A Hora da Ciência
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Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.

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GERADO EM: 24/06/2024 - 04:31

Autonomia feminina na saúde reprodutiva: desafios e resistências

O artigo destaca a importância da autonomia feminina na saúde reprodutiva, citando programas de sucesso na África e desafios enfrentados no Brasil. Aborda a resistência de associações médicas e a necessidade de ampliar os direitos das mulheres, questionando a postura conservadora do CFM.

O avanço (ou retrocesso) do mundo rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU é medido por indicadores. No Objetivo 5, Igualdade de Gênero, encontramos o indicador 5.6.1 que trata da autonomia da mulher para decidir sobre o uso de métodos anticoncepcionais e saúde reprodutiva. Ou seja, para as Nações Unidas, a autonomia da mulher reflete um desenvolvimento civilizatório. Já para o atual presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), é algo que precisa ser “limitado”. Esse é o mesmo conselho, vale lembrar, que durante a pandemia defendeu a “autonomia” absoluta do médico para ignorar a ciência: para o órgão regulador da atividade médica no Brasil, civilização tem limites; barbárie, não.

Os direitos reprodutivos femininos são desafiados todo o tempo, no mundo todo. Reportagem em The New York Times traz dados interessantes sobre contracepção na África Subsaariana. Os métodos preferidos das mulheres, principalmente em países com comunidades muçulmanas, são implantes e injeções. E a modalidade é preferida por ser mais fácil de esconder do companheiro ou marido. Uma jovem de 15 anos disse à reportagem que optou pela injeção porque seria mais fácil de esconder do tio, com quem vive. Se fossem pílulas, ele poderia encontrá-las e adivinhar para que servem.

Os programas para dar autonomia de escolha às mulheres tornaram-se bem-sucedidos depois que os médicos perderam o monopólio da saúde reprodutiva. Hoje, em vários países do continente, há agentes comunitárias que vão de porta em porta, oferecendo pílulas, injeções, e informação. Em alguns locais, há até autoinjeções, que podem ser compradas em farmácias, e a mulher não precisa se justificar ou correr o risco de ser julgada por um profissional de saúde conservador. O avanço se deu a despeito dos protestos das associações médicas.

Autonomia reprodutiva também depende de investimento, e de quais produtos estão disponíveis no mercado a preços acessíveis. Como os orçamentos de saúde são limitados, o desafio é convencer os governos de que investir em saúde reprodutiva garante retorno em redução de gravidez na adolescência, evasão escolar e maior participação da mulher no mercado de trabalho. No caso da África, agências internacionais e ONGs, como a Fundação Bill e Melinda Gates, contribuem para estes programas.

Enquanto isso, no Brasil, dados da Defensoria Pública paulista, publicados pela Folha de São Paulo, mostram que mais de 50% das denúncias de aborto ilegal são feitas por médicos e profissionais de saúde que atenderam mulheres em equipamentos do SUS, em violação da ética médica e do direito à privacidade da paciente. Todos bem alinhados, portanto, com a visão do CFM da autonomia feminina limitada e da médica, infinita.

O debate iniciado pelo infame PL do aborto parece ter acordado a população brasileira para os absurdos retrocessos que se tentam impor à sociedade. O ideal seria aproveitar este momento para ampliar, e não reduzir, a autonomia da mulher brasileira em sua vida sexual e reprodutiva. E talvez, seguir o exemplo dos países africanos, implementando programas com agentes comunitárias e enfermeiras treinadas para realizar procedimentos simples como a colocação de contraceptivos de longa duração. A secretaria de saúde do Estado do Rio de Janeiro lançou em 2023 o “Projeto Acolhe”, que oferece informação e implantes para adolescentes. É um bom começo.

Mas fala baixo, senão é capaz de o CFM tentar intervir para fechar o projeto, porque afinal, onde já se viu, adolescentes aprendendo desde cedo sobre direitos reprodutivos? O movimento Talibã se tornou infame mundialmente ao destruir a autonomia feminina no Afeganistão. Será que o CFM quer ser o Talibã do Brasil?

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