A Hora da Ciência
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A Hora da Ciência

Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.

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Ceias de Natal, e festas de família em geral, ficaram mais complicadas nos últimos anos, com o crescimento das dietas da moda e restrições alimentares específicas. Tem o primo que descobriu recentemente que é intolerante à lactose, a sobrinha que foi diagnosticada como intolerante a glúten, o tio que está seguindo dieta cetogência e a cunhada que faz dieta paleo. E haja tipos diferentes de panetone para atender a todas estas demandas.

Claro que muitas pessoas realmente sofrem com intolerâncias e alergias alimentares, e que por isso precisam restringir ou excluir totalmente alguns grupos alimentares. E é bom haver opções para que estas pessoas não precisem se sentir excluídas nas refeições. Mas há um número muito maior de pessoas que, mesmo sem nenhuma restrição médica, foi convencida, pelo marketing dos fabricantes de produtos “light”, por “coaches” de emagrecimento ou por curandeiros New Age, a aderir a alguma restrição alimentar . De todos os componentes alimentares eleitos vilões das dietas, o mais vitimado é certamente o glúten.

Quase todos os grãos que fazem parte da dieta humana (trigo, centeio, aveia, cevada) contém glúten, que nada mais é do que um mix de duas proteínas: gliadina e glutenina. Quando se mistura água à farinha de grãos, o glúten é o que dá elasticidade e formato para a massa. É certamente uma das proteínas mais consumidas do mundo. Está em quase tudo: pães, massas, tortas, biscoitos, e também em produtos menos óbvios, como cerveja.

Existe um grupo de menos de 1% da população que apresenta diagnóstico de doença celíaca, ou mais raro ainda, alergia não celíaca ao glúten, uma condição até hoje muito mal compreendida, definida por exclusão de diagnóstico, quando há sintomas de irritação intestinal que não podem ser atribuídos a causas conhecidas mas que melhoram com uma dieta livre de glúten. Mas os fabricantes de produtos sem glúten precisam vender e querem maximizar seu lucro. Um mercado composto por apenas 1% da população deixa de fora 99% dos consumidores em potencial. Então, quer melhor estratégia do que convencer as pessoas de que cortar o glúten, mesmo sem ser celíaco ou ter alergia, faz bem para a saúde? O mercado de produtos sem glúten é altamente lucrativo, com projeção de chegar a US$ 13 bilhões em 2030 , incluindo produtos como peito de frango, água e até xampu “livres de glúten”.

Ao cortar o glúten da alimentação, muita gente está também cortando produtos de padaria – pães, bolos, pastéis, doces – e frituras empanadas, que se consumidos em excesso trazem problemas a saúde. Nesse caso, o glúten entra como a azeitona na anedota da empada de camarão estragado: o cidadão come a empada, passa mal e põe a culpa na azeitoninha.

Mas então de qualquer jeito, cortar o glúten pode ser uma boa ideia, ainda que os benefícios sejam apenas indiretos? Na verdade, não. Eliminar o glúten traz risco de gerar carência de outros nutrientes, como vitamina B12, folatos, zinco e magnésio, além de uma redução importante no consumo de fibras solúveis, essenciais para um metabolismo saudável. Produtos sem glúten também costumam ser mais calóricos, com o agravante de, por terem menos fibras, apresentar um índice glicêmico alto, ou seja, provocam mais picos de glicemia no sangue. Dietas ricas em grãos integrais, como a mediterrânea, mostram benefícios para a saúde em diversos estudos nutricionais.

Uma coisa é cortar o glúten comendo menos pães e massas e incluindo mais frutas e verduras na dieta. Mas se ao cortar o glúten a dieta passar a ser predominantemente composta de substituições por produtos rotulados “livres de glúten”, mas ricos em carboidratos simples refinados, açúcar e poucas fibras, a dieta não ficou mais saudável.

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