A Hora da Ciência
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A Hora da Ciência

Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.

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Vírus invadem e destroem células humanas. Por que não os programar para destruir células cancerígenas? A ideia é estudada desde a década de 1950, mas os resultados de testes em humanos nunca foram muito bons. Até agora. Uma startup da Califórnia (EUA), num estudo clínico, viu seu vírus eliminar o tumor em 64% dos pacientes que não respondiam ao tratamento convencional.

O número de pacientes foi pequeno, só 66 voluntários, que foram acompanhados por apenas seis meses. O estudo é considerado preliminar, mas representa uma boa prova de conceito de que é possível usar vírus oncolíticos (“quebradores de câncer”, literalmente) como tratamento. Também ajuda a demonstrar a segurança da técnica. Afinal, liberar vírus no organismo humano é algo que precisa ser visto com cuidado. E é uma boa história de como descobertas em ciência não são sempre lineares.

Células de câncer são especialmente vulneráveis a infecções virais, mais vulneráveis que as células normais do corpo. Usar vírus contra elas parecia, portanto, uma estratégia ideal, de alta especificidade. Vários experimentos foram feitos usando versões atenuadas de vírus considerados “benignos”, como o adenovírus, que também foi utilizado em algumas vacinas para Covid-19.

Em animais, os resultados chegavam a até 100% de remissão de diversos tipo de tumor. Mas, em pesquisa biomédica, são poucos os sucessos em animais que se repetem em humanos. Hoje, apenas um tratamento com vírus para câncer é aprovado nos EUA, um vírus da herpes simples modificado para atacar câncer de pele, que não é melhor do que os tratamentos convencionais. No Japão, existe um vírus aprovado para tratamento de glioma, um tumor cerebral.

A “sacada” na história do uso de vírus contra o câncer veio quando os cientistas notaram que o efeito positivo, quando acontecia, vinha não do ataque direto do microrganismo às células tumorais, mas da resposta inflamatória que recrutava o sistema imune em peso, atraindo células destruidoras de tumor criadas pelo próprio corpo do paciente.

Há ainda outros vírus oncolíticos sendo testados. No Instituto do Câncer Dana-Farber, em Boston (EUA), pesquisadores estudam como combinar os oncolíticos com tratamentos convencionais como quimioterapia e radioterapia. Ainda em fase preliminar, o estudo foi bem-sucedido em pacientes com melanoma, combinando um vírus modificado com quimioterapia. A diferença entre o grupo que utilizou o vírus e o medicamento, comparado com apenas o medicamento, foi bem discreta, mas apareceu. Em outro experimento, um vírus oncolítico diferente, pareado com o mesmo medicamento, mostrou diferença significativa para câncer de bexiga, com 68% de remissão do tumor após um ano, sendo que a taxa usual de remissão, apenas com o medicamento, é de 20%.

São quase 70 anos desde a primeira vez que se pensou em usar vírus para combater tumores. Neste meio tempo, demonstrou-se a segurança da estratégia, e que a primeira ideia nem sempre é a que vai funcionar melhor. Durante o processo investigativo, pesquisadores aprenderam sobre mecanismos de atuação dos vírus que não haviam previsto, foram obrigados a repensar suas hipóteses e desenhar novos experimentos.

É um belo exemplo de como funciona pesquisa em biomedicina, de quantos erros, tropeços e repetições são necessários até que uma nova terapia seja construída. Momento “eureca”, em geral, só acontece no cinema. A realidade é trabalho duro, perseverança e colaboração. E tudo isso requer investimento constante. Compreender como funciona o processo cientifico é, portanto, essencial. Gestores, legisladores e o público precisam entender isso para que o trabalho da ciência tenha o apoio contínuo necessário para seguir construindo novos tratamentos e tecnologias.

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