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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.

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Paulinho de Andrade era filho do todo poderoso bicheiro Castor de Andrade. Ele deixou a garagem do edifício Barra Business, na Zona Oeste do Rio, na sua picape Jeep Cherokee, conduzida pelo segurança Haroldo Alves Bernardo. Minutos depois, os dois estavam num sinal esperando para pegar a Avenida das Américas quando um homem chegou perto do carro e disparou 13 tiros com a sua pistola calibre 9mm, matando, a sangue frio, o motorista e o passageiro. Ficou escancarada, na noite daquela quarta-feira, há 25 anos, uma disputa violenta entre os herdeiros de Castor pelo controle do jogo do bicho.

Essa briga de cachorro grande, que se estende até hoje e já deixou dezenas de mortos, é um dos assuntos da série documental "Vale o escrito", que estreou no Globoplay. Dividida em sete episódios, a produção conta a história do jogo do bicho no Rio. A série criada por Fellipe Awi, codirigida e roteirizada por Ricardo Calil e tem supervisão artística de Pedro Bial, que também narra a atração.

Chefe de uma grande organização criminosa por mais de duas décadas e patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, Castor de Andrade tinha morrido em 1997, aos 71 anos, vítima de um infarto. Quem assumiu o comando da rede de contravenção, que tinha milhares de "funcionários", foi o sobrinho dele, Rogério Andrade, que já atuava na organização. No início, o filho do bicheiro morto aceitou, mas depois mudou de ideia e resolveu disputar o controle dos negócios da família com o primo. Para isso, o Paulinho se aliou a Fernando Iggnácio, que era genro do Castor

Rogério Andrade preso após assassinato de seu primo, Paulinho — Foto: Michel Filho
Rogério Andrade preso após assassinato de seu primo, Paulinho — Foto: Michel Filho

Rogério e Paulinho tinham crescido juntos, como se fossem irmãos, mas o sobrinho de Castor tinha fama de violento. Desde o início os detetives que trabalhavam no caso o apontavam como o mandante do assassinato do primo. Semanas depois do crime, que aconteceu na noite de 21 de outubro de 1998, o ex-policial militar Jadir Simeone foi preso, acusado por testemunhas, e não apenas confessou ter matado Paulinho de Andrade como também afirmou, com todas as letras, que havia sido contratado por Rogério Andrade para executar o rival.

Com Paulinho morto, Fernando Iggnácio, o genro de Castor, tornou-se o arquirrival de Rogério. Era o início de uma guerra que deixaria uma pilha de corpos ao longo de mais de 20 anos. Por trás dessa rivalidade, além da disputa pelo jogo do bicho, estava uma briga pelos pontos de máquinas de caça-níqueis, um negócio ilegal e extremamente lucrativo que se espalhava pelo Rio. A maioria dos mortos nessa disputa eram policiais e bombeiros que trabalhavam como seguranças para os dois bicheiros, mas os chefes dos bandos também foram alvos de atentados.

Em 2001, Rogério Andrade tinha saído de uma festa e estava deixando a namorada em um apart-hotel na Barra da Tijuca, de madrugada, quando um cabo fuzileiro naval da Marinha tentou atirar nele. Mas a arma falhou, os dois se atracaram no corredor do prédio, e o bicheiro escapou apenas com o olho roxo.

Carro de Rogério Andrade carbonizado após atentado que matou o filho, em 2010 — Foto: Cléber Júnior
Carro de Rogério Andrade carbonizado após atentado que matou o filho, em 2010 — Foto: Cléber Júnior

Em abril de 2010, Rogério e seu filho Diogo, de 17 anos, voltavam de uma academia de musculação a bordo de um Toyotta Corolla blindado quando o carro explodiu em plena Avenida das Américas, na Barra da Tijuca. Os indícios levaram a crer que uma bomba havia sido instalada dentro do veículo, sob o assento do motorista. A detonação foi tão forte que arrancou o teto do automóvel. Rogério estava no banco do passageiro e sobreviveu outra vez. Mas o filho adolescente, que, mesmo ainda sendo menor de idade, conduzia o Corolla, morreu na hora. O corpo dele ficou em pedaços.

Em setembro daquele ano, o bombeiro Antonio Carlos Macedo, que tinha trabalhado como chefe de segurança de Rogério Andrade, foi executado quando pilotava a sua motocicleta Harley-Davidson na Praia da Reserva. De acordo com as investigações, o bicheiro teria mandado eliminar o ex-segurança por achar que ele tinha facilitado o atentado que causou a morte de seu filho.

Dez anos mais tarde, no dia 10 de novembro de 2020, o maior rival do sobrinho de Castor se encontrou com o próprio fim de forma violenta. Fernando Iggnácio desembarcou de um helicóptero no Recreio dos Bandeirantes e foi morto com vários tiros de fuzil na cabeça antes de entrar em seu carro, no estacionamento do heliponto. O Ministério Público denunciou Rogério Andrade como mandante do crime. O caso chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF), mas a Segunda Turma da Corte trancou a ação por não enxergar provas da ligação do bicheiro com o assassinato.

Tanto Rogério quanto Iggnácio foram presos e condenados mais de uma vez ao longo de todo esse tempo, mas sempre conseguiram se livrar da cadeia. O sobrinho de Castor continua solto, mas policiais acreditam que ele pode ser alvo de um atentado a qualquer momento. Seu grande rival hoje é o bicheiro Bernardo Bello, acusado de tomar o controle da rede de contravenção da família Garcia.

Local do assassinato de Fernando Iggnácio, morto ao lado de seu carro, em 2020 — Foto: Domingos Peixoto
Local do assassinato de Fernando Iggnácio, morto ao lado de seu carro, em 2020 — Foto: Domingos Peixoto
Rogério Andrade durante desfile da Mocidade no carnaval de 2015 — Foto: Márcio Alves
Rogério Andrade durante desfile da Mocidade no carnaval de 2015 — Foto: Márcio Alves
Fernando Iggnácio preso escoltado por policiais, em 2006 — Foto: Fabio Guimarães
Fernando Iggnácio preso escoltado por policiais, em 2006 — Foto: Fabio Guimarães
Motocicleta de ex-segurança de Rogério Andrade executado em 2010 — Foto: Marcelo Carnaval
Motocicleta de ex-segurança de Rogério Andrade executado em 2010 — Foto: Marcelo Carnaval
O bicheiro Castor de Andrade, patrono da Mocidade, em 1990 — Foto: Arquivo
O bicheiro Castor de Andrade, patrono da Mocidade, em 1990 — Foto: Arquivo
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