declarações de ex-operários descrevendo as mortes como algo corriqueiro e dizendo que os corpos eram rapidamente recolhidos, para que os trabalhos não ficassem muito tempo parados. Surgiu até a lenda de que muitos corpos foram concretados nas fundações da ponte, mas esses boatos nunca foram comprovados. "Se alguns corpos não foram resgatados, é porque desapareceram na baía, mas não concretados", disse o engenheiro Carlos Henrique Siqueira na reportagem de 10 anos atrás.

Trabalhadores nas obras da Ponte Rio-Niterói, em 1973 — Foto: Sebastião Marinho/Agência O GLOBO
Trabalhadores nas obras da Ponte Rio-Niterói, em 1973 — Foto: Sebastião Marinho/Agência O GLOBO
Elizabeth II (Rainha da Inglaterra) observando a maquete da Ponte Rio-Niterói — Foto: Arquivo O Globo
Elizabeth II (Rainha da Inglaterra) observando a maquete da Ponte Rio-Niterói — Foto: Arquivo O Globo
Ponte Rio-Niterói durante construção em 1973 — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO
Ponte Rio-Niterói durante construção em 1973 — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO
Trecho da Ponte Rio-Niterói na reta final da construção, em dezembro de 1973 — Foto: Antônio Nery/Agência O GLOBO
Trecho da Ponte Rio-Niterói na reta final da construção, em dezembro de 1973 — Foto: Antônio Nery/Agência O GLOBO
Operário durante construção da Ponte Rio-Niterói — Foto: Rodolpho Machado/Agência O GLOBO
Operário durante construção da Ponte Rio-Niterói — Foto: Rodolpho Machado/Agência O GLOBO
Construção da Ponte Rio-Niterói — Foto: Eurico Dantas
Construção da Ponte Rio-Niterói — Foto: Eurico Dantas
Ponte Rio-Niterói - Inauguração - Rolls Royce presidencial com o Presidente Emílio Garrastazu Medici e o Ministro dos Transportes Mario Andreazza — Foto: Arquivo / Agência O Globo
Ponte Rio-Niterói - Inauguração - Rolls Royce presidencial com o Presidente Emílio Garrastazu Medici e o Ministro dos Transportes Mario Andreazza — Foto: Arquivo / Agência O Globo
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