Bernardo Mello Franco
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Bernardo Mello Franco

Um olhar sobre a política e o poder no Brasil

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Bernardo Mello Franco

Colunista do GLOBO e da rádio CBN. Trabalhou na Folha de S.Paulo e no Jornal do Brasil. Foi correspondente em Londres e escreveu o livro "Mil dias de tormenta"

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A bancada fundamentalista terminou a semana com duas vitórias na Câmara. Avançou em pautas que pioram a vida de mulheres estupradas e dependentes químicos.

Em votação relâmpago, os deputados aprovaram a urgência do projeto que restringe o direito ao aborto seguro. A ideia é mandar para a cadeia quem interromper a gravidez após a 22ª semana. Mesmo nas situações em que a lei permite a prática: estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia.

Na mesma quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou uma proposta de emenda que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. O texto dificulta a distinção entre usuário e traficante e abre caminho para aumentar o encarceramento de jovens negros e pobres.

As duas iniciativas seguem a mesma lógica. Tratam questões de saúde pública como casos de polícia. Ignoram estudos e estatísticas para impor bandeiras moralistas e religiosas.

O projeto antiaborto é uma aberração legislativa. A pretexto de defender a vida, pune mulheres e meninas que precisam de proteção e acolhimento. Em caso de estupro, a vítima é submetida a uma dupla violência. Se interromper a gravidez indesejada, fica sujeita a uma pena maior que a de seu algoz.

A ideia foi apresentada pelo deputado Sóstenes Cavalcante, prócer da frente evangélica. Ele é ligado a Silas Malafaia, dublê de pastor e animador de comícios bolsonaristas.

A PEC das Drogas não nasceu na igreja. Foi gestada no Senado para constranger o Supremo, que julga a descriminalização do porte de maconha. Seu relator na Câmara é o notório Ricardo Salles, que se uniu à bancada da bala para passar novas boiadas.

Os apóstolos do obscurantismo são muitos, mas não têm força para impor sua agenda. Dependem da ajuda de Arthur Lira, como se viu nesta quarta. O chefão da Câmara tabelou com a extrema direita por razões pouco religiosas. Quer apoio para fazer o sucessor e emparedar o governo, não necessariamente nesta ordem.

Impedir o aborto após o estupro deixaria a legislação brasileira tão retrógrada quanto a do Afeganistão, conhecido por violar direitos das mulheres. Como o Brasil ainda não virou uma teocracia, a ideia tende a acabar na gaveta. Para seus defensores, já valeu a pena. Movimentou as redes e produziu munição para as eleições municipais.

O caso também expôs a omissão do Planalto, que não quis enfrentar a ofensiva reacionária. O líder na Câmara chegou a dizer que o problema era “do Parlamento, não do governo”. Com a repercussão negativa e a pressão das ruas, a turma se viu obrigada a descer do muro. Tarde demais: a marcha do atraso já havia avançado.

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