Carolina Brígido

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Opinião

Marco temporal reanima divergências no STF e alimenta disputa entre Poderes

O debate em torno do marco temporal parece andar em círculos na Praça dos Três Poderes. O tema era inicialmente discutido no Congresso Nacional. O STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou a tese que restringe a demarcação de terras indígenas. Os parlamentares aprovaram um projeto de lei no sentido contrário. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou. O Congresso derrubou o veto.

Agora, para completar a volta de 360 graus, a discussão retorna ao STF - e, mais uma vez, expõe publicamente as divergências dos ministros em torno no tema.

Ontem, o ministro Edson Fachin, que ocupa interinamente a presidência do tribunal durante o recesso, recebeu em audiência representantes de povos indígenas. Eles pedem que os novos processos que chegaram à Corte sobre o assunto não sejam mais conduzidos por Gilmar Mendes, mas por Fachin.

Com posição favorável aos indígenas, Fachin relatou a ação que considerou inconstitucional a tese do marco temporal, segundo a qual apenas terras ocupadas por indígenas em outubro de 1988 poderiam ser remarcadas a favor das etnias.

Depois que a lei instituindo o marco temporal foi aprovada pelo Congresso, foram propostas ações no STF pedindo a derrubada da norma. Mendes foi sorteado relator e, em abril, suspendeu todos os processos judiciais do país que questionam a nova lei até que o Supremo tome uma decisão definitiva.

Mendes também deu início a um processo de conciliação, para buscar uma solução pacífica entre as partes interessadas sobre a demarcação de terras indígenas. O processo sobre o marco temporal chegou ao Supremo em 2016. Depois de muitos conflitos internos e com os outros Poderes, o tribunal conseguiu tomar uma decisão sete anos depois. O Congresso atropelou a decisão. É pouco provável que o caso comporte uma solução amigável.

Fachin não disse isso, mas agiu como quem sabe que não há possibilidade de negociação no caso - nem entre os Poderes, nem entre indígenas e o agronegócio. A posição díspar entre os dois ministros mostra que nem mesmo dentro do Supremo existe terreno para pacificação em torno do assunto.

Como presidente interino, ele pode decidir, em tese, retirar os processos da relatoria de Mendes. O estilo discreto de Fachin faz crer que o ministro não faria isso durante o recesso. Vale ponderar que Fachin pode até ser discreto, mas também é assertivo.

No fim de junho, durante o Fórum de Lisboa, que ficou conhecido como "Gilmarpalooza", Fachin cobrou "compostura dos juízes" em discurso, sem citar diretamente o evento em Portugal. Na mesma ocasião, o ministro disse que o Supremo deve atuar como "guardião constitucional", precisa "dar exemplo de coerência, integridade e estabilidade".

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Fachin repetiu ontem, diante dos representantes dos indígenas, que é contra o marco temporal. "Ja tive oportunidade de dizer no voto que à luz do parâmetro constitucional, não tenho duvida alguma acerca da inconstitucionalidade do Marco Temporal", declarou.

Em outra frente, quando chegar de férias, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, deverá tomar a decisão de pautar o julgamento dos recursos apresentados contra a decisão do plenário de rejeitar o marco temporal. Seria uma forma de devolver o debate ao plenário da Corte - e, dessa forma, revelar ainda mais as divergências entre os ministros sobre o assunto.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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