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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.


Daniella Perez e Guilherme de Pádua durante gravação de 'De corpo e alma', em 1992 — Foto: Ricardo Chvaicer/Agência O GLOBO
Daniella Perez e Guilherme de Pádua durante gravação de 'De corpo e alma', em 1992 — Foto: Ricardo Chvaicer/Agência O GLOBO

Depois de Guilherme Pádua confessar o assassinato de Daniella Perez, o ator e sua então mulher, Paula Thomaz, contaram à polícia versões que faziam o crime parecer algo não premeditado. Como se a morte violenta da atriz de 22 anos tivesse ocorrido em meio a uma briga, o que poderia representar um atenuante penal. Mas, examinando o local do crime e também o corpo da vítima, a perícia policial não apenas desconstruiu a hipótese como também levantou diversos indícios de que ela teria sido executada num ritual macabro. A hipótese não foi comprovada, mas, para muita gente, os elementos revelados na investigação deixaram a dúvida no ar.

Daniella e Pádua interpretavam o par romântico formado por Yasmin e Bira na novela de "De corpo e alma", de Glória Perez, mãe da atriz. Na noite de 28 de dezembro de 1992, Daniela deixou o estúdio Tycoon, no Rio, onde gravara cenas da produção, em seu carro, um modelo Escort, e foi seguida por Pádua e Paula, dentro de um Santana. Horas mais tarde, Daniella foi encontrada morta num terreno baldio perto da Rua Cândido Portinari, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, com 16 perfurações no peito e no pescoço. Dias depois, legistas diriam que a cena do crime tinha elementos de ritual satânico.

Antes de ser preso, Guilherme de Pádua chegou a consolar Glória Perez pelo telefone e deu até um abraço no marido de sua vítima, o também ator Raul Gazolla, uma hora depois do assassinato. Na manhã seguinte, porém, a polícia bateu na porta do criminoso. O artista mineiro de então 22 anos ainda tentou negar seu envolvimento, mas decidiu reconhecer depois de saber das provas. Na noite anterior, uma testemunha anotara a placa de seu Santana quando o carro estava perto do Escort de Daniella, ao lado do local onde, horas depois, o corpo dela foi encontrado.

Guilherme de Pádua algemado após ser preso pela morte de Daniella Perez, em 1992 — Foto: Fernando Rabelo/Agência O GLOBO
Guilherme de Pádua algemado após ser preso pela morte de Daniella Perez, em 1992 — Foto: Fernando Rabelo/Agência O GLOBO

Mesmo com a confissão, o assassino insistia que matara a colega de gravação porque ela o vinha assediando e, em meio a uma discussão raivosa que se tornara uma briga, ele a sua mulher reagiram assassinando Daniella. Esta versão, porém, não parava de pé. Depoimentos de artistas do elenco da novela e funcionárias do estúdio davam conta de que era Pádua quem vinha assediando a filha de Glória Perez, autora de "De corpo e alma".

Evidências colhidas pela perícia também desbancavam o argumento do casal de criminosos de que houve uma briga. Em entrevista à imprensa na época, o então diretor da Polícia Técnica, Talvane de Moraes, contou que, em primeiro lugar, não encontrara nenhum indício de que, no momento do crime, a atriz reagira ao ser golpeada com um objeto perfurocortante. A constatação levava a crer que Daniela já estivesse inconsciente quando começou a receber a sequência de quatro estocadas no pescoço e outras 12 no peito, que atingiram seu coração e um pulmão, provocando anemia aguda e morte.

"O corpo da moça não apresentava lesões de defesa, o que é raríssimo quando a vítima está sendo agredida. Mesmo imobilizada, ela exibiria pelo menos arranhões ou lesões de quando teria tentado se livrar do agressor. Isso pode indicar que a atriz levou algum tipo de golpe para ficar inconsciente. Além disso, quando uma pessoa está agindo sob forte emoção, ela aplica golpes em qualquer região do corpo da vítima, o que não aconteceu", explicou Moraes, segundo O GLOBO de 2 de janeiro de 1993.

Na versão do assassino, as estocadas foram aplicadas com uma tesoura que estava no carro. O laudo pericial, porém, revelou ferimentos causados por um objeto perfurocortante com dois gumes e que deixou marcas características de um punhal, bem definidas. Foram quatro golpes no pescoço e, em seguida, 12 no peito. Segundo os legistas, uma tesoura teria que estar aberta para ser perfurocortante, o que provocaria uma quantidade de lesões superficiais e outras na mão do agressor, o que não aconteceu. Além disso, os furos na blusa da vítima mostravam que o instrumento não entrou esgarçando a malha, como uma tesoura faria, mas cortando, como uma lâmina de dois gumes.

Raul Gazolla e Glória Perez no velório de Daniella Perez, em 1992 — Foto: Marco Andre Pinto/Agência O GLOBO
Raul Gazolla e Glória Perez no velório de Daniella Perez, em 1992 — Foto: Marco Andre Pinto/Agência O GLOBO

As evidências do uso de um punhal reforçaram a linha de investigação segundo a qual Daniella havia sido morta num ritual de magia das trevas. Havia outros indícios. O corpo de Daniella foi encontrado no interior de um círculo queimado dentro de um matagal, ao pé de uma árvore, perto de pequenos ossos de animal. Na palma da mão direita da atriz, havia uma mancha avermelhada causada por substância não identificada e também verificada na árvore. Além disso, os ferimentos observados no peito da vítima formavam um círculo ao redor de seu coração.

"O uso do punhal é muito comum nesse tipo de ritual e, para seus adeptos, o coração é a sede da alma", disse o legista Talvane de Moraes. "O coração foi a região mais golpeada no corpo da vítima".

O perfil de Pádua levantado pelos policiais também reforçou a tese do ritual. Pessoas próximas e colegas como o ator Mauricio Mattar, que havia trabalhado com ele em um espetáculo teatral e estava no elenco de "De corpo e alma", contaram que os criminosos eram adeptos de uma seita um tanto sinistra do universo espírita e cultuavam uma imagem de gesso chamada Chicão. O assassino levava a suposta entidade para "assistir" a espetáculos e até para dentro seu camarim. Segundo Mattar, certo dia, Pádua o chamou para ir a sua casa conhecer Chicão porque a "entidade" falava que o casamento e a carreira dele estavam indo por água abaixo. "Não fui", garantiu Mattar.

Os advogados da família da vítima chegaram a defender a hipótese de que houve um rito satânico no ato da morte. A própria Glória Perez acreditava nisso. Mas essa tese não prosperou na Justiça. A motivação comprovada no julgamento foi a de que Pádua vinha assediando Daniella para obter mais destaque na novela, já que a atriz era filha da autora. Na semana do crime, ficou inseguro ao perceber que seu personagem perdia espaço e achou que Daniella contara à mãe sobre suas investidas. Para se vingar, convenceu a mulher de que a atriz o estava assediando, e os dois planejaram o assassinato.

Guilherme de Pádua e Paula Thomaz foram condenados. Ele foi sentenciado a 19 anos de prisão, e ela, a 18 anos. A mulher estava grávida de quatro meses quando eles cometeram o crime, e o bebê do casal nasceu quando a mãe estava sob a custódia do Estado. Os se divorciaram quando estavam na cadeia e voltaram à liberdade em 1999, após cumprirem um terço da pena.

Daniella Perez: Sepultamento da atriz no Rio, em 29 de dezembro de 1992 — Foto: Ivo Gonzalez/Agência O GLOBO
Daniella Perez: Sepultamento da atriz no Rio, em 29 de dezembro de 1992 — Foto: Ivo Gonzalez/Agência O GLOBO
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